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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Há 100 anos, um escândalo encerrava a curta história do Leeds City


O time do Leeds City que disputou a temporada 1914-15. Em pé, de chapéu, o técnico Herbert Chapman.

Um rumoroso caso de fraude financeira, que sacudiu o futebol inglês e teve seu desfecho há exatos 100 anos, custou ao pequeno Leeds City não apenas seu lugar na Football League como também sua própria existência. Das cinzas do clube que representou a cidade da região de Yorkshire na liga pelas duas primeiras décadas do século XX nasceria logo depois o Leeds United. Contamos aqui a breve história da antiga agremiação na liga inglesa, além dos motivos que levaram à sua extinção.


O Leeds City foi fundado em 1904 numa cidade historicamente devotada ao rúgbi. O time vestia camisa azul com um V em amarelo, além de calções brancos e meias também azuis. E naquele mesmo ano, passou a ocupar o campo de Elland Road, depois que o Holbeck – um dos clubes semiprofissionais de rúgbi da cidade – fechou as portas. Não demorou até que o clube conseguisse vaga na Football League, o que aconteceria no ano seguinte.


UM HISTÓRICO DISCRETO


A história do Leeds City na Football League é curta e sem grandes êxitos. Suas dez temporadas completas foram todas disputadas na segunda divisão. Além do bom sexto lugar obtido na estreia, em 1905-06, e repetido em 1912-13, o melhor posto foi um quarto lugar em 1913-14, na única vez em que o clube chegou realmente perto do acesso à elite, ficando dois pontos atrás do rival local Bradford Park Avenue, o segundo promovido.


Por outro lado, seu ponto mais baixo veio na temporada 1911-12, quando foi o penúltimo entre 20 clubes e teve que se candidatar à chamada “reeleição” como membro da liga. Na época, a Football League comportava apenas a primeira e a segunda divisões, e não havia rebaixamento direto desta para a chamada “non-league”. Os últimos colocados tinham de defender seu lugar na liga em votação feita no conselho da entidade.


Mas, mesmo sem feitos tão notáveis, a passagem do clube pela liga rendeu histórias marcantes. A primeira delas, logo no início da segunda temporada, em outubro de 1906, foi dolorosa: a morte do atacante escocês David “Soldier” Wilson, de apenas 23 anos, após sentir-se mal, com dores no peito, durante uma derrota em casa para o Burnley por 1 a 0. Foi um dos primeiros casos registrados de falecimento de atleta em meio a um jogo de futebol oficial.


A dor do Leeds City foi cicatrizada com gols: para o lugar de Wilson, foi contratado Billy McLeod, do Lincoln City, que se tornaria o maior goleador da curta história do clube na liga, balançando as redes 171 vezes em 289 partidas. No entanto, como o resto do time era formado muitas vezes por jogadores inexperientes e baratos, o clube não conseguia ir além do meio de tabela. Até que o quase descenso de 1912 levou à saída de Frank Scott-Walford do posto de secretário-técnico.


A ERA HERBERT CHAPMAN


Naquele mesmo ano, dois acontecimentos salvariam o clube por um tempo: a nova injeção de dinheiro feita pelo presidente e patrono Norris Hepworth e a contratação de um certo Herbert Chapman para o cargo de manager, no lugar de Scott-Walford. De saída, Chapman teria como missão persuadir os outros cartolas da liga de que o Leeds City merecia a chance de continuar na segunda divisão, no que foi muito bem-sucedido.

O lendário Chapman.

Com o clube mantido na liga e finalmente com dinheiro em caixa, o novo treinador trabalhava agora para o acesso à elite. Mas o clube se veria novamente em problemas quando percebeu que três de seus novos contratados estavam recebendo, na prática, um salário semanal maior do que o teto de quatro libras estabelecido pela liga. Reportou à entidade sabendo que provavelmente seria multado – e foi, em £125, além de obrigado a baixar os salários dos três atletas.


Passado o caso, Chapman levaria o Leeds City a sua melhor campanha na divisão de acesso, o já citado quarto lugar na temporada 1913-14. Nela seria registrada ainda a maior goleada aplicada pelo clube em seu período na liga: 8 a 0 no Nottingham Forest, com quatro gols de Billy McLeod (que em breve seria convocado para a seleção inglesa, embora não tenha entrado em campo), dois de Arthur Price, um de John Hampson e outro de Jimmy Speirs.


Desapontado com o acesso que não veio por dois pontos, o time fez campanha fraca em 1914-15, a última temporada antes da interrupção dos jogos em virtude da Primeira Guerra Mundial. Curiosamente, durante o conflito o clube enfim teve sucesso: venceu o campeonato extraoficial de 1918 organizado pela Football League em duas divisões regionais (Midlands e Lancashire), derrotando o Stoke na decisão inter-regional por 2 a 1.


A equipe que conquistou o título extraoficial de 1918, o único da história do clube.

A VOLTA DO JOGO APÓS A PRIMEIRA GUERRA


Com o fim da guerra e o retorno das competições oficiais na temporada 1919-20, o Leeds City se preparava para enfim dar seu salto rumo à primeira divisão. Porém, uma sombra pairava sobre o clube desde os tempos do conflito, quando Herbert Chapman deixou seu posto temporariamente para ser encarregado de gerenciar uma fábrica de munições. E para seu lugar no comando do time, apontou seu auxiliar, George Cripps.


Cripps não era, porém, muito estimado nem pelos jogadores, nem pelo novo presidente do Leeds City, Joseph Connor, o qual passou a acusar o novo treinador de malversar recursos do clube. Os problemas financeiros chegaram ao ponto de os dirigentes chegarem a considerar a falência do clube. Os atletas, por sua vez, chegaram a ameaçar uma greve caso Cripps não fosse demovido do comando da equipe. Até que Chapman retornou em 1918.


O auxiliar promovido a treinador, no entanto, não se daria por vencido. Recusando-se a retornar a seu posto anterior, contatou o procurador James Bromley, ex-dirigente do clube, e contou a ele sobre pagamentos irregulares feitos pelo Leeds City a jogadores durante a guerra. Ato contínuo, entrou com uma ação contra o clube, exigindo £400 de indenização. A questão foi negociada entre Bromley e o presidente Joseph Connor e então contornada.


Porém, em julho de 1919, quando o clube se preparava para retomar suas atividades oficiais na liga, uma disputa contratual fez reviver as ameaças de George Cripps. O lateral Charlie Copeland pediu alto para renovar seu compromisso com o clube e argumentou que, caso sua proposta não fosse aceita, ele revelaria à Football League toda a história de pagamentos ilegais. O procurador de Copeland na questão era James Bromley.


O ESCÂNDALO QUE PRECIPITOU O FIM


A comissão da Football League que decidiu pela exclusão do Leeds City

Um ano antes, o procurador havia recebido de George Cropps uma série de documentos (talões de cheque, livros de contabilidade e correspondências) que comprovavam a fraude financeira levada a cabo pelo Leeds City. Agora, porém, negava com veemência que havia munido Copeland daqueles papeis, os quais haviam sido guardados numa caixa, com Bromley prometendo por escrito ao clube que nunca os passaria adiante.


Sentindo-se chantageados, os dirigentes do Leeds City não cederam e acertaram a transferência sem custos de Copeland para o Coventry. O jogador então levou adiante suas ameaças e contou tudo às autoridades da Football League. Na época, sabia-se informalmente que outros clubes procediam da mesma maneira, enquanto a liga fazia vistas grossas. Agora, porém, era diferente: com a acusação formal, a entidade estava compelida a tomar providências.


A investigação foi então aberta e levou cerca de dois meses até que, no fim de setembro, oficiais da Football League e da Football Association se reuniram para começarem a segunda etapa do inquérito, na qual demandaram a apresentação por parte do clube de toda a documentação referente às movimentações financeiras, como balanços e livros de contabilidade. O Leeds City, no entanto, disse que não teria como apresenta-los de pronto.


Surpresa, a comissão deu ao clube o prazo até 6 de outubro para que ele apresentasse toda a papelada. Enquanto isso, os jogos rolavam. Sem medir consequências e imaginar as punições às quais a agremiação poderia ser submetida, o Leeds City viajou no dia 4 para jogar contra o Wolverhampton, naquela que seria a última partida de sua história. Após seguir para o intervalo perdendo, virou e venceu por 4 a 2, com hat-trick de Billy McLeod (na foto ao lado).


Naquele momento, o Leeds City ocupava a sétima posição na segundona, com quatro vitórias, dois empates e duas derrotas. Somava dez pontos, dois a menos que o vice-líder Birmingham City. Estava, portanto, vivo na briga pelo acesso, embora a competição ainda estivesse muito em seu início. Na volta do jogo, a delegação chegou a dar uma carona ao “delator” Charlie Copeland em um dos veículos que os havia levado a Wolverhampton.


AS DURAS SANÇÕES


Dois dias depois, como o clube voltou a afirmar que não poderia providenciar os documentos exigidos, a Football League decidiu suspendê-lo, ainda que o prefeito de Leeds, Alderman Joseph Henry, tenha anteriormente pedido clemência à entidade, chegando a oferecer-se para assumir a direção do City. Assim, também ficava adiada sem data prevista a partida contra o South Shields pela rodada seguinte. Mas ainda haveria a decisão final.


Uma semana depois, no dia 13 de outubro, a Football League anunciava a expulsão do Leeds City, bem como o banimento do futebol de quatro dirigentes do clube – entre eles, o presidente Joseph Connor – e também do técnico Herbert Chapman, que mais tarde conseguiria ter sua pena retirada ao conseguir provar que estava ausente do clube, trabalhando na fábrica de munições, quando os pagamentos ilegais foram feitos.


A Football Association, por fim, decretou a extinção do clube, e seu patrimônio – incluindo os jogadores – foi desfeito num episódio bizarro e constrangedor: um leilão realizado no Metropole Hotel, de Leeds, no dia 17 de outubro, com a presença de representantes de 30 clubes da liga. Entre traves, redes, chuteiras, uniformes e equipamento do departamento médico, o lance mais alto ficou mesmo nas 1.250 libras ofertadas pelo goleador Billy McLeod.


O Burslem Port Vale, clube da região de Stoke-on-Trent que havia saído da liga em 1907, acabou readmitido em substituição ao Leeds City e herdou a campanha do clube extinto naquele torneio da segunda divisão, mas não manteve os bons números, terminando num discreto 13º lugar. No mesmo 17 de outubro em que o espólio do Leeds City era leiloado, um grupo de torcedores e dirigentes do clube extinto fundou um novo. Nascia o Leeds United.

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