top of page
  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Há 50 anos, Everton levantava título inglês fazendo justiça a um timaço


Uma conquista firmada com bastante antecedência e números muito expressivos. Que ajudou a eternizar uma legião de atletas talentosos, na qual se inseria a histórica “Santíssima Trindade” do clube. E que sacramentou a competência do lendário técnico Harry Catterick em reformular a equipe mantendo um altíssimo nível. Esse foi um resumo do título inglês do Everton na temporada 1969-70, levantado há exatos 50 anos. O sétimo do clube, igualando-se então a Arsenal, Liverpool e Manchester United como o maior vencedor da liga.


UM TÍTULO INQUESTIONÁVEL


Muitos livros, enciclopédias e publicações inglesas que se dispõem a relatar a história do futebol no país temporada por temporada narram a saga do campeonato de 1969-70 a partir do ponto de vista do Leeds, dirigido por Don Revie, e de sua audaciosa tentativa de conquistar uma raríssima tríplice coroa (liga, FA Cup e Copa dos Campeões) – a qual terminaria num triplo fracasso, naufragando em meio a um calendário superlotado.


Houve o agravante de aquela ter sido a temporada em que a Football League decidira antecipar o fim do campeonato em algumas semanas para que a seleção inglesa pudesse se preparar para a Copa do Mundo do México, disputada a partir de 31 de maio. No fim das contas, os relatos deixam a impressão de que aquele título inglês foi mais perdido pelos Whites do que vencido por quem se sagraria campeão – no caso, o Everton.


Este enfoque, porém, é bastante injusto com a formidável equipe formada pelos Toffees naquele ano – que viria a se tornar a base da ótima seleção inglesa que disputaria o Mundial – e também com a excepcional campanha cumprida pelo clube de Merseyside, aproximando-se de vários recordes históricos da liga inglesa. O timaço dirigido pelo pouco incensado Harry Catterick foi um campeão incontestável e com todos os méritos.



A começar pelo fato de que o Everton liderou aquele campeonato quase que de ponta a ponta, cedendo a primeira colocação ao time de Don Revie apenas por uma semana em dezembro e entre a segunda quinzena de janeiro e o início de março – num momento em que o Leeds quase sempre teve um ou até dois jogos a mais, por ter antecipado algumas partidas para abrir espaço na agenda para as outras disputas.


A campanha do Everton na liga também foi bem mais coesa e estável, ao passo que a do Leeds sofreu com períodos turbulentos em termos de resultados tanto no começo quanto no meio e no fim. Não à toa, os Toffees foram os responsáveis por quebrar a longa série invicta dos Whites (34 jogos) no campeonato e terminaram com expressivos nove pontos de vantagem – num tempo em que, é bom lembrar, a vitória valia dois pontos.

Harry Catterick: mais uma vez guiando o Everton ao título.

Aquela equipe também representava uma mudança de paradigmas para o Everton sob o comando de Harry Catterick. Vencedor do título inglês em 1963 com um time formado à base de reforços caros (ficou conhecido como “o campeão do talão de cheques”), o clube agora apostava na prata da casa, dispensando muitos dos medalhões, numa guinada que havia começado com a conquista da FA Cup de 1966 quase sem reforços.


UM ESQUADRÃO FEITO EM CASA


Dos 17 jogadores que entraram em campo pelo menos uma vez na campanha, nada menos

que dez eram produtos das categorias de base dos Toffees. Dos outros sete, apenas dois chegaram ao clube com as carreiras já estabelecidas: o meia-direita Alan Ball, contratado do Blackpool logo após se sagrar campeão mundial com a Inglaterra em 1966, e o lateral Keith Newton, também de seleção, trazido do Blackburn durante a campanha.


Alan Ball formava o meio-campo com Howard Kendall, jovem pescado no Preston aos 21 anos em 1967, e Colin Harvey, cria da base promovido ao time principal em 1963. O trio, logo apelidado de “Santíssima Trindade” era o coração da equipe. Naquele conjunto, Kendall era a operosidade e o dinamismo. Harvey, o talento inato, o jogo elegante. E Ball, a fusão dos dois, armador completo, inteligente. Era bonito ver o trio funcionando.

Mas eles não eram os únicos destaques da equipe. No gol, havia o sóbrio, seguro e confiante Gordon West, trazido do Blackpool aos 18 anos e um dos remanescentes do título de 1963. Tinha personalidade o bastante para, ao fim daquela temporada, rejeitar a convocação para a Copa do México por saber que ficaria na reserva do lendário Gordon Banks. Preferia ficar em casa, com a família, a cruzar o oceano, declarou na época.


Nas laterais, tanto Tommy Wright pela direita quanto o escocês Sandy Brown pela esquerda apoiavam com frequência. Homem de seleção inglesa, Wright só jogaria no Everton em toda a carreira, somando 373 partidas pelos Toffees. Brown, vindo do Partick Thistle, era um curinga, muitas vezes utilizado à frente da defesa, como um líbero avançado, ou até na ponta. Certa vez chegou a atuar no gol durante uma partida.


No centro da defesa, havia o capitão Brian Labone, outro remanescente de 1963. Zagueiro sólido e de boa técnica, também teria o Everton como único clube de sua carreira. Em 1970, tomaria o lugar de Jack Charlton entre os titulares da seleção. Ao seu lado jogava John Hurst, outro criado no clube, atacante convertido em um zagueiro seguro que, curiosamente, na transição de posições, carregou consigo a camisa 10.

O setor ofensivo tinha dois pontas velozes e goleadores: Jimmy Husband pela direita e o valente Johnny Morrissey – tirado do arquirrival Liverpool, onde atuou até os 22 anos – pela esquerda. Mas o artilheiro da equipe era mesmo o centroavante, o jovem prodígio Joe Royle, lançado no time de cima aos 16 anos e que agora, aos 20, anotaria expressivos 23 gols nos 42 jogos da campanha e já era cogitado para a seleção.

Joe Royle (braços erguidos) comemora contra o Tottenham um de seus 23 gols na campanha.

Além de Keith Newton – que chegaria em dezembro de 1969 e seria um dos jogadores do clube convocados para a Copa de 1970 – completavam o elenco, entre os suplentes mais utilizados, o zagueiro Roger Kenyon, reserva imediato de Labone; o meia Tommy Jackson, da seleção norte-irlandesa; e o ponta Alan Whittle, que terminaria a campanha como o surpreendente vice-artilheiro do time, com 11 gols em apenas 15 jogos.


O INÍCIO A TODO VAPOR


A campanha do Everton já começou arrasadora, mesmo em um agosto já cheio de jogos, também em virtude da antecipação da temporada. Foram sete partidas com seis vitórias e só um empate. De saída, a equipe foi a Highbury e derrotou o Arsenal por 1 a 0, gol de John Hurst a seis minutos do fim. E num espaço de seis dias (com um triunfo sobre o Crystal Palace em casa por 2 a 1 no meio), enfrentou duas vezes o Manchester United.


No primeiro confronto, em Old Trafford no dia 13 de agosto, mesmo contando com seus astros Bobby Charlton, George Best e Denis Law, os Red Devils não conseguiram segurar os Toffees, que venceram com outro gol de John Hurst e um de Alan Ball. Seis dias depois, o Everton voltou a levar a melhor, agora com ainda mais facilidade: antes dos 30 minutos a equipe já arredondara os 3 a 0, com gols de Ball, Morrissey e Royle.

Contra o Manchester City (calções brancos) em Maine Road: primeiro tropeço.

O único ponto perdido naquele mês veio na visita ao Manchester City em Maine Road: Johnny Morrissey abriu o placar para o Everton, mas Ian Bowyer empatou para os donos da casa. Após se recuperarem vencendo o Sheffield Wednesday por 2 a 1, os Toffees se preparariam para receber o Leeds, atual campeão, e que acumulava uma invencibilidade de 34 jogos (19 vitórias e 15 empates) pela liga, vinda desde outubro de 1968.

Logo aos cinco minutos, o Everton saiu na frente com um chute de Jimmy Husband da entrada da área que o goleiro Gary Sprake não conseguiu deter. Depois, um passe espetacular de Johnny Morrissey encontrou Joe Royle na área. O primeiro cabeceio acertou o travessão, mas na volta o camisa 9 mandou para as redes. E no começo da etapa final, Royle anotou o terceiro, numa bola que resvalou na defesa e encobriu Sprake.


Disposto a qualquer coisa para manter sua invencibilidade, o Leeds se recompôs e foi para cima. Num escanteio cobrado fechado, Billy Bremner desviou para as redes – aparentemente com a mão – e trouxe os Whites de volta para o jogo. O time de Yorkshire ainda anotaria o segundo, quando Peter Lorimer não conseguiu direcionar seu cabeceio, mas acabou servindo Allan Clarke. Só que o Everton resistiu e segurou a grande vitória.


No jogo seguinte, os próprios Merseysiders perderiam a invencibilidade, batidos por 2 a 1 na visita ao recém-promovido Derby County (dirigido por um certo Brian Clough). Mas não houve maiores danos: o Everton logo enfileirou nove vitórias e um empate nos dez jogos seguintes, com alguns placares contundentes: fora de casa, fez 3 a 0 no Ipswich e venceu Newcastle e Wolves. No Goodison Park, aplicou 4 a 2 no Southampton e 6 a 2 no Stoke.


QUEIMANDO GORDURA


A sequência inicial impressionava: com a vitória pelo placar mínimo diante do Nottingham Forest em casa obtida em 1º de novembro, o time de Harry Catterick somava 15 vitórias, dois empates e apenas uma derrota nos 18 primeiros jogos. E já abria oito pontos de vantagem sobre os vice-líderes Leeds e Liverpool. Essa “gordura”, porém, começaria a ser queimada a partir daquele mês, numa ligeira oscilação que iria até o fim de fevereiro.


Ainda em novembro, o time sofreria sua segunda derrota (2 a 0 para o West Bromwich fora de casa), empataria com o Chelsea por 1 a 1 em Stamford Bridge e venceria o Burnley em casa por um discreto 2 a 1. E o mês de dezembro não começaria bem: jogando no Goodison Park, o Everton levou uma chacoalhada de 3 a 0 para o arquirrival Liverpool no derby de Merseyside, com direito a um gol contra anedótico de Sandy Brown.


Com o sinal de alerta ligado, o time prontamente tratou de vencer os três próximos jogos, todos por 1 a 0. Derrotou o West Ham no Upton Park – com Alan Whittle aproveitando um cochilo de Bobby Moore e da defesa dos Hammers – e deu o troco nos dois times que primeiro haviam tirado pontos seus naquela temporada, superando o Derby County e o Manchester City num gramado coberto de neve no Goodison Park.

No último jogo do ano de 1969, em 27 de dezembro, foi a vez do Leeds ter sua revanche contra os Toffees. Os Whites haviam jogado na véspera, na rodada de Boxing Day, e perdido na visita ao Newcastle, encerrando uma sequência de 18 jogos de invencibilidade e sofrendo apenas sua segunda derrota até ali na competição. Bater o Everton em casa seria fundamental para se recuperar e seguir no encalço do adversário.


Em Elland Road, dois gols de Mick Jones – um deles, após disputa de bola com o goleiro Gordon West – deixaram os Whites em vantagem. O Everton reagiu e diminuiu, mas não conseguiu sair de lá com pelo menos um ponto. E ainda assistia ao adversário encostar na liderança. O time conseguiu se segurar na ponta na primeira rodada de janeiro, no dia 10, ao bater o Ipswich por 3 a 0. Mas logo seria ultrapassado.

Joe Royle marca no 1 a 1 com o Nottingham Forest no City Ground.

Uma derrota por 2 a 1 na visita ao Southampton – que até ali só havia vencido dois de seus 26 jogos e ocupava uma modesta 19ª colocação – fez o Everton entregar a liderança nas mãos do Leeds, que derrotara o Coventry em casa naquele mesmo 17 de janeiro. Os Whites, no entanto, tinham um jogo a mais. Dos cinco jogos seguintes, os Toffees empatariam quatro. Menos mal que o time de Yorkshire também teve seus tropeços.


FÔLEGO NOVO


Em todo caso, era preciso uma pausa para colocar a casa em ordem. Depois que o técnico Harry Catterick deu um de seus tradicionais e duros puxões de orelha no elenco, o capitão Brian Labone liderou uma outra reunião entre os jogadores para aparar as arestas. Deu resultado. Sem que o Leeds conseguisse se desgarrar na liderança, o Everton iniciou uma nova sequência de vitórias logo no começo de março, na melhor das horas.


Justo quando o calendário da equipe de Don Revie começou a apertar, os Merseysiders venceram o Burnley no Turf Moor (2 a 1) e, num intervalo de três dias, bateram duas vezes o Tottenham: 1 a 0 em White Hart Lane (mais um gol fundamental do reserva de ouro Alan Whittle) e 3 a 2 no Goodison Park, recuperando a liderança. Uma semana depois, em 21 de março, era hora da revanche contra o arquirrival Liverpool, agora em Anfield.


Aos dez minutos de jogo, Johnny Morrissey alçou a bola para a área e Joe Royle saltou junto com Ray Clemence. A bola bateu nas costas do centroavante e tomou o rumo das redes. Na etapa final, após uma falta cobrada para a zona de perigo, Alan Ball ajeitou para o chute de Colin Harvey e, no meio do caminho, a bola resvalou no talismã Alan Whittle e traiu Ray Clemence, definindo a vitória fundamental do Everton.


Iniciando uma sequência de três jogos em cinco dias, o Everton receberia o Chelsea, que acabara de avançar à final da FA Cup e tinha uma equipe de respeito. Mas que começou a sucumbir logo aos 14 segundos de jogo, num gol relâmpago de Howard Kendall. Poucos minutos depois, Alan Ball ampliaria e Joe Royle balançaria as redes duas vezes, uma em cada tempo. Também na etapa final, Alan Whittle anotaria o quinto.


Os londrinos ainda diminuiriam o massacre, marcando com John Dempsey e Peter Osgood. Mas a goleada de 5 a 2 seria confirmada, e deixaria o Everton mais perto do título devido ao tropeço do Leeds: com muitos desfalques, os Whites perderiam para o Southampton em Elland Road por 3 a 1, num jogo em que saíram na frente, mas marcaram dois gols contra e concederam um pênalti. A diferença na liderança aumentava para cinco pontos.


Foi quando Don Revie decidiu tomar uma medida considerada extremada: percebendo que seria difícil acompanhar o ritmo dos Toffees na liga e temendo perder jogadores lesionados para as importantes partidas das copas, resolveu escalar 11 reservas no jogo contra o Derby County no Baseball Ground. O time foi goleado por 4 a 1 e, por sua decisão de poupar os titulares, o técnico acabou multado pela liga em £5 mil.

NA ROTA DA TAÇA


Inabalável, o Everton seguiu sua caminhada rumo ao título. Venceu o Stoke no Victoria Ground com mais um gol de Alan Whittle e finalmente selou a conquista dois dias depois, derrotando o West Bromwich Albion no Goodison Park por 2 a 0, em mais uma revanche contra um dos times que o haviam derrotado anteriormente na temporada. Whittle abriu o placar e Colin Harvey, num chutaço de fora da área, confirmou a vitória.


Além de confirmar o título, a vitória sobre o West Brom representou outra marca significativa: o Everton se tornava o primeiro time a derrotar todos os adversários na liga pelo menos uma vez desde a ampliação do campeonato da primeira divisão para 22 clubes, que ocorrera logo após o fim da Primeira Guerra Mundial, na temporada 1919-20. Feito que só seria repetido pelos próprios Toffees, no título de 1984-85.


O desfecho da campanha veio com duas partidas fora de casa: a vitória de 1 a 0 sobre o Sheffield Wednesday, concluindo a sequência de oito triunfos, seguida por um empate sem gols diante do Sunderland. A se lamentar mesmo, apenas o ponto perdido no Roker Park: caso tivesse vencido, o Everton teria igualado o recorde de 67 pontos ganhos obtido do Leeds na temporada imediatamente anterior. Parou nos 66.


De qualquer forma, aquela pontuação já equiparava a equipe de Harry Catterick a outros esquadrões históricos do futebol inglês, detentores do recorde que vigorou até o ano anterior: o Arsenal de 1931, dirigido pelo lendário Herbert Chapman, e o Tottenham de 1961, o ano da dobradinha do time comandado por Bill Nicholson. E os números da campanha atestam a alta qualidade daquele Everton campeão indiscutível.


Os Toffees venceram nada menos que 29 de seus 42 jogos – sete triunfos a mais que o Derby (quarto colocado) e oito a mais que Leeds e Chelsea (segundo e terceiro, respectivamente). Somaram apenas oito empates e cinco derrotas. Seu ataque, que balançou as redes 72 vezes, só ficou atrás dos Whites como o mais positivo. Mas sua defesa, em compensação, foi a menos vazada, com 34 gols concedidos.

Jogadores, dirigentes e comissão técnica celebram o título da liga.

Terminada a temporada, Tommy Wright, Keith Newton, Brian Labone e Alan Ball viajariam ao México para defender a Inglaterra na Copa do Mundo. Gordon West só não foi porque abriu mão da convocação, enquanto Colin Harvey e Joe Royle – incluídos numa lista à parte com outros dez nomes – ficaram em casa de prontidão para serem chamados em caso de lesão de algum titular, o que acabou não sendo necessário.


Infelizmente, para os torcedores, o título inglês marcaria o canto do cisne para aquele esquadrão do Everton: em pouco mais de um ano Alan Ball seria vendido ao Arsenal e o capitão Brian Labone encerraria a carreira com uma séria lesão no tendão de Aquiles. Harry Catterick sofreria um infarto em janeiro de 1972 e deixaria de vez o comando do time no ano seguinte. Ao longo dos anos 70, o clube viveria tempos de profundas reformulações.


O time chegaria a brigar pelo título nas temporadas 1974-75 e 1977-78. Perderia a Copa da Liga de 1977 para o Aston Villa após três jogos dramáticos. E só voltaria a levantar um troféu com a FA Cup em 1984. No ano seguinte, voltaria a conquistar a liga após 15 anos, somando ao título da Recopa, único caneco europeu. Como num elo com a vitoriosa era Harry Catterick, nestes títulos o time era treinado pelo ex-meia Howard Kendall.

305 visualizações0 comentário
bottom of page