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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Há 50 anos, o Derby County levava o título inglês em temporada eletrizante


A primeira conquista do título inglês por parte do Derby County, sacramentada há 50 anos neste domingo, coroou um campeonato marcante sob vários aspectos. A começar pela reta final de tirar o fôlego, em que a equipe levou a melhor numa briga de foice contra Leeds, Liverpool e Manchester City. A maneira como a vitória se confirmou, com os jogadores dos Rams já de férias, tendo encerrado sua participação, também evoca outras eras no futebol do país. Aquela foi também a primeira consagração de um treinador que começava a escrever sua lenda: Brian Clough. No texto a seguir, contamos em detalhes não só a história daquela campanha como também da temporada.


UM PANORAMA DA TEMPORADA


A temporada 1971-72 mostrou uma das disputas de título mais acirradas e imprevisíveis na reta final que se tem notícia na primeira divisão inglesa. Entretanto, alguns clubes de início indicados a participarem desta briga não corresponderam à expectativa. O Arsenal, por exemplo, vindo da histórica dobradinha na campanha anterior, em momento algum demonstrou ser candidato sério ao bi da liga. A saída de Don Howe, auxiliar técnico de Bertie Mee que foi dirigir o West Bromwich, pesou sensivelmente.


Nem mesmo tirar do Everton o talentoso e experiente meia Alan Ball, titular da seleção, perto do Natal de 1971 por valor recorde serviu para fazer renascerem as chances dos Gunners. Os Toffees também passaram longe da disputa – como, aliás, já havia acontecido em 1970-71, quando a equipe campeã sob o comando de Harry Catterick na temporada anterior despencou na tabela terminando num bem modesto 14º lugar, evidenciando seu declínio: em 1971-72, o desempenho seria ainda inferior.


Chelsea e Tottenham, que vinham conciliando boas campanhas na liga com conquistas copeiras, não desceram tanto quanto o Everton, mas se contentaram com postos de coadjuvantes na liga, num bloco imediatamente abaixo daquele formado pelos reais postulantes. Os Spurs ao menos tiveram uma grande alegria com a conquista de mais um caneco europeu: a recém-criada Copa da Uefa; ao passo que os Blues acabaram como vice-campeões na Copa da Liga, precipitando seu viés de queda nos anos seguintes.


Quem despontou como time a ser batido no início da temporada foi uma equipe ausente de todos os prognósticos de favoritos: o recém-promovido Sheffield United, que enfileirou dez vitórias e dois empates em seus primeiros 12 jogos, ocupando a liderança até o início de outubro. Sua série invicta acabou no dia 2 daquele mês. Uma semana depois, ao sofrer a segunda de uma sequência de quatro derrotas, já havia sido desalojado do topo. Acabaria em décimo, tendo se arrastado na segunda metade da temporada.


Quem tirou a invencibilidade dos Blades foi exatamente o time que o sucederia no primeiro lugar: o Manchester United, vivendo um aparente renascimento naquele início de trabalho de seu novo técnico, o irlandês Frank O’Farrell, escolhido pessoalmente pelo lendário Matt Busby (que agora ocupava um cargo diretivo no clube) devido ao seu bom trabalho no Leicester. Em declínio desde o título da Copa dos Campeões em 1968, os Red Devils de repente se viram com ânimo revigorado e seus ases de novo afiados.


Bobby Charlton, Denis Law e em especial George Best iniciaram muito bem a temporada, levando o time à ponta mesmo depois de ser obrigado a fazer seus dois primeiros jogos em casa longe de Old Trafford como punição da liga, devido a incidentes com seus torcedores no fim da campanha anterior. Curiosamente, um deles – contra o Arsenal, vencido pelos mancunianos por 3 a 1 – seria disputado em Anfield. O outro seria cumprido no estádio do Stoke, o Victoria Ground: 3 a 1 sobre o West Bromwich Albion.


Com 14 vitórias nos seus primeiros 20 jogos, o United era líder com cinco pontos de vantagem sobre os perseguidores no começo de novembro. No fim do mês anterior, havia feito sua maior exibição, trucidando o Southampton por 5 a 2 fora de casa com direito a hat-trick de George Best (o segundo naquela temporada). Mesmo empatando os três últimos jogos antes da virada do ano, o clube aparentava estar ainda em ótimo momento e mantinha boa folga na liderança. Até chegar janeiro, quando tudo mudou.


Frank O'Farrell (à esquerda): a difícil missão de substituir Matt Busby (à direita) em Old Trafford.

E mudou em grande parte devido a George Best. A primeira metade daquela temporada seria a última vez que o país assistiria a seu futebol em alto nível. Cansado do jogo, da carreira de jogador e de ser muito visado tanto dentro quanto fora de campo, o genial ponta norte-irlandês já vinha se envolvendo em problemas disciplinares desde a temporada anterior. Cada vez mais arredio, em janeiro ele se afastaria por conta própria do clube por uma semana para passar tempo com sua namorada, a Miss Grã-Bretanha.


Embora contasse com outros talentos, o time sentiu imediatamente os efeitos da turbulência e desabou, dando motivos a seus torcedores a maldizerem o réveillon de 1972: foram sete derrotas seguidas nos primeiros jogos da liga naquele ano, incluindo um humilhante 5 a 1 para o Leeds em Elland Road. O empate em 0 a 0 em casa com o Everton que pôs fim à sequência, em 8 de março, não melhorou muito as coisas: já eram 11 jogos sem vitória, um time fora dos trilhos e as chances de título praticamente encerradas.


OS NOVOS CANDIDATOS


A debacle do United reabriu a disputa pelo caneco. E quem eram, afinal, os novos postulantes? Um deles era o vizinho e rival Manchester City, cuja campanha havia começado com um pequeno “golpe de estado” interno, quando o então auxiliar técnico Malcolm Allison tramou sua ascensão ao cargo principal fazendo com que Joe Mercer, de quem era assistente, passasse a ocupar um posto mais genérico e sem tanta interferência, semelhante a um supervisor. Agora Allison tinha o controle total sobre o time.


Após uma discreta temporada 1970-71, marcada por muitos problemas físicos, o City voltava a voar, com seus principais jogadores – entre eles o trio formado pelo meia Colin Bell e os atacantes Francis Lee e Mike Summerbee – recuperando a melhor forma, que havia levado o clube ao título da liga em 1968, da FA Cup em 1969 e da Recopa europeia em 1970. Na última semana de janeiro, ao golear o Wolverhampton por 5 a 2 em seu estádio de Maine Road, os azuis de Manchester assumiam a liderança da tabela.


Uma sequência de quatro vitórias em março, culminando com um 1 a 0 sobre o Chelsea em casa no dia 18, fez com que o City abrisse cinco pontos de vantagem na ponta, embora com partidas a mais que os perseguidores. A partida contra os londrinos marcou a estreia de um reforço que era considerado por Malcolm Allison a peça final de sua grande obra: o atacante Rodney Marsh, do Queens Park Rangers, contratado pelo valor recorde da história do City a horas do fechamento da janela de transferências.


Marsh fazia parte de um grupo de jogadores de futebol livre, sem amarras, e estilo rebelde que perambulou pelos gramados ingleses em especial na primeira metade dos anos 1970 e que ficou conhecido pela alcunha de “Mavericks”. Atacante de bom porte físico, muito técnico e talentoso, driblador emérito e que gostava de jogar pelos lados do campo, nos espaços abertos, criando suas próprias chances de gol ou servindo aos companheiros, ele, no entanto, teve dificuldades de adaptação ao novo clube.


Em entrevista décadas depois, Malcolm Allison revelou que contratou Marsh visando ter alguém para segurar a bola no ataque, mas que se impressionou negativamente com a falta de preparo físico do recém-chegado, que não aguentou o ritmo pesado dos treinos. Havia também questões táticas: o estilo individualista do atacante entrava em conflito com o jogo dinâmico e fluente do City, prejudicando muitos contra-ataques. E o time, que parecia azeitado, começou a desandar justo na pior das horas.


O "maverick" Rodney Marsh: contratação controversa do Manchester City.

O impacto danoso foi visto logo nos jogos seguintes: um empate em 0 a 0 com o Newcastle fora de casa, uma desastrosa derrota para o Stoke por 2 a 1 em Maine Road e outro revés na visita ao Southampton por 2 a 0. Em cerca de duas semanas, o City deixava de ser o líder com cinco pontos de vantagem sobre os demais para se tornar apenas o quarto colocado, o que vinha mais atrás do grupo de candidatos ao título. Ainda que Marsh finalmente mostrasse lampejos de seu talento nos dois jogos seguintes.


Contra o West Ham em Maine Road, ele balançaria duas vezes a rede na vitória por 3 a 1. Já no derby de Manchester, no dia 12 de abril, ele começaria na reserva, mas sua entrada seria decisiva para a grande vitória do City, em Old Trafford, por 3 a 1 ao sofrer a falta da qual nasceria o gol de desempate marcado por “Franny” Lee e ao marcar ele mesmo o terceiro, definindo o placar. Só que Marsh seguiu no banco no 1 a 1 com o Coventry. E quando voltou ao time titular, o City perdeu para o Ipswich por 2 a 1.


Outro candidato sério, sempre à espreita dos tropeços dos concorrentes, era o Leeds dirigido por Don Revie, o homem que transformou um clube pequeno, de meio de tabela na segunda divisão e sem nenhum título em sua história, numa verdadeira potência não apenas do futebol inglês, mas também do continental. O preço pago pelas práticas empregadas para alcançar este objetivo foi tornar-se, desde o acesso à primeira divisão em 1965, o clube mais odiado por toda a comunidade futebolística do país.


A reputação de “time sujo” era simbolizada em campo pelo jogo brusco e intimidador, a catimba e a cera que enfureciam os adversários. E fora dele, voavam acusações de suborno a árbitros e a jogadores das outras equipes. O clube rebatia dizendo ser vítima de perseguição. Isto juntamente com a habilidade de Revie de unir seu elenco, tornando-o uma família que inclusive saía para se divertir junta, ajudava a fomentar um ambiente de “nós e eles”, de “contra tudo e contra todos”, que dava o tom dos confrontos.


O Leeds era também um time tecnicamente muito bom e – como não podia deixar de ser, dadas as reações ao seu estilo de jogo – muito ambicioso e competitivo. Por isso o desfecho das últimas duas temporadas havia sido tão frustrante ao clube. Campeão inglês pela primeira vez em 1968-69, o time almejou a tríplice coroa em 1969-70: liga, FA Cup e Copa dos Campeões. Acabou com o vice-campeonato nos dois primeiros e a eliminação nas semifinais no torneio europeu, com o desgaste físico e mental pesando.


Já no ano seguinte, o time jogou fora uma enorme vantagem na reta final da liga, sendo superado pelo Arsenal. Mas ficou marcada a derrota para o West Bromwich em casa, com um gol dos visitantes que até hoje gera discussão sobre a interpretação do impedimento pelo árbitro. As várias invasões de campo por torcedores naquele dia fizeram recair sobre o Leeds uma punição pesada da FA: além de multado, o clube teve de mandar seus primeiros quatro jogos da liga na temporada seguinte fora de Elland Road.


Nessas quatro partidas, o Leeds perderia exatamente o mesmo número de pontos (dois, em dois empates) que deixaria de ganhar nas outras 17 que faria em Elland Road, onde o time era muito forte. A grande demonstração dessa força veio já perto da reta final, entre fevereiro e março de 1972, quando a equipe surrou o ex-líder Manchester United (5 a 1), o Southampton (7 a 0), o Arsenal (3 a 0) e o Nottingham Forest (6 a 1) – por vezes com requintes de crueldade, trocando passes com o placar definido.

Contra o Manchester United, os toques de pé em pé duraram um minuto e 20 segundos, com a torcida gritando “olé”. Já diante do Southampton, o baile foi ainda mais elaborado, com toques de calcanhar, de letra e embaixadinhas enquanto os comandados de Don Revie colocavam o pobre adversário na roda. Era também a evidência da enorme qualidade daquela equipe, em que todos os titulares (e até alguns reservas) defendiam seleções das ilhas britânicas e que, quando queria, também sabia jogar bonito.


Quem pareceu fora da briga por mais da metade da temporada, mas empreendeu uma arrancada sensacional após a virada do ano foi o Liverpool dirigido por Bill Shankly. Na metade da década anterior, após ter passado um prolongado período na segunda divisão, o clube viveu momentos de glória, vencendo duas vezes a liga (em 1963-64 e 1965-66) e, pela primeira vez em sua história, a FA Cup em 1965. Mas conforme aquela grande equipe foi envelhecendo, as conquistas foram rareando pelos lados de Anfield Road.


O Liverpool havia ficado as cinco temporadas anteriores a aquela de 1971-72 sem levantar um título sequer. E a se julgar pelo que se via na virada de janeiro para fevereiro de 1972, passaria mais um ano em branco: em outubro o time havia caído na Copa da Liga diante do West Ham. No mês seguinte veio a eliminação nas oitavas da Recopa europeia para o Bayern de Munique. Já no início de fevereiro, pularia fora também da FA Cup diante do Leeds. E no fim de janeiro, ocupava apenas a décima colocação na liga.


Foi quando o time começou a olhar para o futuro. E ele atendia pelo nome de Kevin Keegan, meia-direita de 20 anos trazido naquela temporada do pequeno Scunthorpe. Suas qualidades técnicas eram básicas, nada excepcionais. E ele tinha dificuldade em guardar posição. Por outro lado, tinha alguns valores: sabia fazer gols; sabia deixar os companheiros em condições de marca-los com sua boa leitura de jogo; e sobretudo corria muito o tempo todo, com fôlego invejável que ajudava a pressionar os adversários.


Kevin Keegan, o garoto-prodígio do Liverpool: revelação da temporada.

Enquanto lapidava aquele talento promissor, Bill Shankly decidiu muda-lo de posição, fazendo-o jogar mais à frente, no ataque, formando dupla com John Toshack, goleador perito no jogo aéreo. E o time deslanchou: entre 22 de janeiro e 22 de abril, o Liverpool fez 15 jogos pela liga. Venceu 13 e empatou os outros dois, sofrendo apenas três gols em toda a sequência. E bateu de forma convincente o Manchester City (3 a 0), o Everton (4 a 0), o Newcastle (5 a 0) e o Manchester United em Old Trafford (3 a 0).


UM AZARÃO AUDACIOSO


O quarto postulante ao título era o menos badalado de todos e o único do grupo a nunca ter conquistado o campeonato em sua história até aquele momento. Era também o que estava há menos tempo na primeira divisão, tendo subido para a elite na temporada 1968-69, iniciando seu quinto período na categoria máxima do futebol inglês. Por outro lado, não se podia falar em falta de tradição ao Derby County na comparação com os demais: ele havia sido um dos fundadores da Football League, lá em 1888.


Fundado em 1884, o Derby havia tido bons momentos bastante esporádicos na história da liga. Seus melhores anos haviam acontecido em torno da virada daquele século (impulsionados pelo lendário atacante Steve Bloomer, segundo maior artilheiro da primeira divisão inglesa em todos os tempos); no decênio que precedeu a Segunda Guerra Mundial; e nos primeiros anos logo após o encerramento do conflito – quando enfim levou seu primeiro caneco, a FA Cup de 1946, após três tentativas frustradas.


O rebaixamento na temporada 1952-53 encerrou seu período mais longo na elite, vindo desde a 1926-27, e logo seria seguido por uma rápida passagem pela terceira divisão (norte) – a primeira de sua história – na segunda metade daquela década. E ao longo dos anos 1960, o clube viveria numa espécie de limbo, flertando mais com uma nova queda para a terceira divisão do que com o retorno à elite. Até que em 1967 seu presidente Sam Longson seguiu o conselho de um antigo craque que se tornara jornalista.


Segundo Len Shackleton, ex-atacante do Sunderland, havia um treinador perfeitamente capaz de conduzir o Derby de volta à primeira divisão e se manter por lá. Era o jovem Brian Clough, também ele próprio um antigo artilheiro dos Black Cats e do Middlesbrough que chegara a ser tratado como promessa da seleção inglesa em seus tempos de jogador, mas foi forçado a pendurar precocemente as chuteiras no início da década devido a uma séria lesão de ligamento cruzado no joelho sofrida aos 27 anos.


Clough e seu auxiliar Peter Taylor (um ex-goleiro com quem havia jogado no Boro) faziam ótimo trabalho no Hartlepools, da quarta divisão, colocando o clube acima de suas colocações habituais na rabeira daquela categoria. Ao chegarem ao Derby, em maio de 1967, mantiveram só quatro jogadores do elenco para a temporada seguinte, recrutando os demais integrantes do novo time em grande parte graças ao olho clínico de Taylor para encontrar atletas que casavam à perfeição com a ideia de jogo de Clough.


Brian Clough e Peter Taylor: uma dupla que se completava à perfeição.

Na primeira temporada, no entanto, o novo Derby ainda não deu liga, terminando a campanha no 18ª lugar da segunda divisão, uma posição abaixo do ano anterior. Mas na seguinte, a equipe superou um início hesitante nos cinco primeiros jogos para logo disparar feito um foguete rumo ao topo, garantindo o acesso e o título com folga, sete pontos à frente do vice-campeão Crystal Palace (o outro promovido) e a 13 de distância do Charlton, terceiro colocado (ou 11 e 21 pontos, pela contagem atual).


Para esta virada de chave, foram fundamentais dois reforços trazidos naquela temporada e que acabariam saindo antes da glória máxima, dali a algumas temporadas: o veterano Dave Mackay, médio escocês integrante do histórico time do Tottenham do início da década, e que passou a jogar como zagueiro (na verdade, uma espécie de líbero) sob o comando de Clough, e o rodado meia Willie Carlin, ex-Sheffield United, recrutado para trazer tanto mais combatividade quanto poderio ofensivo ao time.


Já na temporada de retorno à elite, a equipe impressionou terminando num ótimo quarto lugar, atrás apenas de Everton, Leeds e Chelsea. Em casa, goleou Tottenham (5 a 0), Liverpool (4 a 0) e Leeds (4 a 1), batendo os Reds também em Anfield (2 a 0), além de ter sido a primeira a derrotar o futuro campeão Everton. Porém, a classificação para a Copa das Cidades com Feiras acabou retirada pela Football Association como punição ao clube por delitos financeiros equivalentes à evasão de renda de bilheteria.


Muito irregular em termos de resultados, com o time terminando apenas na nona colocação, a temporada 1970-71 acabou servindo de transição, com o fim da passagem dos experientes Dave Mackay e Willie Carlin pelo clube. O primeiro saiu para ocupar o cargo de jogador-técnico no Swindon, da segunda divisão, enquanto o meia trocou o Derby pelo Leicester ainda no decorrer daquela campanha. Seus substitutos, porém, já estavam no elenco dos Rams, e rapidamente se firmariam entre os titulares.


Assim, o time que se consolidaria como base para 1971-72 começaria pelo goleiro Colin Boulton. Ex-cadete da polícia em sua cidade natal, Cheltenham, chegou ao Derby aos 19 anos, em 1964, e levou tempo até se firmar. Quando o fez, a partir do meio da temporada 1970-71, tornou-se uma segurança sob as traves dos Rams. Era um dos muitos goleiros ingleses de seu tempo que preservavam o hábito de agarrar sem luvas. À sua frente jogava uma sólida linha de defesa, uma das menos vazadas da competição.


Os dois laterais, assim como Boulton, também eram criados no clube, mas pertenciam a gerações distintas: se o confiável Ron Webster (que atuava pela direita) já era praticamente um veterano com seus 28 anos e por integrar o elenco principal desde 1962, John Robson (o esquerdo) era o mais jovem da equipe, com apenas 21 anos e tendo estreado no time de cima em março de 1968. Já no miolo de zaga, uma nova dupla havia sido formada no começo daquela temporada e seria um dos destaques dos Rams.


Roy McFarland foi um dos primeiros contratados de Brian Clough no clube, trazido do Tranmere Rovers com apenas 19 anos, em agosto de 1967, mas já demonstrando qualidades: a excelência no jogo aéreo, a tranquilidade com a bola nos pés e uma liderança fora do comum para a idade. E ele ainda cresceria atuando ao lado de Dave Mackay, de quem herdaria a braçadeira de capitão com apenas 23 anos recém-completados após a saída do escocês. Em fevereiro de 1971, já chegava à seleção inglesa.


O novo companheiro de McFarland na zaga titular naquela temporada era Colin Todd, contratado do Sunderland em fevereiro de 1971. O zagueiro de 22 anos já havia sido comandado por Clough quando o treinador estava à frente das categorias de base dos Black Cats, de modo que ele já conhecia inteiramente seu potencial. Trazido como substituto de médio prazo para Dave Mackay, chegou a atuar como lateral e volante logo ao chegar. Mas logo se estabeleceria no centro da defesa com excelentes resultados.


Elenco do início da campanha, ainda com Frank Wignall, que logo sairia (Foto: Football League Review).

Do meio para a frente, o time se apresentava numa espécie de 4-3-3, sem ter necessariamente um meia ou ponta aberto pelo lado direito. O jogador mais recuado do meio-campo era o volante escocês John McGovern, de apenas 21 anos e ele próprio um ponta-direita de origem, mas que, por não se tratar de um jogador veloz o suficiente para aquela posição, acabou sendo remanejado para uma faixa do campo que potencializasse sua grande capacidade de desarme e seus passes precisos na saída de jogo.


McGovern também se tornaria um homem de confiança de Clough. A relação entre os dois vinha desde os tempos de Hartlepools (pouco tempo depois, o clube suprimiria o “s” final de seu nome), onde o treinador promoveu a estreia do garoto de 16 anos nos profissionais e tratou de lapidá-lo. Em setembro de 1968, pouco mais de um ano depois de trocar o clube do nordeste inglês pelo Derby, o treinador decidiu trouxe o escocês para o Baseball Ground – o que repetiria mais tarde no Leeds e no Nottingham Forest.


Se a agilidade não era o ponto forte de McGovern, esta sobrava em outro escocês que atuava no setor naquele time. Contratado do Preston North End em 1970 como o sucessor de Willie Carlin, Archie Gemmill caiu como uma luva e se tornou uma espécie de motor da equipe, com suas arrancadas de área a área, conduzindo a bola com maestria pelos gramados quase sempre horríveis do futebol inglês da época – o do Baseball Ground então era dos piores, um lamaçal em qualquer época do ano.


A qualidade na distribuição de McGovern e o dinamismo de Gemmill ganhavam a companhia da experiência e da visão de jogo (e de gol) do galês Alan Durban, um dos veteranos daquela equipe (era o único já trintão no time titular e estava no clube desde julho de 1963, oriundo do Cardiff). Atacante de origem que recuou à função de armador com Clough, tinha juntamente com Gemmill a tarefa de conectar o meio-campo ao ataque e municiar os homens de frente, aproveitando para às vezes balançar as redes.


Outro jogador com essa missão era o talentoso ponta-esquerda Alan Hinton, mais um da primeira leva de contratações de Brian Clough e tirado do Nottingham Forest, rival de East Midlands (pelo qual chegara a defender a seleção inglesa por três partidas na primeira metade da década) em setembro de 1967. Jogador estilista, de cruzamentos certeiros, foi um dos pioneiros no futebol inglês (e mundial) a usar chuteiras brancas. Também tinha um chute poderoso de média e longa distâncias e em cobranças de falta.


A dupla de frente era formada por John O’Hare e Kevin Hector. O escocês O’Hare era outro nome de confiança de Clough: o treinador havia trabalhado com ele na base do Sunderland e logo o trouxe para o Derby assim que assumiu o comando dos Rams, em 1967. Apesar das críticas de início que o acusavam de ser um centroavante apenas grande e lento, ele não demorou a se firmar, marcando pelo menos 10 gols na liga em suas cinco primeiras temporadas no clube – do qual seria eleito o Jogador do Ano em 1970.


Hector, por sua vez, era um dos poucos a integrarem o elenco antes da chegada de Clough, vindo em 1966 do extinto Bradford Park Avenue (que na época integrava a Football League). Tipo clássico de centroavante esperto e oportunista, ele se tornaria o recordista em número de jogos pelo clube (589, sendo 486 pela liga), além do segundo maior artilheiro (201 gols, sendo 155 pela liga), atrás apenas de Steve Bloomer. Sua primeira e maior passagem pelo clube duraria 12 anos, antes de um retorno entre 1980 e 1982.


John O'Hare e Kevin Hector, com Archie Gemmil à direita: artilharia pesada dos Rams.

Além dos 11 titulares, outros dois jogadores merecem ser citados pela contribuição ao longo da campanha. Um era o galês Terry Hennessey, zagueiro experiente que também podia quebrar um galho como volante. Contratado em fevereiro de 1970 junto ao rival Nottingham Forest, o carequinha de 28 anos tinha ainda passagem importante pelo Birmingham, onde iniciara sua carreira, ajudando o clube a conquistar a Copa da Liga em 1963. Embora não fosse titular no Derby, era nome certo na seleção galesa.


Outro nome era Frank Wignall, atacante rodado de 31 anos e com dois jogos e dois gols pela seleção inglesa no currículo. Jogador que iniciou a carreira profissional no Everton, mas que só explodiu de verdade no Nottingham Forest, onde atuou entre 1963 e 1968, passou em seguida ao Wolverhampton, de onde, um ano depois, seguiu ao Derby. Em novembro de 1971, durante a campanha do título, foi vendido ao Mansfield Town. Mas antes de sair era um dos goleadores da equipe (mesmo reserva), com cinco gols na liga.


O COMEÇO DA CAMINHADA DOS RAMS


O Derby iniciou sua campanha com uma sequência invicta nos 12 primeiros jogos. Entretanto, era uma arrancada com mais empates (sete) que vitórias (cinco), fazendo com que, mesmo sem ser derrotado, ainda se mantivesse atrás do Sheffield United e depois do Manchester United. Os Red Devils, aliás, haviam sido os adversários da estreia, no Baseball Ground na tarde de 14 de agosto, quando os Rams saíram com dois gols em desvantagem e foram buscar o 2 a 2 com gols de Kevin Hector e Frank Wignall.


Das cinco vitórias iniciais, três haviam sido como visitante: 2 a 0 no Leicester em Filbert Street e no Everton em Goodison Park e 1 a 0 diante do Newcastle em St. James’ Park. Em casa, a equipe havia derrotado o West Ham logo no segundo jogo (2 a 0) e goleado o Stoke, futuro campeão da Copa da Liga (4 a 0). Um destaque era o comportamento da defesa, muito criticada em outros tempos, mas que naquela sequência inicial havia sofrido apenas nove gols e passado sete partidas sem ser vazada.


Uma derrota por 1 a 0 (gol de George Best) no confronto de volta diante do Manchester United, em Old Trafford, marcaria o fim da série invicta inicial. O Derby se reabilitaria com três vitórias diante do Arsenal, do rival Nottingham Forest (2 a 0 dentro do City Ground) e do Crystal Palace. Mas logo se veria no meio de um frenético “ganha em casa e perde fora” ao longo dos meses de novembro e dezembro de 1971, inclusive em confrontos contra futuros adversários diretos na briga pelo título.


Roy McFarland vigia Denis Law no jogo de abertura da temporada no Baseball Ground.

No Baseball Ground, os Rams obtiveram vitórias categóricas sobre o ex-líder Sheffield United (3 a 0), o futuro ponteiro Manchester City (3 a 1) e o Everton (2 a 0). Por outro lado, não tiveram êxito nas visitas a Wolverhampton, Huddersfield, Liverpool e Leeds. Os pesados 3 a 0 sofridos diante do time de Don Revie em Elland Road, aliás, fizeram o Derby descer ao quinto lugar, colocação mais baixa que viria a ocupar desde as rodadas iniciais. Foi nessa posição que a equipe de Brian Clough encerrou o ano.


Os Rams somavam então 29 pontos, sete a menos que o líder Manchester United. Entre eles vinham o City (32), o Leeds (31) e o Sheffield United (30), todos com o mesmo número de jogos disputados, 23. Mas janeiro – como quem já leu outros textos do site sabe bem – era o mês em que se bagunçava a tabela. As primeiras fases da FA Cup e os adiamentos decorrentes do inverno rigoroso traziam um pouco de caos para a normalidade reinante até dezembro. Era o ponto de virada não só do ano, como do campeonato.


E naquele janeiro de 1972, o Derby somou sete pontos em oito possíveis, derrotando o Chelsea (1 a 0), o Southampton fora de casa (2 a 1), arrancando um 3 a 3 diante do West Ham em Upton Park e batendo o Coventry por 1 a 0, gol do lateral John Robson. Era o suficiente para ultrapassar um Manchester United já em franco declínio, além do Sheffield United, que também despencava. Ao fim do mês, os Rams já estavam em terceiro com os mesmos 36 pontos do Leeds e só dois atrás do líder Manchester City.


A derrota por 2 a 0 para o Arsenal em Highbury em 12 de fevereiro seria a única pela liga numa sequência de 13 jogos, dentro de um período de três meses, entre 1º de janeiro e 1º de abril (os Gunners também seriam os responsáveis pela eliminação do Derby na FA Cup mais adiante, após dois replays). Mas este revés foi rapidamente esquecido uma semana depois, com a goleada de 4 a 0 sobre o Nottingham Forest em casa. Foi quando Clough achou por bem se reforçar com um dos destaques do rival local.


Ian Storey-Moore era um ponta-esquerda habilidoso que se destacara no Nottingham Forest na campanha que levou o clube de East Midlands ao vice-campeonato em 1966-67, só atrás do Manchester United de Matt Busby e da “Santíssima Trindade” (Best, Charlton e Law). Mesmo com o declínio da equipe nos anos seguintes, ele manteve a regularidade a ponto de atuar pela seleção inglesa num amistoso contra a Holanda em Wembley em janeiro de 1970. Uma lesão o tirou da Copa do México.


Em março de 1972, com o Forest na lanterna da liga, Storey-Moore recebeu de seu técnico Matt Gillies a notícia de que o clube havia aceitado uma proposta de £200 mil do Manchester United por seu passe. Faltava apenas negociar as bases do contrato com Frank O’Farrell, treinador dos Red Devils. Mas não houve acerto, e a transferência foi colocada de lado. Mas como o Forest precisava do dinheiro, Gillies decidiu telefonar para seu amigo Brian Clough, que rapidamente seguiu para Nottingham.


Ian Storey-Moore (com Brian Clough): contratação atravessada.

Enquanto Clough corria para acertar os detalhes com o Forest, seu auxiliar Peter Taylor levava o atacante para conhecer seus novos companheiros de clube no hotel em que eles estavam concentrados. Dentro de pouco tempo, Storey-Moore estava no gramado do Baseball Ground antes da partida contra o Wolverhampton – vencida pelo Derby por 2 a 1 no sábado, 4 de março – sendo recebido pelos torcedores dos Rams como o mais novo reforço. Faltava, no entanto, combinar com os presidentes.


Tony Wood, do Forest, não estava satisfeito em ver um de seus melhores jogadores reforçar um rival. E Sam Longson, do Derby, não gostava nada de ver Clough passando por cima dele ao tomar decisões. As duas insatisfações então se deram as mãos, e Wood vetou a negociação. Nisso, o jogador e sua esposa estavam escondidos perto de Nottingham para fugir do assédio da imprensa – e de outros clubes. Mas não escaparam de Frank O’Farrell e de Matt Busby, que os localizaram e fizeram uma nova proposta.


Como estratégia de persuasão, Busby havia trazido um buquê de flores para Carol, a esposa de Storey-Moore. E como o contrato com o Derby ainda não havia sido assinado por todas as partes, o ponteiro acabou tomando o rumo de Old Trafford, só dois dias depois de ter sido apresentado como novo reforço dos Rams. A reviravolta das reviravoltas deixou Brian Clough furioso. Mas ele acabaria rindo por último: enquanto o United seguia naufragando, o Derby enfileirava vitórias e se aproximava do topo da tabela.


Após a vitória sobre os Wolves, o time iria a Londres e venceria o Tottenham por 1 a 0. Depois, em casa, faria 3 a 0 no Leicester e 1 a 0 no Ipswich, pulando para a vice-liderança. Após o empate em 1 a 1 com o Stoke no Victoria Ground, a equipe somou mais um triunfo com o 1 a 0 sobre o Crystal Palace no Selhurst Park. E no dia 1º de abril, receberia o Leeds, no primeiro grande duelo contra um adversário direto naquela reta final de campeonato. Vencer era de suma importância para seguir na briga.


E a vitória viria. No primeiro tempo, John Robson apertou Billy Bremner após um lateral perto da bandeirinha de escanteio. A espanada do meia do Leeds saiu fraca e Alan Durban recuperou, logo alçando para a área. John O’Hare então saltou mais que a defesa adversária e cabeceou para abrir o placar. O lateral-esquerdo do Derby também estaria envolvido na origem do segundo gol, já na etapa final, que consolidaria a vitória dos Rams por 2 a 0. Mas tudo começou numa falta para o Leeds cobrada por Johnny Giles.


O meia irlandês buscou alçar a cobrança para a área, mas Robson rebateu, e a bola chegou até Alan Hinton, que arrancou da própria intermediária até o ataque flutuando sobre o impraticável gramado do Baseball Ground. Foi quando avistou O’Hare correndo pelo meio e fez o passe na diagonal. A finalização foi detida por Gary Sprake, mas a bola ricocheteou em Norman Hunter e tomou o rumo das redes. Aliado à derrota do Manchester City em casa para o Stoke, o resultado levava o Derby ao topo da tabela.


Aquele, no entanto, seria o primeiro jogo de uma sequência de quatro partidas em oito dias para o time de Brian Clough. Na segunda-feira, dois dias após vencer o Leeds, o Derby foi surpreendido em casa pelo Newcastle (1 a 0), perdendo pela única vez em seu estádio na campanha. Na quarta, outro tropeço: 0 a 0 na visita ao West Bromwich Albion. Ainda assim a equipe não deixou a ponta, fechando a sequência com uma goleada de 4 a 0 no Sheffield United fora de casa no sábado para espantar a ameaça de irregularidade.


O perde e ganha passou a ser o mal do Manchester City: após o desastroso revés diante do Stoke em casa, o time voltou a perder na visita ao Southampton. Recuperou-se inspirado por Rodney Marsh batendo o West Ham e o rival Manchester United em Old Trafford. Mas voltou a tropeçar fora de casa empatando com o Coventry e perdendo para o Ipswich. Seu último jogo marcado pela tabela seria no dia 22 de abril, recebendo o Derby. Mas havia pouco a salvar, já que os rivais ainda teriam jogos por fazer.


O Leeds, a exemplo do Derby, também tropeçou no Newcastle por 1 a 0, mas em St. James’ Park. Fora esse mau resultado e a derrota no confronto direto com os Rams, porém, o resto do mês foi de vitórias convincentes diante do Huddersfield e do Stoke (fora), além de um triunfo tão magro quanto importante sobre o West Bromwich Albion fora de casa por 1 a 0, no dia 22. Com dois jogos por fazer em maio pela liga, o clube seguia vivo também na FA Cup: disputaria a decisão contra o Arsenal em Wembley.


O Liverpool, por sua vez, vinha como uma locomotiva comandada pela revelação da temporada, Kevin Keegan. Foram cinco jogos e cinco vitórias ao longo do mês de abril diante de West Bromwich, Manchester United (um 3 a 0 em Old Trafford), Coventry, West Ham (em Londres) e Ipswich. Quatro pontos atrás do então líder Manchester City na virada de março para abril, os Reds agora eram candidatos seríssimos ao título naquela embolada disputa. E também tinham dois jogos para fazer no mês de maio.


Em 15 de abril, o Derby venceu bem o Huddersfield por 3 a 0 e se preparou para enfrentar o Manchester City no segundo confronto direto daquela reta final, na última rodada cheia da liga. Jogando diante de sua torcida em Maine Road, Rodney Marsh pareceu querer deixar uma derradeira impressão favorável na temporada: construiu toda a jogada sensacional do primeiro gol do City e sofreu o pênalti, em outro lance individual, que “Franny” Lee converteu para fechar em 2 a 0 a vitória do time de Malcolm Allison.


Os mancunianos, porém, viviam situação um tanto amarga: haviam terminado a campanha na liderança do campeonato, com 57 pontos. Mas sabiam que não seriam campeões, já que os outros três concorrentes não só tinham jogos por fazer como dois deles – Derby e Liverpool, ambos um ponto atrás – se enfrentariam no Baseball Ground no dia 1º de maio. Mesmo em caso de igualdade neste jogo, o City seria desalojado da ponta nos critérios de desempate. A briga agora seguia reduzida a três postulantes.


No mesmo dia em que Derby e Liverpool se enfrentariam, o Leeds bateu o Chelsea por 2 a 0 em Elland Road e chegou aos mesmos 57 pontos do Manchester City, tendo ainda um jogo por fazer, diante do Wolverhampton no Molineux. Os outros dois que mediriam forças somavam 56, e o vencedor – caso houvesse – assumiria a ponta de maneira isolada. Porém, aquele seria o último jogo dos Rams na tabela, ao passo que os Reds ainda visitariam o Arsenal. As esperanças do time de Clough se resumiam a vencer e “secar”.


A primeira parte foi cumprida com êxito: num jogo em que foi superior a um Liverpool abaixo do nível de suas atuações recentes, o Derby venceu por 1 a 0. O gol saiu aos aos 17 minutos da etapa final: Archie Gemmill fez um salseiro pela direita do ataque e tocou para Alan Durban na meia-lua. O meia percebeu a chegada de John McGovern e deixou a bola passar por entre as pernas. Da entrada da área, o volante acertou um belo chute no ângulo, vencendo Ray Clemence e pondo fim à série invicta de 15 jogos dos Reds.

O time de Brian Clough se despedia do campeonato na liderança, com 58 pontos. Mas, como o City, ainda poderia perder o título. Bastaria que, dali a uma semana, o Liverpool batesse o Arsenal em Highbury ou que o Leeds simplesmente empatasse com os Wolves no Molineux. Os Whites, aliás, sonhavam com a dobradinha. No sábado, dois dias antes do jogo que poderia dá-los seu segundo título da liga, eles conquistaram pela primeira vez a FA Cup ao vencerem os Gunners por 1 a 0 em Wembley.


OS CAMPEÕES EM FÉRIAS


O Derby não quis nem acompanhar o desfecho. Seus jogadores estavam curtindo férias nas praias de Palma de Mallorca, na Espanha, levados por Peter Taylor. Brian Clough, por sua vez, estava com a família nas ilhas Scilly, sudoeste da Inglaterra. Enquanto isso, estourava no país um caso rumoroso de tentativa de suborno a jogadores do Wolverhampton da parte de pessoas ligadas ao Leeds nos dias que antecederam o confronto, de acordo com o publicado no tabloide londrino The Sunday People.


Na época, as investigações não foram levadas adiante por não ter sido descoberto quem teria sido o intermediário de Don Revie entre os jogadores do Wolverhampton. Cinco anos mais tarde, porém, o ponta Mike O’Grady, ex-Leeds e então nos Wolves, admitiu ter sido o portador da proposta, mas disse que o único atleta do qual ele teria se aproximado havia recusado. No entanto, meses após o incidente, outros jogadores já haviam declarado terem sido abordados para “facilitar” o resultado para o Leeds.


O Wolverhampton venceria por 2 a 1, mas não sem controvérsia. O Leeds reclamou de dois lances de toques de mão dentro da área. Ambos do mesmo jogador, Bernard Shaw, que, de acordo com uma matéria posterior do jornal Daily Mirror, havia sido um dos abordados, mas teria levado a questão a seu técnico, Bill McGarry, o qual reuniu seus jogadores para alertá-los sobre as tentativas de suborno. O árbitro ignorou os lances, assim como anulou um gol aparentemente legal dos Wolves por impedimento.


Ao mesmo tempo, em Highbury, o jogo entre Arsenal e Liverpool levava o placar de 0 a 0, quando, a dois minutos do fim, John Toshack balançou as redes para os visitantes, mas o gol foi anulado por impedimento, apesar dos protestos de Bill Shankly. Entretanto, nesse caso houve consenso de que a decisão do árbitro havia sido correta. O Liverpool precisava vencer. Empatou. Ao Leeds, bastava apenas o empate. Perdeu. O resultado foi o título inédito do Derby County de Brian Clough, três anos depois do acesso à elite.


De seu retiro de férias, o técnico de apenas 37 anos atendeu à imprensa: “Isso é incrível! Eu não acredito em milagres, mas ocorreu um hoje à noite. Acho que eles [arbitragem] deram quatro minutos e meio de acréscimos no Molineux, que para mim pareceram quatro anos e meio. Não há nada que eu possa dizer que resuma adequadamente meus sentimentos”. Em Mallorca, Peter Taylor e os atletas só souberam da conquista quando, de repente, um batalhão de repórteres e fotógrafos tomou conta do hotel em que estavam.


A imagem mais marcante da comemoração ficou sendo a foto dos jogadores na piscina do hotel ostentando os sombreiros trazidos pelos repórteres. Mas a dupla de zaga titular não estava lá. Convocados por Alf Ramsey para a seleção, Roy McFarland e Colin Todd ficaram na Inglaterra e ouviram o jogo no rádio do carro de Todd, antes da apresentação. Chegando ao hotel, receberam os parabéns de Sir Alf. Mas assim que os atletas de Liverpool e Leeds começaram a aparecer, eles bateram em retirada para o quarto.


De sombreiros, os jogadores comemoram o título na piscina do hotel em Mallorca (Foto: Mirrorpix/Getty).

Era um desfecho que só a loucura do calendário do futebol inglês da época poderia proporcionar. No fim das contas, o Derby foi campeão com 58 pontos ganhos, só um de vantagem sobre Leeds, Liverpool e Manchester City (respectivamente segundo, terceiro e quarto colocados pelos critérios de desempate). Foram 24 vitórias, dez empates e oito derrotas, com 69 gols marcados e 33 sofridos. Nos 21 jogos que fez no Baseball Ground, o time só perdeu uma vez (para o Newcastle na reta final) e levou apenas 10 gols.


Cobrador oficial de pênaltis do time, o ponteiro Alan Hinton foi o artilheiro da campanha, com 15 gols (oito deles da marca da cal), seguido por John O’Hare, que marcou 13 e Kevin Hector, que anotou outros 12 – ou seja, o trio respondeu por 40 dos 69 gols marcados pelo Derby na liga. O caneco da liga era, aliás, o segundo vencido pela equipe naquela temporada: em abril, o Derby conquistara a Copa Texaco, torneio eliminatório que reunia times das quatro nações do Reino Unido e que teve vida curta, mas marcou época.


O título inglês também possibilitou que enfim o Derby estreasse na Europa, disputando a Copa dos Campeões na temporada 1972-73. Após superar três adversários de bom nível (os iugoslavos do Željezničar, o Benfica de Eusébio e os tchecoslovacos do Spartak Trnava), a equipe sofreria uma eliminação controversa diante da Juventus nas semifinais, perdendo em Turim por 3 a 1 com arbitragem bastante contestada por Brian Clough e parando num empate em 0 a 0 no Baseball Ground, na partida de volta.


O Derby voltaria a levantar o título inglês três anos depois, porém já sem Clough no comando. O técnico deixaria o clube em outubro de 1973, em meio a uma queda de braço com a diretoria e com o presidente Sam Longson, sendo substituído pelo ex-jogador Dave Mackay. Seu auxiliar Peter Taylor mais tarde retornaria em “carreira-solo” como técnico entre agosto de 1982 e abril de 1984, já num outro contexto, com o clube na segunda divisão amargando crises técnica e financeira. Mas estas já são outras histórias.

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