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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Gordon Banks, o número 1 indiscutível


Os mais de 38 mil torcedores do West Ham presentes ao estádio de Upton Park naquela fria noite de 15 de dezembro de 1971 ficaram eufóricos quando o árbitro Keith Walker apontou para a marca do pênalti imediatamente após o meia Harry Redknapp ser derrubado pelo goleiro do Stoke, Gordon Banks. Faltavam poucos minutos para o fim da prorrogação na partida de volta das semifinais da Copa da Liga inglesa, e os Potters venciam por 1 a 0, depois de terem perdido em casa na ida por 2 a 1. Quando o centroavante Geoff Hurst pegou a bola para a cobrança, a tensão era tão grande que alguns jogadores dos Hammers preferiram nem olhar. Hurst tomou distância e encheu o pé num chute violentíssimo que talvez até furasse as redes. “Talvez” porque sequer chegou a cruzar a linha. Parou numa defesa inacreditável de Banks.


Considerado o melhor goleiro do futebol inglês (e um dos melhores do mundo) na história, Gordon Banks nasceu há 80 anos, em 30 de dezembro de 1937, em Sheffield. Filho mais novo entre quatro irmãos, todos homens, cresceu em uma família de recursos escassos. Seu pai trabalhava nas indústrias de aço locais e posteriormente como caminhoneiro. Mais tarde, para complementar a renda, passou a exercer uma atividade ilegal na época: tomador de apostas em corridas de cavalos. O negócio que trouxe prosperidade à família acabou também trazendo uma tristeza profunda: numa noite ao fim do expediente na loja, um dos irmãos de Gordon, Jack, foi assaltado e espancado. Deficiente físico, Jack viu seus problemas de saúde se agravarem com os ferimentos e morreu pouco depois.


Apaixonado por futebol desde criança, Gordon Banks sempre teve os goleiros como ídolos. Admirava grandes nomes do futebol inglês da época como Bert Williams (do Wolverhampton e da seleção) e o alemão Bert Trautmann (Manchester City), além dos donos da posição nos rivais de Sheffield – o escocês Dave McIntosh (do Wednesday) e o herói local Ted Burgin (do United) – e de George Farm, arqueiro do Blackpool, que chamou a atenção do garoto (e o inspiraria futuramente) por passar a partida gritando para orientar o setor defensivo em seu posicionamento, o que não era comum até então.


Mas foi por completo acaso que se tornaria um deles. Aos 14 anos, após se destacar pelo time de sua escola, chegou a ser convocado para a seleção de garotos de Sheffield, mas acabou barrado sem maiores explicações. Diante da frustração, no ano seguinte abandonou os estudos e passou a trabalhar carregando sacos de carvão e depois como aprendiz de pedreiro. Até que, numa tarde de sábado, fora assistir a uma partida de um time amador local, o Millspaugh, cujo goleiro não tinha comparecido. O garoto se ofereceu para entrar em seu lugar. Foi muito bem e acabou ficando.


Do Millspaugh, subiu alguns degraus ao passar no ano seguinte ao Rawmarsh Welfare, da liga de Yorkshire. Sua estreia, contudo, não foi como esperava: embora não tivesse atuado particularmente mal, seu time perdeu por 12 a 2. Na partida seguinte, outra derrota, desta vez em casa, por 3 a 1. Acabaria dispensado (“Não precisa voltar”, disse-lhe o técnico após o segundo jogo), retornando ao Millspaugh. Quando pensava que seu sonho de uma carreira profissional havia terminado com aqueles 15 gols sofridos em dois jogos, foi abordado por um olheiro do Chesterfield, clube então na terceira divisão da Football League, que o convidou a integrar o time juvenil.


Banks chegou ao clube em março de 1953, assinando seu primeiro contrato como semiprofissional em julho. Ganhava três libras por semana e defendia as equipes reserva e de juvenis. Por esta, em 1956, chegou a disputar uma final da FA Youth Cup contra o Manchester United dos ‘Busby Babes’, que contava com Bobby Charlton, futuro companheiro de seleção, em suas fileiras. Ao voltar do serviço militar, assinou seu primeiro contrato profissional com o clube, teve o salário aumentado e passou a titular do time de cima, mas não por muito tempo: meses depois, em julho de 1959, o Leicester City, da primeira divisão, batia à porta dos Spireites, com uma boa proposta pelo jovem goleiro de 21 anos.


GOLEIRO DOS ‘REIS DO GELO’


Diante da acirrada competição na posição dentro do elenco dos Foxes, Banks demorou um pouco a ganhar uma chance. Mas sua chegada à titularidade marcou o início de um período mágico no time dirigido por Matt Gillies. Na temporada 1960-61, a primeira completa do arqueiro como dono da camisa 1, a equipe terminou em sexto lugar na liga, chegando a derrotar o campeão Tottenham em White Hart Lane. Também alcançou a final da FA Cup em Wembley, mas acabaria derrotada pelos mesmos Spurs.


A dobradinha do Tottenham levou o Leicester à Recopa europeia – em uma das raras aparições de Banks em torneios continentais de clubes – na temporada seguinte. Depois de eliminar o Glenavon norte-irlandês na fase preliminar, os Foxes cairiam nas oitavas diante do Atlético de Madrid, mas o goleiro se destacaria ao defender um pênalti do ponteiro Enrique Collar na partida de volta, no estádio Metropolitano. A temporada seguinte, no entanto, seria aquela em que Banks entraria de vez para o rol de grandes goleiros do futebol britânico, além de ter sido marcante também para o Leicester.


Cotado inicialmente para o meio de tabela, o time surpreendeu, brigando pela dobradinha durante boa parte da temporada. Em fevereiro, em meio ao inverno mais rigoroso do século no Reino Unido, a equipe assumiu a liderança do campeonato e ganhou o apelido de “Reis do Gelo”. Enquanto isso, na FA Cup, o clube chegava à decisão após uma partida memorável de Banks contra o Liverpool. No campo neutro de Hillsborough, em Sheffield, cidade natal do goleiro, os Foxes venceram por 1 a 0 em gol de cabeça de Mike Stringfellow num contra-ataque. Mas o triunfo só veio graças às mais de 30 defesas do Banks, parando o ataque dos Reds, que dominaram o jogo. No último minuto, para fechar com chave de ouro a atuação assombrosa, o arqueiro fez um milagre em finalização de Ian St. John.


O sonho da dobradinha, no entanto, terminou de maneira amarga: Banks – assim como outros jogadores-chave – ficou de fora de alguns jogos por lesão, e o time patinou, terminando a liga apenas em quarto. Na copa, sofreria sua terceira derrota numa decisão em Wembley, caindo diante do Manchester United. O arqueiro, no entanto, ainda teve um consolo: estrearia pela seleção inglesa em abril de 1963, num amistoso contra a Escócia em Wembley. O antigo titular, Ron Springett, dono da posição na Copa do Mundo do Chile no ano anterior, caíra em desgraça após a goleada de 5 a 2 para a França em Paris pelas Eliminatórias da Eurocopa de 1964. Foi quando o novo técnico do English Team, Alf Ramsey, resolveu apostar em Banks.


O CAMISA 1 CAMPEÃO DO MUNDO


Com o meia Jim Baxter fazendo partida espetacular, os escoceses venceram por 2 a 1. Mas o goleiro inglês saiu com a reputação intacta, sem culpa em nenhum dos gols (um deles de pênalti). De volta ao clube, Banks levantaria em abril de 1964 o primeiro troféu de sua carreira: a Copa da Liga inglesa, então em sua quarta edição. Embora na época o torneio ainda fosse desprezado por alguns clubes (apenas 12 dos 22 times da elite aceitaram participar, a maioria da parte de baixo da tabela), marcaria a única conquista do bom momento vivido pelos Foxes naquela primeira metade dos anos 60. Ironicamente, o adversário na final seria o Stoke, clube o qual o goleiro defenderia mais adiante, superado em partidas de ida e volta (empate em 1 a 1 no Victoria Ground e vitória do Leicester em Filbert Street por 3 a 2).


No mês seguinte, o goleiro viria pela primeira vez ao Brasil com a seleção para a disputa da Taça das Nações, torneio quadrangular que também contou com Argentina e Portugal. No primeiro jogo, contra o Brasil no Maracanã, ele ficou na reserva de Tony Waiters, do Blackpool – e o escrete canarinho goleou por 5 a 1. Assim, ele ganharia sua chance para o próximo jogo, contra Portugal de Eusébio e Coluna no Pacaembu. E corresponderia com uma boa atuação no empate em 1 a 1, permanecendo no gol para o jogo de despedida, contra a Argentina, outra vez no Maracanã. Num jogo parelho, a Albiceleste venceu por 1 a 0, mas o arqueiro outra vez teve atuação convincente, contando pontos para sua titularidade no English Team, enfim conquistada a partir de 1965.


Naquele ano, das nove partidas jogadas pela seleção (três pelo Campeonato Britânico e seis amistosos contra equipes europeias de bom nível), ele foi o dono da camisa 1 em sete, passando sem ser vazado por testes como contra a Alemanha Ocidental em Nuremberg (1 a 0) e contra a Espanha em Madri (2 a 0). Já em 1966, seguiu como titular em seis dos oito amistosos jogados nos meses que antecederam a Copa do Mundo – incluindo mais uma vitória por 1 a 0 diante dos alemães, desta vez em Wembley, na partida que marcou a estreia do centroavante Geoff Hurst.


No Mundial, jogado em casa, Banks passou invicto pela primeira fase e também pelas quartas de final contra a Argentina, ainda que tenha sido bem pouco acionado (uma boa defesa numa bomba de fora da área do uruguaio Julio Cortés na estreia e outra num chute cruzado de Oscar Más para os argentinos). Na semifinal contra Portugal, num jogo mais disputado, o goleiro precisou entrar em ação mais vezes. Só foi vazado no fim do jogo, numa cobrança de pênalti de Eusébio após toque de mão de Jack Charlton, pondo fim a uma série de 721 minutos (ou pouco mais de oito jogos completos) sem sofrer gols pela seleção – marca ainda hoje não superada por arqueiros do English Team.



Na decisão contra a Alemanha Ocidental, Banks teve seu maior momento na primeira etapa, quando o placar era de 1 a 1, ao defender um chute forte de Overath da entrada da área e, no rebote, o tiro cruzado de Emmerich. Os alemães saíram na frente com um gol de Haller, e os ingleses viraram com Hurst, de cabeça, e Peters, aproveitando uma rebatida da defesa, mas cederam o empate a dez segundos do fim do tempo normal, com gol do zagueiro Weber, após cobrança de falta muito contestada. Banks não teve culpa em nenhum dos dois gols sofridos – os únicos de bola rolando em toda a Copa.


Na prorrogação, em que os ingleses marcaram mais duas vezes com Hurst (o primeiro deles, o eternamente discutido gol em que a bola não entrou), Banks não chegou a ser exigido, já que os alemães não atiraram com perigo ao gol em nenhum momento. O título mundial foi seu segundo na carreira e o primeiro em Wembley. O arqueiro foi escolhido o melhor de sua posição no torneio, integrando a seleção da Copa. Um prêmio a quem que se destacava pela coragem, bom posicionamento, ótimos reflexos, segurança tanto sob as traves quanto nas saídas da meta e por comandar a organização do setor. Tudo isso agarrando sem luvas: antes de adotá-las, mais tarde, Banks colava chicletes nas mãos para dar maior firmeza.



DE FILBERT STREET AO VICTORIA GROUND


Estranhamente, o goleiro campeão do mundo e eleito o melhor da Copa passou a viver momentos de incerteza em seu clube na temporada seguinte ao Mundial. Na base do Leicester, um jovem prodígio galgava espantosamente as categorias inferiores até chegar ao time de cima, estreando aos 16 anos numa partida contra o Everton pela liga, pouco antes da Copa, em maio de 1966. Seu nome: Peter Shilton. Impressionados com as exibições do garoto, os dirigentes dos Foxes pressionaram pela saída de Banks, então já perto de completar 30 anos.


Posto à venda por 50 mil libras, quantia a qual a maioria dos clubes consideravam alta para um goleiro, Banks quase foi parar no Liverpool ou no West Ham. Mas acabou mesmo contratado pelo Stoke City. Dirigidos por Tony Waddington, técnico famoso por apostar em jogadores experientes, os Potters haviam retornado à elite inglesa em 1963 e desde então vinham fazendo campanhas de meio de tabela. No Stoke, Banks reencontrou George Eastham, meio-campo reserva da seleção campeã do mundo, contratado ao Arsenal logo após a Copa. Curiosamente, seu primeiro jogo em casa pelo Stoke seria diante de seu ex-clube, o Leicester, em 29 de abril de 1967, vencendo por 3 a 1 já nas últimas rodadas da liga.


Um mês depois, embarcaria com o Stoke para os Estados Unidos, onde o clube participaria da curiosa United Soccer Association, torneio disputado por clubes do mundo inteiro, rebatizados com nomes locais – o Bangu, por exemplo, jogou sob a alcunha de Houston Stars, enquanto o Cagliari virou Chicago Mustangs, o Wolverhampton passou a ser o Los Angeles Wolves e o Cerro uruguaio se tornou o New York Skyliners. O Stoke – ou melhor, o Cleveland Stokers – terminou na segunda posição da Divisão do Leste, um ponto atrás do Washington Whips (codinome do Aberdeen escocês).


No ano seguinte, após ajudar o Stoke a se salvar do rebaixamento na última rodada com uma vitória por 2 a 1 diante do Liverpool, Banks foi à Itália disputar a Eurocopa com a seleção. A Inglaterra havia superado Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales em seu grupo nas Eliminatórias (que também valeu por duas edições do Campeonato Britânico) e passado pela Espanha nas quartas de final em ida e volta com duas vitórias (1 a 0 em Wembley e 2 a 1 no Santiago Bernabéu). Na fase final, disputada por apenas quatro seleções, os ingleses caíram nas semifinais diante da Iugoslávia por 1 a 0, gol de Dzajic a três minutos do fim em partida muito truncada. Mas, três dias depois, no Estádio Olímpico de Roma, bateram a forte equipe da União Soviética por 2 a 0 e terminaram com a terceira colocação.


A DEFESA HISTÓRICA NO MÉXICO


Depois de se salvar novamente do rebaixamento na última rodada em 1968-69, o Stoke começou a reagir na temporada seguinte, rondando as primeiras posições por boa parte da campanha antes de terminar em nono. Na seleção, Banks era o nome certo da camisa 1 para a Copa do Mundo do México, onde faria história. Sorteados em um grupo muito difícil, os campeões do mundo teriam pela frente Brasil, Romênia e Tchecoslováquia. Além de sofrerem com o calor e a altitude no México, ainda chegaram ao país abalados pelo episódio da acusação de roubo de um bracelete contra o capitão Bobby Moore no hotel em que a seleção estava hospedada em Bogotá, onde enfrentaria a Colômbia em um amistoso.


Uma vitória de 1 a 0 sobre a Romênia na estreia ajudou a colocar as coisas nos eixos, principalmente porque em seguida viria a partida mais aguardada da primeira fase, contra o Brasil. Num duelo que entraria para a história do futebol como um verdadeiro jogo de xadrez, Banks praticou a defesa que passaria a ser tida como a maior de todos os tempos. Jairzinho recebeu de Carlos Alberto na meia direita e correu até a linha de fundo, cruzando na medida para a cabeçada de Pelé, que chegou a gritar “gol”. Só que a bola, mesmo quicando no gramado na frente de Banks, foi espalmada milagrosamente para o alto pelo goleiro, que relembrou em seu livro de memórias a reação que se seguiu ao lance.


“Enquanto eu me levantava, Pelé, sempre um grande esportista, chegou até mim e me deu um tapinha nas costas. ‘Pensei que fosse gol’, ele disse, sorrindo. ‘Eu também’, respondi. A transmissão do jogo pela televisão me mostra rindo enquanto eu me virava para me posicionar para o escanteio. Eu ria do que Bobby Moore tinha acabado de me dizer: ‘Você está ficando velho, Banksy’, ele comentou, ‘[nesses lances,] você costumava agarrar’”.



Só não foi possível deter a bomba à queima-roupa de Jairzinho, após grande jogada de Tostão pela ponta esquerda e a assistência de Pelé, aos 29 minutos da etapa final. O gol deu a vitória ao Brasil, mas os ingleses também acabariam avançando às quartas de final após vencerem a Tchecoslováquia na última rodada, também por 1 a 0. A expectativa geral era a de que o time de Zagallo e o de Alf Ramsey se reencontrassem para mais um tira-teima na final. Mas no meio do caminho as coisas mudaram.


Aos ingleses, segundos colocados no Grupo 3, coube enfrentar nas quartas de final a Alemanha Ocidental, vencedora do Grupo 4, repetindo a decisão de 1966. O jogo estava marcado para o meio-dia do domingo em León. Na sexta-feira à noite, os jogadores foram liberados por Alf Ramsey para beber uma cerveja após o jantar. Após alguns goles, Banks começou a sentir um leve desconforto estomacal, que aumentou durante a madrugada. No sábado pela manhã, enquanto seguia no ônibus da delegação para o reconhecimento do estádio, sua saúde já inspirava cuidados bem maiores.


Durante todo o dia, Banks sentiu uma forte náusea, enjoos, calafrios, e principalmente acessos de diarreia e vômito. A medicação não fez efeito. Na manhã de domingo, entretanto, parecia ter melhorado. Submeteu-se a um teste físico bastante leve (o qual tacharia de “ridículo” em sua autobiografia) e foi escalado. Na preleção, voltou a se sentir muito mal. Enquanto era amparado pelos companheiros para conseguir se manter de pé, o técnico anunciava que Peter Bonetti, do Chelsea, entraria em seu lugar.


Banks voltou ao hotel e foi para seu quarto assistir ao jogo pela televisão. A partida foi transmitida pela televisão mexicana com 50 minutos de atraso (ou seja, quando o pontapé inicial foi exibido, o jogo já estava no intervalo). Pela tevê, o goleiro assistiu aos ingleses dominarem o primeiro tempo e abrirem o placar numa projeção do volante Alan Mullery. E ainda fazerem uma boa primeira metade de segundo tempo, ampliando logo aos quatro minutos numa finalização do meia Martin Peters.


Mais animado e confiante, apesar dos problemas no estômago, Banks viu os companheiros retornarem ao hotel, na volta do jogo, enquanto na televisão a partida ainda estava no início da etapa final do tempo normal. Perguntou o resultado e não conseguiu levar a sério quando, de cara amarrada, o zagueiro Bobby Moore lhe comunicou que os ingleses haviam perdido por 3 a 2 na prorrogação e estavam fora do Mundial. Pensou se tratar de algum tipo de piada. Até que soube o desenrolar da história.


Na verdade, nem mesmo o gol alemão marcado por Beckenbauer, aos 23 minutos, pareceu ter preocupado os ingleses. Tanto que, dois minutos depois, Alf Ramsey se deu ao luxo de sacar Bobby Charlton, que vinha controlando o jogo no meio-campo (o que o próprio Kaiser admitiria anos depois ao relembrar a partida), para dar lugar a Colin Bell. Só que, deste ponto em diante, os germânicos cresceram e passaram a dominar as ações. Ramsey recuou ainda mais o time aos 36, trocando o dinâmico meia Martin Peters pelo zagueiro Norman Hunter. E foi castigado logo no minuto seguinte, com um gol esdrúxulo de Uwe Seeler, cabeceando de costas para a meta, longe do alcance de Bonetti.


Na prorrogação, embora os ingleses conseguissem reequilibrar o duelo, só os alemães marcaram, com Gerd Müller anotando o gol da vitória aos três minutos da etapa final. Numa virada surpreendente, os favoritos ingleses estavam fora do Mundial. A derrota é considerada até hoje um divisor de águas no moral da seleção inglesa, que sequer se classificaria para as duas Copas seguintes, enquanto os adversários enfileirariam conquistas. Embora Bonetti não tenha exatamente falhado, a ausência de Banks foi muito sentida. A ponto de ser considerada um dos motivos da queda, em vista do que o arqueiro titular tinha apresentado até ali. Alf Ramsey lamentou profundamente o desfalque: “De todos os jogadores para se perder, tinha que ser justo ele”.


HERÓI NO CANECO DOS POTTERS


Com Banks ao centro, o elenco do Stoke posa com a Copa da Liga de 1972.

Nas duas temporadas seguintes ao Mundial, o Stoke viveria bom momento, especialmente nas copas inglesas. Além de obter vitórias expressivas sobre alguns dos favoritos na liga, os Potters chegariam duas vezes seguidas às semifinais da FA Cup, caindo em ambas para o Arsenal. Na primeira, em 1970-71, abririam 2 a 0 no campo neutro de Hillsborough, mas cederiam o empate em lances polêmicos. No desempate, no Villa Park, os Gunners venceriam por 2 a 0. Já na segunda, após eliminar o Manchester United, o Stoke ficou no empate em 1 a 1 outra vez no Villa Park antes de cair por 2 a 1 no Goodison Park, no desempate.


Restaria, então, a campanha épica na Copa da Liga de 1972. Diferentemente de quando Banks vencera o torneio com o Leicester, em 1964, o torneio agora já tinha mais prestígio, com a participação de todos os times da liga, além de ser decidido em jogo único, em Wembley, e valer uma vaga na recém-criada Copa da Uefa. Depois de uma maratona de 12 jogos, sendo seis “replays”, o Stoke chegaria à decisão, vivendo histórias memoráveis ao longo de sua trajetória. Eliminou o Southport (sem Banks), o Oxford United no replay, o Manchester United em um terceiro jogo após empates em Old Trafford e no Victoria Ground e, nas quartas de final, o Bristol Rovers. Até que chegaria a hora de medir forças com o West Ham, confronto mencionado na abertura deste texto.


Ao vencer de virada o primeiro jogo por 2 a 1 no Victoria Ground, os Hammers aparentemente puseram um dos pés na decisão. Mas na volta, em Upton Park, um gol de John Ritchie igualou o placar agregado. Até que veio, nos minutos finais da prorrogação, o pênalti cobrado por Geoff Hurst e salvo por Banks – defesa a qual o goleiro considera a mais importante de sua carreira. “Voei pelo ar com meus dois braços apontados para cima. Geoff pegou tão forte na bola que quando minha mão esquerda fez contato com ela, tive que tensionar os músculos do meu braço e do meu punho. De outro modo, a bola teria empurrado minha mão para trás. Para meu grande alívio, a bola ricocheteou para cima, por entre a atmosfera obscura da noite do East End e por sobre o travessão”, recontaria o goleiro em suas memórias.



Os dois times voltaram a campo pela terceira vez em 5 de janeiro, em Hillsborough, mas o empate em 0 a 0 após 120 minutos não definiu o finalista. Tudo ficaria para uma quarta partida (depois de um total de 420 minutos ou sete horas de futebol), em Old Trafford. Foi um jogo louco, surreal, histórico. Bobby Ferguson, arqueiro dos Hammers, foi atingido num lance casual e teve de deixar o campo por uns minutos, sendo substituído sob as traves por Bobby Moore – que acabaria defendendo um pênalti de Mike Bernard, mas sofreria o gol no rebote. Os londrinos empatariam ainda na etapa inicial e virariam com Trevor Brooking no começo do segundo tempo. Mas aos 10 minutos, o Stoke já estava de novo à frente no placar (3 a 2). Banks, com defesas espetaculares, garantiu o resultado e a vaga na final, encerrando a maratona.


O adversário na final no dia 4 de março em Wembley seria o Chelsea, que vinha de um período “copeiro”, conquistando a FA Cup diante do Leeds em 1970 e a Recopa Europeia sobre o Real Madrid em 1971. Era um time experiente e de bom toque de bola. Mas os mesmos adjetivos poderiam ser atribuídos ao Stoke do técnico Tony Waddington, que abriu o placar logo aos cinco minutos em cabeçada do meia-atacante irlandês Terry Conroy. Banks mostrou serviço defendendo um chute de longe de Charlie Cooke, uma finalização de virada de Chris Garland e um peixinho de Peter Osgood. Mas os Blues acabariam empatando um minuto antes do intervalo, quando Osgood, mesmo caído, conseguiu chegar antes do arqueiro.


Na etapa final, o Stoke teve um gol de John Ritchie anulado por impedimento logo no começo, mas mesmo assim marcaria novamente aos 28 minutos com o veterano meia George Eastham aproveitando a defesa apenas parcial de Peter Bonetti para um chute de voleio de Jimmy Greenhoff. Nos pouco mais de 15 minutos finais, diante da incessante pressão do Chelsea, o Stoke se segurou como pôde, com destaque para Banks, defendendo ora com ímpeto, ora no reflexo (como numa cabeçada cruzada de Peter Osgood) e ora com frieza, tranquilizando seus companheiros.


No fim, pouco depois de o Stoke ter o que seria o terceiro gol salvo em cima da linha do gol do Chelsea, Banks teve novamente que intervir do outro lado, saindo quase no limite da área para fechar o ângulo de Garland (e defender com o cotovelo), após um recuo malfeito por Mike Bernard. Ao apito final, a espera de 109 anos do clube por uma conquista havia terminado, para a alegria dos cerca de 35 mil torcedores que haviam viajado de Stoke-on-Trent até Londres (de um público total de aproximadamente 100 mil espectadores). E Banks conquistaria o terceiro troféu da carreira – o segundo no maior palco britânico.



Vivendo grande fase, Banks foi eleito o melhor jogador da temporada 1971-72 pela imprensa esportiva inglesa – o primeiro goleiro a receber a honraria desde seu ídolo Bert Trautmann em 1956. Em maio de 1972, entraria em campo pelo que seria a última vez com a camisa de goleiro da seleção, numa vitória por 1 a 0 sobre a Escócia, no Hampden Park, pelo Campeonato Britânico. Em suas 73 partidas pelo English Team, perdeu apenas nove. E em 35 delas – quase a metade – não sofreu gol. Em setembro, faria sua única partida de copa europeia pelo Stoke, uma vitória de 3 a 1 sobre o Kaiserslautern (sem ele no jogo de volta, os Potters seriam eliminados com uma derrota por 4 a 0 na Alemanha).


O ACIDENTE


No dia 21 de outubro, Banks fez sua partida derradeira pelo Stoke, diante do Liverpool em Anfield. Após ser recebido com carinho de campeão do mundo pela torcida local, executar defesas brilhantes e ver Jimmy Greenhoff abrir o placar para os visitantes, ele ficaria profundamente irritado com a marcação de um polêmico sobrepasso seu pelo árbitro Keith Walker. A bola foi rolada para Emlyn Hughes, que fuzilou para empatar o jogo. Depois, já bem além dos acréscimos, em nova falta contestada, Hughes rolou para o chute de Ian Callaghan, que desviou num defensor e traiu completamente o arqueiro. Habitualmente calmo e cordial, Banks deixou o campo irado, reclamando com o trio de arbitragem, sendo contido por seu colega de posição – e, por um tempo, substituto na seleção – Ray Clemence.



No dia seguinte, saindo de uma sessão de fisioterapia no clube para um problema que vinha sofrendo nos ombros, o goleiro dirigia seu Ford Consul quando tentou ultrapassar outro carro mais lento numa curva muito fechada, e acabou colidindo seriamente e de frente com uma van que vinha na outra mão, em sentido contrário. Depois da batida, só acordou no hospital, após uma longa cirurgia, sabendo que seu olho direito havia sofrido várias microperfurações pelos estilhaços do para-brisas e que talvez perderia a visão total dele de modo permanente, como acabou acontecendo, e o que representava o fim de sua carreira.


O acidente gerou comoção no país e também na comunidade futebolística internacional. Além do apoio da família, Banks ganhou imensas demonstrações de carinho de torcedores em toda a Inglaterra. Do Stoke, recebeu como homenagem um jogo de despedida que contou com a presença especial de Bobby Charlton e Eusébio, ambos vestindo o uniforme de listras vermelhas e brancas do clube. O arqueiro foi convidado a treinar as categorias de base do clube, mas alguns anos depois sua vida daria outra reviravolta.


No começo de 1977 ele seria convidado a voltar aos gramados como goleiro do Fort Lauderdale Strikers, da emergente NASL norte-americana. A equipe venceu a Divisão do Atlântico e Banks foi eleito o goleiro do ano. Mais tarde, tentaria sem sucesso a carreira de treinador no modesto Telford United, da non-league, antes de se afastar do jogo por um tempo. Em fevereiro de 2000, tornaria-se presidente de honra do Stoke, em substituição a outra lenda do clube, o falecido Stanley Matthews.


Há muito tempo, existia no país uma expressão popular que aludia ao Banco da Inglaterra para equiparar a ele algo cuja reputação era digna de toda a confiança por sua segurança e solidez, à prova de falhas. Dizia-se que tal coisa era “segura como o Banco da Inglaterra”, ou, no original, “safe as the Bank of England”. A carreira irretocável e repleta de grandes defesas do arqueiro campeão do mundo pelos Three Lions motivou uma alteração feita em homenagem a ele pelos torcedores no velho ditado: dos anos 60 em diante, o parâmetro passou a ser, muito justamente, “safe as the Banks of England”.


*Texto publicado originalmente pelo autor no site "Trivela" em 30 de dezembro de 2017.

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