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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Crepúsculo vermelho: Os 30 anos do último Liverpool campeão inglês

Atualizado: 30 de abr. de 2020


Quando o Liverpool venceu o Queens Park Rangers por 2 a 1 em Anfield, há exatos 30 anos, e levantou seu 18º título inglês – o décimo caneco em 15 temporadas – os torcedores celebraram mais uma vez uma conquista que se tornara rotineira desde meados dos anos 1970. Sequer imaginavam que ali se iniciaria um longo jejum que atravessaria três décadas e segue pendente de um desfecho na indefinida campanha atual.


Pouco valorizada na época, em virtude de ter tido uma história considerada menos memorável do que outras (quando o Liverpool ou simplesmente atropelava os adversários de maneira avassaladora, ou se recuperava de maus começos em arrancadas épicas), ela passou a ser mais cultuada nos últimos anos por ter simbolizado o fim de uma era hegemônica dos Reds na liga inglesa – e agora é relembrada aqui em detalhes.


A FORMAÇÃO DO ELENCO


Desde meados de 1987, quando resolveu abrir o cofre para contratar jogadores valorizados como o ponta-esquerda John Barnes (do Watford), o atacante Peter Beardsley (do Newcastle) – ambos da seleção inglesa –, o volante Nigel Spackman (Chelsea), além do meia-direita Ray Houghton e do centroavante John Aldridge (ambos do Oxford), o Liverpool marcara presença apenas pontual no mercado de transferências.


No ano seguinte, o clube repatriou o goleador Ian Rush – o qual vendera para a Juventus na temporada imediatamente anterior e que fracassara em Turim – e retomou sua política de longa data de investir em atletas ainda em desenvolvimento para serem lapidados no seu centro de treinamentos em Melwood ao trazer o jovem lateral-esquerdo David Burrows, do West Bromwich Albion e da seleção inglesa sub-20.



Para a temporada 1989-90, novamente poucos nomes chegariam e sairiam. O único reforço digno de nota naquele início de campanha era o zagueiro sueco Glenn Hysen, bicampeão da Copa da Uefa em 1982 e 1987 com o IFK Gotemburgo e que passara pelo PSV e pela Fiorentina, onde chegara a ser companheiro de clube do brasileiro Dunga e de onde fora contratado por £600 mil após duas temporadas na galáctica Serie A italiana.


O elenco à disposição do escocês Kenny Dalglish – ídolo histórico do clube e que então ainda acumulava as funções de jogador e técnico – primava pela versatilidade e experiência (incluindo o próprio treinador, que chegou a entrar em campo em uma partida). Eram muitos os jogadores aptos a atuarem em mais de uma posição, assim como era grande o número de atletas que defendiam ou haviam defendido as seleções de seus países.


Havia uma espinha dorsal formada pelos jogadores há mais tempo no clube: o goleiro Bruce Grobbelaar, o zagueiro e capitão Alan Hansen, o meia-armador Ronnie Whelan e o atacante Ian Rush, além do polivalente Steve Nicol. Somava-se a ela como astros do time o trio de jogadores de seleção inglesa do clube: o aguerrido meia Steve McMahon, o habilidoso ponta-esquerda John Barnes e o dinâmico atacante Peter Beardsley.


No entanto, ainda havia mais de um punhado de jogadores utilizados com bastante frequência na campanha, contribuindo decisivamente em várias partidas mesmo não sendo titulares. “O importante é ter a profundidade certa de qualidade no elenco”, disse Dalglish após a conquista do título. E certamente aquele Liverpool desfrutava de um elenco vasto e forte, o que tornava o time-base um tanto flutuante.


No gol, porém, Bruce Grobbelaar reinava absoluto, mesmo com todas as suas excentricidades. Arqueiro imprevisível, poderia fazer uma defesa brilhante e em seguida cometer uma enorme pixotada. Mas, entre outras coisas, o zimbabuano nascido na África do Sul e vindo do Crewe em 1981 sabia jogar muito bem com os pés e frequentemente deixava a área para interceptar ataques, antecipando-se à tendência atual.


No centro da zaga, também se firmava a dupla constituída pelo novo reforço Glenn Hysen e pelo escocês Alan Hansen, ambos jogadores muito técnicos, ainda que sem tanta velocidade. Hysen também se lançava ao ataque com eficiência, enquanto o capitão Hansen primava pela classe em campo. Na reserva, havia outro escocês, Gary Gillespie (usado muitas vezes como lateral) e o versátil Gary Ablett, que também atuava pelo lado.


Nas laterais, dois ingleses atuaram mais vezes: Barry Venison, vindo do Sunderland em 1986, foi o mais frequente pelo lado direito, ainda que Gillespie tenha sido bastante utilizado. Na esquerda, o já citado David Burrows foi o titular, ainda que competisse pela posição com o versátil irlandês Steve Staunton, que também podia atuar pela meia-esquerda. Ablett também jogou algumas vezes deslocado para aquele setor.


Na faixa central do meio-campo, a tenacidade de Steve McMahon, o “hard man” do setor, e a visão de jogo do irlandês Ronnie Whelan se completavam à perfeição, especialmente porque os dois tinham bom passe – assim como seu reserva imediato, o dinamarquês Jan Molby, nome que fez parte da célebre “Dinamáquina” da Copa do Mundo de 1986. Whelan também podia atuar pela esquerda e Molby, em todas as funções do setor.


Pela meia-direita, a disputa foi acirrada pela titularidade. O escocês Steve Nicol, no fim das contas, foi quem mais atuou. Capaz de jogar em todas as posições da linha defensiva e também como meia por ambos os lados, acabou fixado naquela função. Com ele concorreu o criativo irlandês Ray Houghton, jogador talentoso, veloz e irrequieto, ainda que algumas lesões o tenham tirado do time, permitindo que Nicol se firmasse.


Já pela esquerda atuava o jogador mais talentoso daquele elenco: driblador brilhante, muito ágil ainda que também forte fisicamente, John Barnes se revelaria ainda um goleador constante graças ao esquema de Dalglish que com frequência o colocava mais adiantado, como um terceiro atacante. Anotou 22 gols naquela campanha (incluindo um hat-trick no último jogo, diante do Coventry), sagrando-se o artilheiro do time.


John Barnes: artilheiro surpreendente e toque de arte naquele time.

No ataque, havia o velho goleador galês Ian Rush, que voltava de passagem não muito feliz pela Juventus e foi muito criticado ao longo da campanha por sua forma supostamente menos prolífica desde então, mas que aos poucos engrenou e voltou a balançar as redes com frequência. Ao seu lado, Peter Beardsley se movimentava muito, criava espaços, municiava o setor com excelentes passes e também deixava seus gols.


No início da campanha, o elenco também contava com o irlandês John Aldridge, titular e artilheiro do time durante a passagem de Rush pelo futebol italiano e que chegou a formar um trio ofensivo com ele e Beardsley em momentos da temporada anterior. Visto como o sucessor do galês, acabou perdendo espaço na campanha seguinte, já que Dalglish descartou aquele sistema, e foi negociado pouco depois do início da temporada.


O COMEÇO DA CAMPANHA


Em linhas gerais, a campanha pode ter sua dinâmica facilmente descrita: a equipe rapidamente escalou posições até à liderança nas rodadas iniciais; teve seu período de oscilação, com quatro derrotas em sete jogos, entre o fim de outubro e o fim de novembro; e então deslanchou, quase imbatível (só um revés em 23 partidas), a partir de dezembro até a confirmação da conquista, quando ainda restavam dois jogos por fazer.


Porém, a trajetória não foi tão simples e categórica assim: o time esteve longe de encantar como na arrebatadora campanha de 1988 (ainda que algumas goleadas tenham sido registradas) e, mesmo quando aparentemente deslanchou, encontrou problemas para superar os adversários em vários jogos. Em certa medida por se tratar de um elenco envelhecido, com o time-base tendo a média de idade mais alta da primeira divisão.


Mas, como se acionasse o piloto automático, a velha tradição de chegada fez a diferença em favor do Liverpool no fim das contas. Além, é claro, da irregularidade dos principais adversários, algo com o que os Reds praticamente não sofreram. O atual campeão Arsenal, por exemplo, tinha suas credenciais para repetir o feito naquela temporada, mas logo de saída foi goleado pelo Manchester United por 4 a 1 em Old Trafford.


Enquanto isso, em Anfield, o Liverpool teve pela frente um jovem e aguerrido time do Manchester City e, mesmo com toda a resistência do adversário, venceu fácil por 3 a 1: Barnes abriu o placar de pênalti, Andy Hinchcliffe empatou num chute que desviou na zaga e, na etapa final, Beardsley colocou de novo os Reds na frente pegando um rebote de Andy Dibble e Nicol fechou a contagem após grande combinação de Beardsley e Barnes.


Mas nem tudo funcionava perfeitamente: enquanto o recém-repatriado Ian Rush, em má fase, perdia gols no ataque dos Reds, o artilheiro do time na temporada anterior, John Aldridge, seguia no banco após Dalglish ter descartado de vez o esquema com três homens de frente (mais Barnes como suporte) que chegara a utilizar na reta final da última campanha. Assim, o Liverpool parou em empates com Aston Villa (1 a 1) e Luton (0 a 0).


Com isso, alguns clubes pequenos viveram seus dias de glória, alcançando rapidamente a ponta da tabela. O caso mais marcante foi o do recém-promovido Millwall, líder fugaz do campeonato por uma rodada no início de setembro, em sua segunda temporada na primeira divisão. Quando já se especulava se os Lions poderiam surpreender os favoritos e levantar a taça, no entanto, o Liverpool resolveu acabar com a brincadeira.


Em 12 de setembro, o time recebeu o Crystal Palace em Anfield e desatou aquela que seria sua maior goleada na história da primeira divisão inglesa. Num primeiro tempo até econômico em gols pelo que viria em seguida, Nicol abriu a contagem completando uma bela troca de passes. McMahon encobriu o goleiro Perry Suckling e anotou o segundo. E Rush pegou a sobra de uma grande jogada de Beardsley e marcou o terceiro.


Na etapa final, Gillespie mergulhou num escanteio para cabecear o quarto gol. Beardsley tabelou com Rush e anotou o quinto. Aldridge saiu do banco para converter um pênalti de Jeff Hopkins em Whelan e fazer o sexto. Barnes, numa linda cobrança de falta, marcou o sétimo. Hysen, de cabeça, colocou o oitavo nas redes do Palace. E Nicol, o único a marcar dois, concluiu um centro de Burrows para fechar o massacre em 9 a 0.


O resultado levou, pelo saldo de gols, os Reds à primeira colocação, na qual permaneceriam pelas próximas semanas. Mas a partida também marcaria uma despedida: Kenny Dalglish resolvera o dilema do ataque decidindo negociar... Aldridge. Vendido à Real Sociedad por £ 1,25 milhão, o irlandês faria seu último jogo pelo clube naquela noite. E retribuiria o carinho arremessando sua camisa e o par de chuteiras aos torcedores da Kop.


O estoque de gols liberado contra o Palace parecia ter se esgotado no jogo seguinte, um 0 a 0 em Anfield diante do Norwich, tropeço que levou o time a perder a liderança para o rival Everton, bem na hora do primeiro Merseyside Derby, marcado para o dia 23, em Goodison Park. Os Toffees ainda reuniam então uma equipe forte o suficiente para ser cotada ao título, o qual haviam levantado duas vezes nos cinco anos anteriores.



E os donos da casa abririam a contagem aos 17 minutos com seu novo atacante Mike Newell – contratado do Leicester e que balançava as redes pela quinta partida das sete iniciais – concluindo lançamento de Pat Nevin. Em seguida, Ian Rush acertou a trave pelos Reds e o mesmo Newell respondeu com uma cabeçada que fez tremer o travessão de Grobbelaar. Mas aos 32, Barnes empataria cabeceando cruzamento de Beardsley.


O jogo se desamarraria para o Liverpool na etapa final, quando o criticado Rush mostraria que aos poucos voltava a acertar o pé. Em dois minutos, ele balançaria as redes duas vezes. Aos 17, completando cruzamento rasteiro de Barnes da esquerda para virar o jogo. E aos 19, recebendo excelente passe de Beardsley para decretar a vitória, numa bola a princípio travada por Neville Southall, mas que subiu e tomou o rumo das redes.


AS TURBULÊNCIAS


Para o Everton, a derrota significou o começo de uma sequência ruim que iria até o fim de 1989, com sete derrotas e apenas quatro vitórias em 14 partidas (incluindo o clássico), e que afastaria o clube da briga pelo título. Já o Liverpool venceria mais uma partida – 2 a 1 sobre o Wimbledon, em Londres – antes de entrar em seu próprio pior momento na temporada, a partir do fim de outubro, começando na visita ao Southampton.


Beardsley disputa a bola na derrota em Southampton, a mais pesada da campanha.

Os Saints levavam a campo uma equipe contendo um ex-Red (o meia Jimmy Case), um futuro Red (o zagueiro Neil Ruddock) e um punhado de jovens de grande futuro (Rod Wallace, Matt Le Tissier, Alan Shearer). E engoliram o Liverpool de uma maneira poucas vezes vista na época, impondo um contundente 4 a 1 – que poderia ter sido cinco, não fosse uma cabeçada de Ruddock salva em cima da linha por Beardsley no último minuto.


“Eles foram superiores em todos os aspectos. Foram mais firmes na marcação, mais rápidos com a bola, mais fortes nos desarmes, mais objetivos nos passes; eles se deram mais opções e suas finalizações foram da mais alta qualidade”, comentou o jornal The Times. A má exibição, que confirmava a fase nitidamente ruim de Ian Rush, ligava o sinal de alerta em Anfield. Mas o time ainda sofreria antes de navegar em águas mais calmas.


Quatro dias depois, o Liverpool cairia para o Arsenal na Copa da Liga perdendo pelo placar mínimo em Highbury. Ray Houghton ganharia a vaga de Steve Nicol no lado direito do meio-campo e o time melhoraria contra o Tottenham (que teve Gary Lineker, mas não Paul Gascoigne), vencendo por 1 a 0 em Anfield. O meia irlandês faria a assistência para o gol de Barnes (um lançamento por trás da defesa) e solidificaria seu lugar na equipe.


No entanto, a atuação da equipe voltaria a decair clamorosamente no jogo seguinte, uma derrota em casa para o Coventry. No começo da etapa final, o veterano Cyrille Regis surgiria desmarcado no meio da área para testar para as redes uma cobrança de falta na área. Era seu primeiro gol em Anfield. O primeiro tento dos Sky Blues no estádio em sete anos. E a primeira vitória do clube no lendário palco em toda a sua história de 23 anos na elite.



“Este não é um padrão de jogo aceitável para este clube”, vociferou Dalglish após o desastroso resultado. Diante da bronca, o time até demonstrou mais seriedade e vontade na visita ao Queens Park Rangers, uma semana depois. Por vezes esbarrou na grande atuação de David Seaman no gol londrino. Mas seguiu errando muito na defesa e perdeu por 3 a 2 – a quarta derrota em cinco partidas, se contada a queda na Copa da Liga.


John Barnes encara a defesa do Arsenal em Highbury.

Em 18 de novembro, véspera da partida contra o Millwall em The Den, os Reds ocupavam apenas a quinta colocação, atrás de Arsenal, Chelsea, Aston Villa e Norwich – ainda que com dois jogos a menos que o quarteto. Mas ensaiariam uma reação. Derrotariam os Lions por 2 a 1 com excelente atuação de John Barnes e venceriam os Gunners pelo mesmo placar, agora em Anfield, num jogo repleto de lesões e que resvalou no drama.


A vitória levou o Liverpool novamente ao topo da tabela, mas três dias depois o time voltaria a um lugar de triste memória recente: Hillsborough. Sete meses após a tragédia de superlotação que matou 96 torcedores (95, na época) e feriu mais de 700 durante a semifinal da FA Cup entre os Reds e o Nottingham Forest, o time comandado por Kenny Dalglish enfrentaria o Sheffield Wednesday, então ocupando a última colocação.


Numa atmosfera de muito respeito por parte da torcida local, a partida foi precedida por uma cerimônia em homenagem às vítimas. Quando a bola rolou, o lanterna surpreendeu o líder: em outra atuação apática, o Liverpool foi inefetivo no ataque e saiu atrás aos dez minutos da etapa final quando David Hirst concluiu cruzamento de Carlton Palmer. Nos acréscimos, Dalian Atkinson marcou um golaço, fechando o placar em 2 a 0.


A derrota – primeira do Liverpool ali desde 1964 – poderia ter sido maior: Grobbelaar brilhou ao pegar dois chutes certeiros de Atkinson e outro à queima-roupa de Hirst. Mas o consolo veio dos torcedores locais, que estenderam faixa com os dizeres: “Hillsborough sempre compartilhará da sua dor. A todos vocês, Reds, um novo amanhã”. Do frio ponto de vista do campeonato, a disputa tinha agora quatro líderes, empatados em pontos.



Liverpool, Arsenal, Aston Villa e Chelsea somavam 27 pontos em 15 jogos na virada de novembro para dezembro. Mas em breve o cenário mudaria. Os primeiros a ficarem pelo caminho seriam os Blues: detentores da melhor defesa da elite até ali, seriam surpreendidos pelo Wimbledon em casa com uma goleada de 5 a 2 e não se recuperariam. O Arsenal resistiria até a rodada de Boxing Day, quando iniciaria uma sequência errática.


DEIXANDO A CRISE DE LADO


Nesse momento, o Aston Villa emergiria como o principal concorrente dos Reds. No dia seguinte à derrota em casa do Liverpool para Coventry, a equipe de Birmingham, dirigida pelo ex-treinador do Watford Graham Taylor, havia disparado uma goleada de 6 a 2 sobre o Everton, resultado que chamou a atenção da crônica esportiva. Entre o fim de setembro e aquele meio de dezembro, os Villains acumularam oito vitórias em nove jogos.


Steve Nicol, Peter Beardsley, Ian Rush e Ronnie Whelan: quatro peças fundamentais na equipe.

Os Reds adentraram o último mês de 1989 visitando o novo lanterna Manchester City, num jogo em que enfim mostrariam um futebol vistoso e – mais importante – eficiente no ataque. Que o dissesse Ian Rush, autor do gol de abertura do placar, logo aos nove minutos de jogo, e daquele que fecharia a contagem, aos 44 da etapa final. Entre um e outro, Beardsley e McMahon deixaram os seus na tranquila goleada de 4 a 1 em Maine Road.


O jogo seguinte, em 9 de dezembro, era justamente o confronto entre Liverpool e Aston Villa em Anfield. E os visitantes começaram assustando: com menos de dois minutos, o grandalhão Ian Ormondroyd (um ponta-esquerda de 1,96 metro) aparou de cabeça e Ian Olney fez Grobbelaar trabalhar. E aos 21, a dupla voltaria a aparecer, desta vez com melhor sorte: Olney recebeu passe de Ormondroyd, arrancou e tocou na saída do goleiro.


No segundo tempo, porém, o Aston Villa pareceu ter deixado a ousadia no vestiário e passou a se limitar a defender a vantagem. Com o Liverpool em cima, pressionando sem cessar mesmo depois de perder Barnes por lesão ainda na etapa inicial, o empate era questão de tempo. E ele veio aos 19 minutos, quando Rush levou a melhor numa disputa pelo alto, e a bola sobrou para Beardsley decretar a justa igualdade.


Uma semana depois, era a vez de ir a Londres enfrentar o Chelsea, que até outro dia brigava cabeça a cabeça pela liderança, mas agora se via encarando uma sequência desastrosa: depois dos já citados 5 a 2 sofridos diante do Wimbledon em pleno Stamford Bridge, os Blues haviam perdido por 4 a 2 para o Queens Park Rangers em Loftus Road. E seriam presa fácil para um Liverpool que queria voltar a ser arrasador.


Tanto que, com apenas cinco minutos, os comandados de Kenny Dalglish já haviam balançado as redes duas vezes – ambas em falhas grotescas da defesa do Chelsea. No primeiro, McMahon lançou Beardsley nas costas da defesa dos donos da casa (que contava com cinco jogadores), e o atacante driblou facilmente o goleiro Dave Beasant antes de tocar para as redes. No segundo, foi a vez de Rush, que encobriu o arqueiro dos Blues.


Os londrinos diminuíram com Gordon Durie cobrando falta, mas o gol nem de longe recolocou seu time no jogo. O Liverpool anotou mais três, com Houghton, McMahon – também encobrindo Beasant – e outra vez Rush, e ainda desperdiçou um pênalti com Jan Molby, antes de Kerry Dixon anotar o segundo do Chelsea e sequer comemorar. O time que só levara 12 gols nos primeiros 15 jogos havia sofrido 14 nos últimos três.


O Liverpool avassalador, no entanto, não foi visto no jogo seguinte, diante do Manchester United em Anfield. Mesmo jogando na casa do adversário, os Red Devils estiveram melhores no jogo e poderiam ter vencido, com um pouco mais de apuro nas finalizações, especialmente por parte de Brian McClair, que desperdiçou chances claríssimas. O empate sem gols acabou como um alívio para o time de Dalglish.


A sorte voltou a sorrir aos Reds contra o Sheffield Wednesday em Anfield, na rodada de Boxing Day. Molby abriu o placar aos dois minutos, mas os visitantes logo tomaram conta do jogo e igualaram em cabeçada de Dalian Atkinson. Minutos depois, David Hirst perdeu chance incrível após driblar Grobbelaar. Mas a cinco minutos do fim, Staunton cobrou falta, a bola bateu em Rush e entrou, dando a vitória aos donos da casa.


O time chegou a ser vaiado pela Kop durante a partida, e a vitória magra de 1 a 0 sobre o lanterna Charlton no jogo seguinte em Anfield (gol de Barnes), com direito a pênalti perdido por Ian Rush, pouco fez para melhorar o humor da torcida, mesmo com a equipe terminando o ano de 1989 na liderança isolada da classificação, quatro pontos à frente do Aston Villa – ainda que com um jogo a mais. Faltava o jogo fluente de outros tempos.


O novo ano parecia trazer mudanças logo no primero tempo da primeira partida, no primeiro dia de 1990. O Nottingham Forest, adversário sempre difícil no City Ground, vinha sendo abatido com dois gols de Rush, aos 13 e aos 38 minutos. Mas na etapa final, o Liverpool perdeu o controle do jogo como não costumava fazer e sofreu o empate, em gols de Steve Hodge e Nigel Clough, cobrando pênalti de Burrows em Nigel Jemson.


Contra o Luton, em Anfield, a complacência quase custou caro. Saindo na frente com um golaço de falta de Barnes no primeiro tempo, o time relaxou e permitiu a virada dos visitantes em dois minutos. Mas Nicol apareceu para decretar o 2 a 2 e evitar o vexame. A primeira vitória do ano pela liga viria em Londres, diante do Crystal Palace, mas não por 9 a 0 como no jogo de ida: Rush e Beardsley marcaram no triunfo por 2 a 0.


O time adentrou fevereiro emendando mais uma vitória, desta vez no segundo Merseyside Derby, diante de um Everton já em sétimo, distante da briga pelo título. Barnes completou cruzamento de Venison para abrir o placar e Beardsley converteu pênalti após toque de mão de Dave Watson na área. Os Toffees descontaram também no primeiro tempo, com Graeme Sharp pegando rebote de uma cabeçada no travessão.


Após um empate sem gols na visita ao bom time do Norwich, em 10 de fevereiro, o Liverpool faria apenas uma partida pela liga num espaço de mais de um mês: um magro 1 a 0 em Anfield sobre um Millwall já na zona de descenso – gol de Gary Gillespie a oito minutos do fim – em 3 de março, antecedendo em uma quinzena o aguardado duelo contra o Manchester United em Old Trafford. Nesse hiato, o Aston Villa assumiu a ponta.


Quando o Liverpool entrou em campo para enfrentar os Red Devils, o Villa tinha cinco pontos de frente na liderança, mas com dois jogos a mais. Assim, para a equipe de Kenny Dalglish, vencer em território inimigo naquela tarde era fundamental, especialmente depois de ter decepcionado no jogo de ida em Anfield, quando escapou de ser derrotado. Mas havia também uma incômoda e surpreendente escrita a ser encarada.


Entre os anos de 1980 e 1989, os dois rivais nortistas haviam se enfrentado 20 vezes pela liga. E, mesmo com toda a hegemonia dos Reds em termos de conquistas, os mancunianos ostentavam uma vantagem bastante considerável no confronto direto: eram oito vitórias, dez empates e apenas dois revezes diante dos Scousers – um em Old Trafford, em abril de 1982, e outro em Anfield, em setembro de 1988, ambos por 1 a 0.


Desta vez, porém, o Liverpool levaria a melhor, com uma vitória convincente. Aos 15 minutos, Barnes foi lançado por Beardsley, arrancou e tocou na saída de Jim Leighton para abrir o placar. E na etapa final, Viv Anderson derrubou Rush no limite da grande área, e o mesmo Barnes, com estilo, converteu o pênalti. Grobbelaar ainda teve seu grande momento no fim do jogo, salvando um voleio de Brian McClair de maneira espetacular.



Mas o arqueiro não pôde fazer nada quando Ronnie Whelan fez um recuo precipitado pelo alto, que acabou encobrindo o camisa 1 e tomando o rumo das redes. O gol contra a oito minutos do fim reacendeu a torcida local em Old Trafford, mas o Liverpool teve calma e personalidade para segurar a vitória, que encurtava para dois pontos a distância em relação ao Aston Villa e estendia a série invicta na liga a 13 partidas.


Três dias depois, porém, a invencibilidade ruiria aos pés do Tottenham, em White Hart Lane. Um gol de Paul Stewart a oito minutos do fim selou uma merecida vitória ao time que mais a buscou. Para a sorte dos Reds, a desvantagem para o Aston Villa não aumentou tanto, já que a equipe de Birmingham parou num empate em 1 a 1 na visita ao Queens Park Rangers. E no último dia de março, o time de Dalglish voltaria à liderança.


ARRANCANDO NA RETA FINAL


Com o Villa derrotado pelo Crystal Palace no Selhurst Park na véspera, uma vitória dos Reds sobre o Southampton em Anfield levaria o time aos mesmos 59 pontos do rival e com melhor saldo de gols. O time contaria pela primeira vez com um reforço de última hora: o atacante israelense Ronny Rosenthal, trazido por empréstimo do Standard Liège no fim da janela de transferências e que começaria no banco de reservas.


O israelense Ronny Rosenthal: reforço de última hora que se mostraria decisivo.

Os Reds abriram o placar aos 15 minutos, quando Houghton levantou uma falta na área e Barnes cabeceou para as redes. Valente, o Southampton empatou aos 36 com Paul Rideout, em jogada semelhante, e virou no início da etapa final num chutaço do ex-Liverpool Jimmy Case. Até que, aos 25 minutos, Rosenthal entrou em campo. E quase em seguida, em jogada individual, ganhou um escanteio, que Houghton foi cobrar.


A bola viajou por sobre a pequena área, passou por Tim Flowers – que saíra em falso – e foi bater na cabeça do zagueiro Russell Osman, dos Saints, e tomou o rumo das redes. O gol fez a torcida voltar a empurrar o time, e a virada chegou dez minutos depois, quando Hysen se projetou ao ataque. Staunton, da esquerda, fez um lançamento longo até a área, o zagueiro sueco aparou de cabeça e Rush ajeitou antes de mandar um balaço.


Uma vitória importante para iniciar a sequência decisiva do campeonato – dos últimos nove jogos, o Liverpool faria seis em Anfield. E o próximo seria diante do Wimbledon, resolvido ainda no primeiro tempo com gols de Rush e Gillespie, antes de um gol contra de Alan Hansen descontar para os londrinos no segundo tempo. Após reassumir a ponta na liga, o clube se voltou à outra frente em que ainda brigava: a FA Cup.


O sonho da segunda dobradinha, após a levantada em 1986, seguia vivo. Depois de deixar pelo caminho o Swansea (com uma goleada de 8 a 0 no replay), o Norwich, o Southampton e o Queens Park Rangers, os Reds teriam pela frente na semifinal o Crystal Palace, uma equipe contra a qual havia somado um placar agregado de 11 a 0 nos dois confrontos pela liga. Mas o campo neutro do Villa Park assistiria a um épico.


O Liverpool foi para o intervalo vencendo com gol solitário de Rush. Mas Mark Bright empataria logo no reinício e Gary O’Reilly colocaria os Águias em vantagem aos 25 minutos da etapa final. A menos de dez minutos do fim, o Liverpool passaria de novo à frente com dois gols relâmpago: um de McMahon e outro de Barnes cobrando pênalti. A classificação parecia assegurada. Até que o volante Andy Gray deixou tudo igual de novo aos 42.


A partida foi para a prorrogação e seria decidida numa cabeçada de Alan Pardew, aos quatro minutos do segundo tempo extra, decretando a surpreendente vitória do Palace por 4 a 3, num confronto que entraria para a história da competição. Era a primeira vez que o clube de Londres alcançava a final do já centenário torneio (na qual enfrentaria o Manchester United). Para os Reds, era hora de cicatrizar a ferida e focar na liga.


A surpreendente derrota para o Crystal Palace na FA Cup impediu a dobradinha.

Quem se apresentaria para encarregar-se desse curativo seria o recém-contratado Rosenthal, autor de um variado hat-trick – um gol de pé direito, outro de pé esquerdo e o terceiro de cabeça – no jogo seguinte, uma tranquila goleada de 4 a 0 sobre o Charlton em Londres. No mesmo dia 11 de abril, o Aston Villa bateu o Arsenal em Highbury por 1 a 0 com gol do zagueiro Chris Price. Mas já estava em grande desvantagem na tabela.


Entre 24 de fevereiro e 1º de abril, os Villains haviam feito sete jogos e perdido quatro, vencendo apenas dois. O mau momento jogou pela janela a boa sequência obtida desde o fim de setembro, com 15 vitórias em 18 jogos, que alavancou o time de Graham Taylor, colocando-o como o mais sério rival dos Reds na briga pelo título. Nem mesmo a chegada do atacante Tony Cascarino, do Millwall, evitou que a campanha se deteriorasse.


Com dois empates nos jogos seguintes (2 a 2 com o Nottingham Forest em Anfield, com mais um gol de Rosenthal, e 1 a 1 diante do Arsenal em Highbury), o Liverpool poderia ter se complicado. Mas o Villa também voltou a deixar pontos pelo caminho, perdendo por 2 a 0 para o Manchester United em Old Trafford. No dia 21, mesmo com a vitória do time de Birmingham sobre o Millwall, os Reds dariam um passo decisivo para o título.


Uma performance convincente e um placar dilatado diante do Chelsea em Anfield reafirmaram as credenciais da equipe de Kenny Dalglish para reaver o título da liga. O resultado começou a ser desenhado aos 24 minutos de jogo, quando Gillespie cobrou um lateral na área, Rosenthal se livrou da marcação de Ken Monkou e girou para chutar e abrir o placar. Aos 36, Nicol cabeceou cruzamento de Barnes da esquerda e ampliou.


Mas a goleada só viria nos minutos finais da etapa final: aos 35, Rush deu um belo passe a Nicol pelo lado direito do ataque, e o escocês bateu cruzado para anotar o terceiro. Dois minutos depois, Barnes armou um salseiro na defesa do Chelsea e abriu na esquerda para Rosenthal. O israelense centrou e Rush só cumprimentou de cabeça para anotar o quarto. No último minuto, Kerry Dixon deixou Hansen para trás e descontou.


COM A TAÇA NAS MÃOS


O resultado deixou os Reds precisando de quatro pontos nos três jogos restantes para confirmar a conquista, caso o Villa vencesse as duas partidas que ainda tinha por fazer. Mas nem foi preciso tanto. Já na rodada seguinte, em 28 de abril, enquanto o Liverpool batia o Queens Park Rangers em casa por 2 a 1, a equipe de Graham Taylor era contida dentro de seus domínios pelo Norwich num movimentado empate em 3 a 3.


Em Anfield, os Hoopers começaram melhor e logo abriram o placar, com Roy Wegerle desviando cobrança fechada de escanteio aos 14 minutos. Quase aumentaram a vantagem quando o chute de Colin Clarke acertou o travessão e quicou antes da linha fatal. Mas aos poucos foram cedendo terreno ao Liverpool, que não tardou a aproveitar: o tão criticado Rush recebeu cruzamento, dominou e chutou quase sem ângulo para empatar.


A igualdade obtida pouco antes do intervalo reanimou os Reds na etapa final. Foram inúmeras as chances criadas e desperdiçadas para virar o marcador. Mas a vitória chegaria – ainda que num lance muito questionado: o carrinho de Danny Maddix atingiu Steve Nicol nitidamente fora da área, mas o árbitro Robbie Hart, indicado pelo auxiliar, apitou pênalti. Barnes cobrou com calma, deslocando David Seaman e decretando o 2 a 1.


Ao fim da partida, os torcedores ainda ficaram mais alguns minutos com o ouvido colado no radinho de pilha, aguardando o apito final em Birmingham. Com o empate do Villa confirmado, a comemoração teve início. Kenny Dalglish, no entanto, fazia questão de salientar: “Ganhamos o título porque fomos o melhor time ao longo desta temporada, e não porque o Norwich arrancou um empate com o Aston Villa”.


Na verdade, mesmo a penalidade controversa marcada contra o Queens Park Rangers apenas antecipou o que já eram favas contadas. Os Reds venceriam seus dois últimos jogos, cada um com sua nota marcante. Três dias depois, o time recebeu a taça em Anfield antes de derrotar o Derby por 1 a 0, gol de Gillespie, no jogo em que Dalglish faria sua última partida oficial como jogador, entrando nos minutos finais.


“Você tem sempre que querer isso. Se você perder [essa vontade], você perde tudo. A torcida queria que eu entrasse, e qualquer um adoraria ter jogado”, declarou o jogador-técnico, que dali em diante seria apenas técnico. O último jogo da campanha viria quatro dias depois em Highfield Road diante do Coventry, único adversário a bater o Liverpool em Anfield na temporada. Ótima ocasião para uma farta revanche.


Os Sky Blues até abririam a contagem com gol de Kevin Gallacher, aproveitando ótimo passe de David Speedie, logo aos dois minutos. Mas o restante do jogo foi um passeio dos Reds. Aos 16, Rush bateu rasteiro, de fora da área, no canto de Steve Ogrizovic para empatar. E antes do fim da primeira etapa, Barnes se mostrou oportunista como um centroavante marcando duas vezes após cruzamentos de Molby e Hysen.


No segundo tempo, Rosenthal recebeu de Rush nas costas da defesa e bateu cruzado para marcar o quarto. Barnes completou seu hat-trick com um golaço, driblando o lateral Howard Clark e disparando um petardo para fazer o quinto. E aos 24 minutos, a goleada seria encerrada com Barnes servindo um passe perfeito a Rosenthal para anotar o sexto do Liverpool – e o sétimo gol do israelense em oito jogos pela liga.


Aquela conquista fecharia o longo capítulo dominante do Liverpool na liga inglesa. Na temporada seguinte, a equipe voltaria a ser superada pelo Arsenal e, pior, sofreria uma traumática troca no comando: muito desgastado, Kenny Dalglish anunciaria sua demissão em 21 de fevereiro de 1991, logo após um cardíaco empate em 4 a 4 com o Everton pela FA Cup. O veterano auxiliar Ronnie Moran assumiria como interino até abril.


Dalglish seria substituído por Graeme Souness, seu antigo parceiro e símbolo de um Liverpool hegemônico, e que deixara o clube em 1984 para defender a Sampdoria e o Rangers, além de treinar o clube escocês. No entanto, a troca seria desastrosa, em parte devido à personalidade forte do novo comandante, com muitos conflitos internos, poucas conquistas e o desnecessário desgaste da imagem do velho ídolo.


Souness deixaria o posto em janeiro de 1994, sucedido por Roy Evans. Ao fim daquela campanha, o Liverpool terminaria apenas em oitavo lugar, muito pouco para quem se acostumara a levantar a taça ou no mínimo ocupar as primeiras posições. Era um sintoma de que a mentalidade vencedora cultivada pelo clube desde os tempos de Bill Shankly rapidamente se esvairia ao longo dos anos seguintes.


Em 1990, o 18º título do Liverpool representava o dobro do número de conquistas dos segundos maiores vencedores, Arsenal e Everton. E ainda 11 a mais que o Manchester United. Em 2009, o clube seria ultrapassado pelos Red Devils, que hoje somam 20 canecos. Se os torcedores dos Reds pudessem imaginar o longo jejum que se seguiria após aquela conquista, com certeza a teriam comemorado com entusiasmo redobrado.

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