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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Acredite: o Cardiff City já esteve muito perto do título inglês


Dono da segunda vaga direta do acesso da Championship, o Cardiff está de volta à Premier League depois de quatro anos. Sua última passagem – marcada pela polêmica troca na cor de seu uniforme, ao deixar de lado o azul vestido há mais de um século – durou apenas uma campanha, na qual a equipe terminou na lanterna, com apenas sete vitórias em 38 jogos. Desempenho bem diferente do mostrado pelos Bluebirds na temporada 1923-24, quando estiveram muito perto (mas muito mesmo!) de se tornarem os primeiros galeses campeões da liga inglesa, mas sucumbiram num desfecho inacreditável.


Antes da criação da Premier League, o clube galês já contava com 15 participações na mais do que centenária elite inglesa: oito consecutivas nos anos 20 (entre 1921-22 e 1928-29), outras quatro nos anos 50 (entre 1952-53 e 1956-57) e as duas últimas na década posterior (1960-61 e 1961-62). Havia também chegado a duas finais da FA Cup em Wembley, batido pelo Sheffield United em 1925 e campeão ao derrotar o Arsenal dois anos depois.


De todos esses períodos, a década de 1920 foi, de longe, a mais bem-sucedida. Em 1920, logo após a reorganização do futebol inglês com o fim da Primeira Guerra Mundial, o clube pediu adesão à Football League e foi aceito, sendo incluído na segunda divisão. O acesso à elite viria já na primeira temporada. Daí em diante, além das finais da FA Cup, os Bluebirds terminaram na quarta colocação já em sua segunda campanha na elite (1921-22) e, mais tarde, no sexto lugar em 1927-28. Entre um e outro, veio a campanha mais surpreendente de todas: a da incrível disputa pelo título da temporada 1923-24.


A EQUIPE


Com apenas um único reforço - o do ponteiro direito escocês Denis Lawson, trazido do St. Mirren – o time já estava prontamente escalado. O irlandês Tom Farquharson, exímio pegador de pênaltis, era o goleiro. A dupla de zaga (no velho esquema 2-3-5, ou “pirâmide”) era formada por dois escoceses: Jimmy Nelson, pelo lado direito, e o capitão Jimmy Blair pelo esquerdo. Na linha média vinham os dois primeiros galeses da equipe: Herbie Evans pela direita e o sólido Fred Keenor pelo centro. Do lado esquerdo do setor, por sua vez, havia o inglês Billy Hardy, um dos nomes há mais tempo no clube.


Na linha de frente, junto com o recém-chegado Denis Lawson, havia uma dupla inglesa e outra galesa. Maior artilheiro da história do clube até hoje, o centroavante Len Davies era cria da base e seria o goleador do time – e seu principal personagem – também naquela temporada. Outro talento local (embora vindo do Cwmparc) era o ponta-esquerda Jack Evans. Já os dois ingleses eram os atacantes internos Jimmy Gill (ex-Sheffield Wednesday) e Joe Clennell (trazido do Everton).


O INÍCIO FULMINANTE


Em sua terceira participação na primeira divisão, o Cardiff começou arrasador. Até a rodada de Boxing Day, em 26 de dezembro de 1923, havia jogado 22 vezes, vencido 13, empatado oito e perdido apenas uma partida, para o Preston North End fora de casa, no fim de outubro. Naquela altura, graças às peculiaridades que perduraram por décadas quanto à sequência de jogos na tabela da liga, os galeses já acumulavam dobradinhas de triunfos (em casa e fora) sobre Sunderland, West Bromwich Albion, Nottingham Forest e Liverpool. Eram líderes isolados, quatro pontos à frente de Bolton e Huddersfield.


A segunda derrota viria no último jogo do ano, quando o time foi batido por 2 a 1 para o Aston Villa em Birmingham, em 29 de dezembro. No primeiro dia de 1924, a recuperação veio com vitória magra como visitante sobre o Middlesbrough (1 a 0). Mas logo em seguida, dali a quatro dias, o Villa aprontaria de novo, levando os Bluebirds a seu primeiro revés em casa, em pleno Ninian Park, por 2 a 0.


Nova recuperação veio com outra dobradinha de vitórias, desta vez sobre o Arsenal, batido por 2 a 1 em Londres e, uma semana depois, goleado por 4 a 0 no País de Gales. O time emendou uma terceira vitória, 2 a 0 no Blackburn, antes de empatar com o Tottenham na capital inglesa em 16 de fevereiro. Com a liga cedendo espaço às primeiras fases da FA Cup, o Cardiff só voltou a jogar pelo campeonato em março. Foi quando entrou em seu pior momento em toda aquela temporada.


Cartão com a programação dos jogos do Cardiff City na temporada 1923-24.

TROPEÇOS E A PERDA DA LIDERANÇA


O primeiro adversário, logo no começo do mês, foi justamente o Huddersfield, seu maior perseguidor. Batido por 2 a 0 em Leeds Road, o Cardiff agora estava apenas um ponto à frente na ponta da tabela. Mas a liderança logo iria embora: o time chegaria a quatro derrotas seguidas, perdendo duas vezes para o Notts County (apenas o segundo – e último – time a bater os galeses no Ninian Park naquela campanha da liga) e, no meio, caindo também para o Blackburn em Lancashire por 2 a 1.


Na virada do mês, ainda houve dois empates sem gols em jogos seguidos com o Everton, que estenderam o jejum de vitórias a sete partidas. Faltando outras sete para o fim do campeonato, o Cardiff já havia despencado para o quarto lugar. Mas, como havia qualidade no elenco, o time conseguiu reagir mais uma vez e venceu cinco dos próximos seis jogos – a exceção foi o empate em gols no confronto direto com o Huddersfield no Ninian Park.


No último jogo dessa sequência, em 26 de abril, o Cardiff recebeu o Birmingham e venceu por 2 a 0. No mesmo dia, o Huddersfield empatou em 1 a 1 na visita ao Nottingham Forest (sua quinta igualdade numa série de seis jogos). Assim, os galeses lideravam a tabela por um ponto, mas tinham só um jogo por fazer, contra dois dos Terriers. O time de Yorkshire, porém, desperdiçou a primeira chance de passar à frente ao perder para o Aston Villa em Birmingham por 3 a 1. A vantagem de um ponto seguia, a um jogo do fim.


A ÚLTIMA RODADA


No dia 3 de maio, o Cardiff enfrentaria de novo o Birmingham (agora fora de casa) enquanto o Huddersfield teria outra vez o Nottingham Forest pela frente (desta vez em Leeds Road). Uma vitória simples dos Bluebirds (ou uma menos provável derrota dos Terriers), e a taça iria para o País de Gales. Mas caso o Cardiff empatasse e o Huddersfield vencesse, os dois terminariam empatados com 57 pontos.


Nesse caso, seria preciso fazer contas: o critério de desempate (que vigoraria na liga até 1976) era o goal average, ou a divisão dos tentos marcados pelos sofridos. O time com o melhor produto dessa operação matemática seria o melhor classificado. Depois de gastar muito lápis e papel, os jogadores dos Terriers chegaram à conclusão de que precisariam de uma vitória por pelo menos 3 a 0 – e de preferência sem sofrer gols. E depois de muito nervosismo, conseguiram abrir o placar antes do intervalo, quando George Cook apanhou uma bola rebatida pelo goleiro do Forest e tocou para as redes.


Len Davies, em figurinha da embalagem dos cigarros Gallaher da época.

Enquanto isso, o Cardiff levava o jogo com o Birmingham mais ou menos em banho-maria, aproveitando alguma boa ocasião para sacramentar o triunfo. Só que o Huddersfield voltou com outra coragem para a etapa final, sem se intimidar nem mesmo com a chuva torrencial que caía. E ampliou a contagem aos 12 minutos, levando sua torcida ao êxtase. Só que, simultaneamente, em St. Andrew’s, uma chance clara de gol do Cardiff foi salva em cima da linha por um toque de mão de um defensor do time local. Pênalti.


Um por um, os jogadores mais experientes do time galês se abstiveram de cobrar a falta máxima, e a bola sobrou nas mãos do jovem goleador Len Davies – que, apesar de artilheiro, nunca havia batido nenhuma penalidade. O chute não foi tão difícil de ser defendido pelo goleiro Dan Tremmeling, do Birmingham. E o Cardiff perdia ali uma chance de ouro de encaminhar a conquista da taça. E não demoraria muito até que perdesse, de fato, a taça: dez minutos depois, num contragolpe, o Huddersfield marcou o terceiro.


Após o apito final, as notícias dos dois jogos só chegariam a ambos os estádios vários minutos depois, com o telefone fazendo as vezes de internet da época. E para o Cardiff, a frustração foi enorme. O clube terminava sua campanha com 61 gols marcados e 34 sofridos, enquanto o Huddersfield havia somado 60 e 33, um a menos nos dois casos. Foi o suficiente para fazer diferença mínima, mas decisiva, em favor do time de Yorkshire: no goal average, os Bluebirds ficaram com 1,794, contra 1,818 dos Terriers. Trocando em miúdos, os galeses perderam o título por 0,024 de gol.


O Cardiff nunca mais chegaria tão perto da conquista do campeonato. Já o Huddersfield, dirigido por um certo Herbert Chapman, partiria para fazer história: venceria também os títulos de 1925 e 1926, tornando-se o primeiro tricampeão inglês da história – feito repetido pelo Arsenal em 1933/34/35 (também dirigido por Chapman no primeiro título e em parte do segundo), pelo Liverpool em 1982/83/84 e, por duas vezes, pelo Manchester United em 1999/2000/2001 e 2007/08/09, já na era Premier League. Seriam também os três únicos títulos ingleses dos Terriers em todos os tempos.


Muitas décadas depois, outro clube do País de Gales que chegou a ameaçar uma zebra na primeira divisão foi o Swansea em 1981-82, tendo John Toshack (ex-Cardiff e Liverpool) como jogador-técnico, mais um punhado de jogadores da seleção galesa, além de ingleses experientes e até estrangeiros, como a dupla iugoslava formada por Ante Rajkovic e Dzemal Hadziabdic. Estreantes na elite naquela ocasião, os Swans chegaram a liderar a tabela e obtiveram resultados surpreendentes. Mas esta já é uma outra história.

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