A história da Full Members' Cup, taça caça-níqueis que não deixou saudade
- Emmanuel do Valle

- 17 de set.
- 23 min de leitura

Criada em 1985 pela Football League, na esteira do banimento dos clubes ingleses pela Uefa após a tragédia de Heysel, como lembramos no texto anterior, a Full Members' Cup foi um torneio controverso desde sua gênese e tido como nada além de um “caça-níqueis” ao ser implementado, mas que, de modo surpreendente, durou sete temporadas. Desprezada pelos grandes, valorizada pelos pequenos, criticada pela imprensa e ignorada pelo público (exceto nas finais), a hoje esquecida competição é relembrada aqui em detalhes.
A ORIGEM
O torneio foi idealizado por dois dos mais polêmicos cartolas do futebol inglês da época: Ken Bates, dono e presidente do Chelsea, e Ron Noades, que ocupava os mesmos postos no Crystal Palace. Bates liderava o comitê da Football League que anunciou, no fim de agosto de 1985, a introdução de duas novas competições, supostamente para tentar mitigar, do ponto de vista financeiro, a falta de futebol europeu para os clubes ingleses.
O argumento de preencher a lacuna europeia até fazia certo sentido para um dos torneios, a Football League Super Cup, que reunia os seis times classificados para as copas continentais na temporada 1985-86 e alijados com a punição pela Uefa – e que teria vida curtíssima, durando só uma edição. Mas o mesmo não poderia ser dito sobre a Full Members' Cup, ao menos inicialmente, já que esta abarcava as demais equipes das duas primeiras divisões do futebol inglês que não foram, naquele momento, impactadas pela medida.
O objetivo real deste torneio era fazer os clubes jogarem mais e conseguirem se aproximar, em termos de receita, dos clubes que disputavam regularmente as competições europeias. Na prática, era apenas outro certame para superlotar ainda mais um calendário já saturado, e que, naquela temporada que culminaria em Copa do Mundo, teria de acabar mais cedo para não prejudicar a preparação da seleção inglesa de olho no Mundial do México.
As críticas vieram de vários lados, inclusive do técnico da seleção, Bobby Robson, que se declarou "triste e amargamente decepcionado" com a criação do novo torneio: "Pensei que nesta temporada eu poderia passar mais tempo com os convocados", lamentou. Mas Ken Bates não se sensibilizava com este argumento nem com o de que os torcedores não se interessariam por um torneio sem sentido. "Eles é que vão decidir", retrucou o cartola.
"[Bates] queria espremer os jogadores o máximo que pudesse", comentou anos mais tarde o então secretário da Football League, Graham Kelly, que era contrário a mais jogos e até defendia a redução do número de clubes na primeira divisão, causa também abraçada pelo presidente do Comitê de Inquérito do Futebol, Norman Chester, em seu relatório preparado em 1983 a pedido da Football League com propostas para melhorar o jogo e sua estrutura.

Em entrevista ao jornal The Times em setembro de 1985, Chester chamou a Full Members' Cup de "um absurdo". Com o país atravessando a década sob recessão e altos índices de desemprego, e seu futebol sofrendo cada vez mais com o hooliganismo e com as médias de público mais baixas desde a volta dos jogos ao fim da Segunda Guerra Mundial, seria o momento realmente apropriado para um novo torneio? De início, para muitos clubes, não.
POR QUE "FULL MEMBERS"?
O nome da competição, bem como o critério que definia seus participantes, vinha do status que os clubes das duas primeiras divisões tinham dentro da Football League. Estes eram considerados "membros plenos" da entidade, com pleno direito a voto nas decisões. Já os clubes da terceira e da quarta divisão eram os associate members, ou "membros associados" – e, aliás, já disputavam um torneio equivalente desde a temporada 1983-84.
De fato, a Associate Members' Cup – bem-sucedida a ponto de conseguir um patrocinador, o veículo comercial Freight Rover, fabricado pelo grupo Land Rover, já na segunda edição – era a inspiração para o novo torneio, que, assim como o já existente, dividia os clubes em duas grandes zonas (Norte e Sul) para explorar as rivalidades regionais, sempre muito fortes. E acenava com um trunfo de grande apelo: a partida final era disputada em Wembley.
Jogar uma decisão no palco sagrado sempre encheu os olhos dos clubes ingleses, grandes e pequenos, tanto pela mística quanto financeiramente. A Copa da Liga, por exemplo, cresceu muito em popularidade quando sua final deixou de ser disputada em ida e volta e passou a ser realizada em partida única no estádio, em 1967. O novo torneio representava, portanto, outra chance, sobretudo aos pequenos, de fazer sua "road to Wembley".
Ironicamente, essa chance ficou ainda mais palpável quando muitos clubes, principalmente da elite, anunciaram sua desistência após a Football League exigir que todas as partidas até as finais regionais fossem realizadas antes da virada do ano. No fim, apenas 21 dos 38 clubes elegíveis aceitaram participar da edição inaugural – e a competição ganhou um apelido jocoso na imprensa: era a "Few Members' Cup" (ou "Copa dos Poucos Membros").
Na história, quatro dos chamados "cinco grandes" do futebol do país na época – Arsenal, Liverpool, Manchester United e Tottenham – jamais aceitariam disputar o torneio. O outro grande, o Everton, participaria só duas vezes, e em ambas seria finalista. Quem também quase sempre não deu as caras, ao menos nas fases iniciais, foi o público: mesmo inflada pelos números das finais em Wembley, que facilmente chegavam a 40 mil pessoas, a média girou em torno de 8 mil, exceto na edição de 1989-90, em que chegou a 10 mil.
Se o público andou escasso, os gols saíram em profusão, em parte devido ao formato do torneio e em parte até pelo próprio desprendimento de muitos clubes em relação a ele: ao todo foram 854 marcados em 257 jogos realizados pela competição – dos quais só cinco terminaram 0 a 0. Todas as edições registraram média de tentos superior a três por partida, bem acima da liga, tanto na primeira quanto na segunda divisão, em todas as temporadas.
A seguir, vamos recapitular todas as edições do torneio, temporada por temporada.
1985-86
Apenas cinco equipes da primeira divisão toparam participar da edição inaugural: Chelsea, Manchester City, Coventry, Oxford e o West Bromwich Albion, que seria rebaixado ao fim daquela temporada. Já entre os clubes da segundona, a adesão foi previsivelmente maior: tirando o Norwich, que, como um dos "europeus", foi disputar a English Super Cup, apenas cinco declinaram do convite: Barnsley, Blackburn, Huddersfield, Oldham e Wimbledon.
Apostando nas fortes rivalidades regionais, a primeira edição foi dividida em duas Seções, Norte e Sul, cujos vencedores se enfrentariam na finalíssima do torneio, em Wembley. E pela única vez na história do torneio, foi realizada uma fase de grupos. Cada Seção contava com quatro chaves: na Sul, todas tinham três equipes. Já na Norte, apenas o Grupo 1 era um triangular. Os demais eram formados por duas equipes, em vista das desistências.
O Birmingham, por exemplo, integrava inicialmente o Grupo 4 da Seção Norte, mas decidiu abandonar a competição às vésperas do início dos jogos, e a chave ficou apenas com Hull e Bradford City. Mesmo assim, nunca ficou explicado por que razão somente o Grupo 3 da Seção Norte, composto por Grimsby e Sunderland, teve jogos em ida e volta, já que todos os outros, fossem compostos por dois ou por três clubes, só tiveram partidas de ida.

O torneio, com partidas disputadas só nos meios de semana (com exceção da final), teve seu pontapé inicial em 17 de setembro de 1985, com dois jogos. Pelo Grupo 3 da Seção Norte, o Grimsby bateu o Sunderland de virada por 3 a 2 no Blundell Park, em Cleethorpes, diante de meros 2,435 torcedores. Já pelo Grupo 1 da Seção Sul, o Portsmouth goleou o Charlton por 4 a 1 em Fratton Park com público ligeiramente superior: 3.074 testemunhas.
Os fracos públicos auferidos nos dois jogos prenunciavam o que seria usual naquele torneio, sobretudo nas fases de classificação. O Coventry, por exemplo, registrou recorde negativo histórico quando apenas 1.086 pessoas foram a Highfield Road ver o empate 1 a 1 com o Millwall pelo Grupo 3 da Seção Sul. Públicos também na casa dos mil foram observados nos confrontos entre Oxford e Shrewsbury, Shrewsbury e Fulham e Millwall e Stoke.
Na Seção Norte, o destaque da primeira fase foi o Manchester City, que estreou arrasando o Leeds por 6 a 1 em Maine Road e se classificou no Grupo 1 batendo também o Sheffield United em Bramall Lane (2 a 1). No Grupo 3, o Sunderland deu o troco no Grimsby no jogo de volta (2 a 1) e avançou nos pênaltis. Já o Middlesbrough (no Grupo 2) e o Hull (no Grupo 4) não tiveram problemas para despachar o Carlisle e o Bradford City, respectivamente.
Na Seção Sul, o Chelsea se impôs ao Portsmouth (3 a 0 em Stamford Bridge) e ao Charlton (3 a 1 em Selhurst Park) no Grupo 1, bem como o Oxford fez no Grupo 2 perante Shrewsbury (3 a 0 em casa) e Fulham (2 a 0 fora). No Grupo 3, o Stoke avançou folgando na última rodada graças ao empate do Millwall na visita ao Coventry. E no 4, o West Bromwich Albion superou tanto o Brighton quanto o Crystal Palace por apertados 2 a 1 e levou a vaga.
Em seguida vieram as semifinais das Seções, disputadas ao longo da primeira quinzena de novembro de 1985. Na Norte, o Hull fez 3 a 1 no Middlesbrough, enquanto Manchester City e Sunderland ficaram em 0 a 0 (placar raríssimo na história do torneio), com o City levando a melhor nos pênaltis. Já na Sul, o Oxford superou o Stoke fora de casa (1 a 0), enquanto o Chelsea também bateu o West Bromwich Albion nos pênaltis após o 2 a 2 em 120 minutos.
As finais das Seções foram, aí sim, em partidas de ida e volta. Derrotado pelo Hull fora de casa por 2 a 1 na ida, o Manchester City fez o suficiente para reverter na volta em Maine Road, vencendo por 2 a 0. Já o Chelsea viveu a situação inversa – e bem mais confortável: goleou o Oxford por 4 a 1 em pleno Manor Ground no primeiro jogo e se permitiu até perder por 1 a 0 em Stamford Bridge no segundo que mesmo assim passou à finalíssima.
Tranquilidade, no entanto, não foi o que os organizadores tiveram para agendar a decisão. Uma nota no jornal The Times de 25 de outubro de 1985 mencionava um temor da Football League de que os administradores de Wembley pudessem exigir garantias financeiras para receber a final, algo que poderia tirá-la do estádio – e, com isso, fazer o torneio perder seu maior atrativo. Para piorar, fechar a data da partida decisiva não foi nem um pouco fácil.
De início, a organização havia estipulado o sábado, 1º de março de 1986, o que implicaria no adiamento do jogo entre o finalista Manchester City e o Oxford, marcado para o mesmo dia. Presidido por outro cartola controverso daqueles tempos, o magnata Robert Maxwell, o Oxford bateu o pé contra a transferência da partida e chegou até a sofrer ameaças de retaliações por supostos torcedores do City, mas conseguiu dobrar a Football League.

A próxima data proposta seria a quarta-feira, 19 de março, mas nem City nem Chelsea eram a favor de jogar num meio de semana, temendo um fracasso total de público em Wembley. As partes acabariam chegando a um consenso sobre o domingo, 23 de março. Mas não sem complicações: os dois finalistas tinham jogos da liga marcados para a véspera: o Chelsea iria a Southampton enquanto o Manchester City faria nada menos que o derby em Old Trafford.
Foi uma experiência agridoce: o Chelsea derrotou o Southampton por 1 a 0 em The Dell, mas viu o centroavante Kerry Dixon, seu goleador e jogador de seleção, sair com distensão na virilha. E o City, que foi buscar o empate em 2 a 2 diante do Manchester United na casa do rival após sair perdendo por 2 a 0, também teve sua baixa: o zagueiro Kenny Clements rompeu os ligamentos do tornozelo e virou desfalque para o resto da temporada.
A final foi um jogo maluco: diante de um bom público (67.236 torcedores em Wembley), o City saiu na frente aos nove minutos com Steve Kinsey, mas o Chelsea reagiu ainda na etapa inicial, conduzido por sua dupla de ataque: o escocês David Speedie empatou de cabeça aos 23, e Colin Lee, substituto de Kerry Dixon, colocou os londrinos na frente aos 36. Se o jogo já estava movimentado no primeiro tempo, no segundo ficaria insano de verdade.
Logo aos seis minutos o Chelsea apertou a saída de bola do City, e Speedie anotou mais um. E aos 13, o escocês completou seu hat-trick ao escorar de pé direito um cruzamento de seu compatriota, o ponta Pat Nevin, marcando o quarto. O placar ainda seria ampliado aos 34, quando, em outra bola tomada na saída adversária, Colin Lee arriscou um chute cruzado de fora da área e marcou o quinto. A essa altura, o City estava entregue, certo? Errado.
A reação começou aos 40, quando Mark Lillis entregou a Paul Simpson na esquerda e correu para a pequena área escorar de cabeça o cruzamento. Três minutos depois, outro centro da esquerda, e, apertado pelo mesmo Lillis, o zagueiro escocês Doug Rougvie cabeceou contra as próprias redes. E aos 44, uma boa triangulação entre Andy May e Neil McNab terminou com o primeiro derrubado na área: pênalti que Lillis converteu fechando a contagem em um 5 a 4 honroso para o City, mas melhor ainda para o Chelsea, primeiro campeão do torneio.
1986-87
O relativo sucesso da final da primeira edição fez com que a segunda Full Members' Cup registrasse um significativo aumento no número de participantes. Desta vez, todos os 22 clubes da segunda divisão aceitaram disputar a competição e apenas oito da primeira divisão recusaram o convite: além de Arsenal, Tottenham, Liverpool e Manchester United, ficaram de fora Nottingham Forest, Queens Park Rangers, Luton e Leicester.
Os torcedores, contudo, não demonstraram a mesma empolgação: apenas 967 foram assistir à vitória do Millwall sobre o West Bromwich Albion por 2 a 0 na primeira fase. O formato do torneio, aliás, foi alterado em relação à primeira edição, deixando de lado a divisão norte-sul e adotando o mata-mata simples, com sete clubes entrando apenas na segunda fase e outros sete começando a disputa somente a partir da terceira fase.
O campeão, no entanto, seria uma equipe que teve de começar seu caminho desde a primeira etapa: o Blackburn Rovers, clube cujos anos de glória pertenciam a um passado muito distante. Cinco vezes campeão da FA Cup ainda no século XIX e duas vezes vencedor da liga pouco antes da Primeira Guerra Mundial, o time de Lancashire entrou em declínio após aquele conflito, apesar de vencer mais uma vez a copa, já em Wembley, em 1928.
Rebaixado pela primeira vez em sua história em 1938, estava afastado da elite desde 1966 e chegara a passar a primeira metade dos anos 1970 na terceirona inglesa – para a qual, aliás, quase voltou ao terminar na 19º colocação na segunda divisão de 1985-86. Mas naquela Full Members' Cup aos poucos foi chegando longe: nas duas primeiras fases, discretamente superou o Huddersfield fora de casa (2 a 1) e o Sheffield United em casa (1 a 0).
Daí em diante, jogando sempre em seu estádio de Ewood Park, foi chamando mais a atenção: na terceira fase, despachou o Oxford United, da elite e vencedor da Copa da Liga na temporada anterior, num frenético 4 a 3. Em seguida, seria o responsável por eliminar o detentor da taça, o Chelsea, com um contundente 3 a 0. E na semifinal, repetiria o placar contra o Ipswich, rebaixado à segunda divisão na temporada anterior.
O adversário na final em Wembley seria o londrino Charlton, que naquela temporada retornava à elite após ausência de quase 30 anos, mas que, na época, via sua torcida se afastar após o clube ter deixado seu histórico estádio de The Valley em 1985, passando a dividir o de Selhurst Park com o Crystal Palace. Assim, naquela campanha da Full Members' Cup, apenas 821 torcedores foram ao jogo contra o Birmingham e 817 contra o Bradford.
O time, porém, embalou após tirar o Everton nos pênaltis no Goodison Park nas quartas de final e o Norwich por 2 a 1 na semifinal, passando à decisão que também seria a de menor público da história do torneio: 43.789 torcedores – cerca de 29 mil do Blackburn, que no fim saíram festejando o título com a vitória de 1 a 0, gol do escocês Colin Hendry – que jogava então de centroavante, antes de passar para a zaga – a cinco minutos do fim.
1987-88
Em sua terceira edição, a competição ganhou patrocínio: a empresa italiana de calçados esportivos Simod adquiriu os naming rights do torneio, que virou Simod Cup. E o número de participantes subiu para 40: apenas Arsenal, Liverpool, Manchester United e Tottenham continuaram alheios. O formato de mata-mata simples foi mantido, porém agora com mais equipes disputando desde o início: apenas as oito melhores colocadas da primeira divisão na temporada anterior (entre as participantes) entravam só na terceira fase.
O público aumentou um pouco, a ponto de ter enfim um jogo com mais de 10 mil pessoas na primeira fase: 11.737 assistiram ao West Ham perder o derby para o Millwall em Upton Park. Rebaixados para a segunda divisão em 1986-87, Manchester City e Aston Villa viveram momentos bem díspares entre si naquela etapa: o City demoliu o Plymouth Argyle por 6 a 2 em Maine Road, enquanto o Villa foi atropelado em casa pelo Bradford por 5 a 0.
O Blackburn, detentor do título da Full Members' Cup, também disse adeus às chances do bi logo cedo, derrotado em casa pelo Swindon por 2 a 1. E os Robins, recém-promovidos à segunda divisão, logo se tornariam a sensação do torneio ao despacharem na sequência – e sempre em casa – o Derby County (também por 2 a 1), o Chelsea (com goleada de 4 a 0) e o Norwich (2 a 0). A saga terminaria na semifinal diante do Luton em Kenilworth Road: 2 a 1.
O Luton chegou à final como favorito pela campanha – além de eliminar o Swindon, vinha de bater o Everton no Goodison Park (2 a 1) e golear o Stoke por 4 a 1 – e pelo status de clube de primeira divisão com histórico recente de boas colocações. Do outro lado, porém, estava um Reading cumprindo trajetória notável após eliminar quatro times da elite (Queens Park Rangers, Oxford, Nottingham Forest e Coventry), além do Bradford nas quartas.

Na decisão em 27 de março de 1988, o Luton abriu o placar com o atacante Mick Harford num lance em que o próprio jogador mais tarde confessaria ter desviado a bola com a mão. O Reading empatou com o ponta Michael Gilkes e virou logo em seguida em outro lance controverso, no qual o mesmo Gilkes pareceu ter sido derrubado fora da área, mas o árbitro marcou pênalti. Stuart Beavon conferiu, e os Royals foram para o intervalo em vantagem.
Na etapa final, o time de Berkshire – que incluía o zagueiro Keith Curle, futuro defensor da seleção inglesa na Eurocopa de 1992 – aumentaria a contagem com o atacante Mick Tait e chegaria a uma surpreendente goleada por 4 a 1 com o meia Neil Smillie. O Reading, cujo maior feito em copas era ter alcançado a semifinal da FA Cup num longínquo 1927, tornava-se o segundo clube da segunda divisão a levantar a Full Members' Cup (ou Simod Cup).
Porém, numa triste ironia para seus torcedores, o Reading não poderia defender seu título: rebaixado para a terceira divisão ao fim daquela temporada, o clube perdeu o status de "full member" e nunca mais voltaria a disputar o torneio. Já o Luton não teria de esperar muito para se reabilitar e levantar sua primeira taça: menos de um mês depois, o time voltaria a Wembley e conquistaria a Copa da Liga com vitória de virada sobre o Arsenal por 3 a 2.
1988-89
Por exemplo, Aston Villa e Chelsea, que haviam caído com goleadas para, respectivamente, Bradford e Swindon na edição anterior, começaram goleando: o Villa aplicou 6 a 0 no rival Birmingham no chamado Second City Derby. E os Blues pulverizaram o Plymouth Argyle por 6 a 2. Eliminado em casa pelo Millwall na primeira fase da edição de 1987-88, o West Ham foi mais um a voltar furioso, fazendo 5 a 2 no West Bromwich Albion em Upton Park.
Assim, não foi surpresa o título ser decidido pelas duas maiores forças do futebol inglês da época – à parte daquele quarteto sempre ausente do torneio: Everton e Nottingham Forest. Os dois finalistas entraram na terceira fase, mas as semelhanças em suas caminhadas param por aí. O Forest só enfrentou equipes da segunda divisão e venceu sempre por placares mais dilatados: 4 a 1 sobre o Chelsea, 3 a 1 contra o Ipswich e 3 a 1 diante do Crystal Palace.
Já o Everton mediu forças apenas com times da elite, mas foi mais parcimonioso em suas vitórias: 2 a 0 contra o Millwall, 2 a 1 sobre o Wimbledon e 1 a 0 no Queens Park Rangers – curiosamente um trio londrino. E levou bem menos público: nestas três partidas (uma delas, contra os Dons, fora de casa), o público somado foi de pouco mais de 13 mil torcedores. O Forest, só em seu único jogo em casa, a semifinal contra o Palace, arrastou mais de 20 mil.
Contudo, entre as semifinais, realizadas no fim de fevereiro de 1989, e a decisão, marcada para 30 de abril, o futebol inglês acabou devastado por mais uma das inúmeras tragédias em estádios que mancharam a segunda metade da década: a de Hillsborough, em Sheffield, antes da semifinal da FA Cup entre Liverpool e Nottingham Forest em 15 de abril, na qual a superlotação combinada com a precarização das estruturas levou à morte de 97 torcedores.
Em meio a esse clima de luto e ressaca, Forest e Everton fizeram a final da Simod Cup num Wembley com apenas 46.606 torcedores, menos da metade de sua capacidade. A partida, no entanto, foi intensa e repleta de gols. Os Toffees saíram na frente logo aos oito minutos quando Tony Cottee se desvencilhou da zaga do Forest e tocou na saída de Steve Sutton. A equipe de Nottingham empatou aos 30 com o meia Garry Parker num escanteio.
Na etapa final, novamente o Everton passou à frente logo no início: Graeme Sharp recebeu lançamento de Kevin Sheedy e se infiltrou no meio da defesa para fazer 2 a 1. Mas o Forest tornou a empatar num incrível e fulminante contra-ataque concluído mais uma vez por Garry Parker. O empate no tempo normal levou a decisão à prorrogação, e aí foi a vez de o Forest passar à frente aos dois minutos com Lee Chapman tocando por cima de Neville Southall.
O Everton, no entanto, não esmoreceu e também chegou ao empate em cabeçada de Tony Cottee a quatro minutos do intervalo. E, na etapa final do tempo extra, quase passou de novo à frente numa chance incrível, que bateu no travessão e foi salva por Sutton em cima da linha. Acabou castigado: a três minutos do fim, o ponta Franz Carr recebeu na direita e cruzou para Lee Chapman completar, decretando a vitória do Forest por 4 a 3.
A equipe de Brian Clough levantava seu segundo troféu em Wembley na temporada, após ter vencido o Luton na final da Copa da Liga, três semanas antes. Já para o Everton, aquele seria o primeiro de dois amargos revezes no estádio naquele ano. O outro seria justamente na final da FA Cup contra o velho rival Liverpool, na prorrogação, dali a 20 dias.
1989-90
A quinta edição trouxe duas novidades: um novo patrocinador, a empresa norte-americana de informática Zenith Data Systems, que passou a emprestar sua marca como naming rights; e a volta da divisão regional, com Seção Norte e Seção Sul, embora mantendo o formato de mata-mata simples, exceto nas decisões de cada Seção, disputadas em partidas de ida e volta. Coincidência ou não, foi a mais bem-sucedida em termos de público.
Além de ter a melhor média e o maior número de jogos superando os 10 mil espectadores, a edição registrou os maiores públicos da história do torneio tanto em Wembley – mais de 76 mil assistiram ao Chelsea bater o Middlesbrough na finalíssima realizada em 25 de março de 1990 – quanto fora dele – mais de 30 mil foram a Hillsborough ver o derby de Sheffield vencido pelo Wednesday contra o United pela segunda fase da Seção Norte.
E isso apesar de uma diminuição do número de participantes: além de Arsenal, Tottenham, Liverpool e Manchester United, desta vez o Everton (vice-campeão da edição anterior), o Southampton e o Queens Park Rangers preferiram não disputar o torneio. O Nottingham Forest, detentor do título, passou pelo Manchester City, mas caiu na fase seguinte diante do Aston Villa, que, por sua vez, perderia a final da Seção Norte para o Middlesbrough.
O Boro acabou vencendo o Villa por 2 a 1 em ambos os jogos da decisão da Seção Norte, mas no segundo precisou da prorrogação para confirmar a vitória, após perder no tempo normal por 1 a 0. Já na Sul, o Chelsea, que passou apertado por Bournemouth (3 a 2 fora de casa após tempo extra), West Ham (4 a 3 em casa) e Ipswich (3 a 2 fora) nas fases anteriores, teve menos trabalho para superar o Crystal Palace por um duplo 2 a 0 na decisão.
Chelsea e Middlesbrough, os adversários da finalíssima, haviam se enfrentado menos de dois anos antes, em maio de 1988, num playoff de acesso e descenso que decretou a queda dos Blues para a segunda divisão e colocou o Boro na elite. Agora, os londrinos teriam a chance da revanche e não desperdiçariam: um gol de falta do lateral-esquerdo Tony Dorigo no primeiro tempo decidiu o jogo (1 a 0) e levou o caneco para Stamford Bridge.
1990-91
Esta temporada marcou a volta gradual dos clubes ingleses às copas europeias, com a presença do Manchester United na Recopa e do Aston Villa na Copa da Uefa (o Liverpool, campeão da liga, ficou de fora da Copa dos Campeões por ter um ano a mais de gancho para cumprir). Com isso, o Villa aderiu à lista dos ausentes da competição. Por outro lado, Everton, Southampton e Queens Park Rangers estavam de volta. Os dois últimos até se enfrentaram pela segunda fase da Seção Sul, com os Saints goleando em casa por 4 a 0.
O Everton, por sua vez, chamou a atenção desde o início na Seção Norte: estreou goleando o Blackburn por 4 a 1 em pleno Ewood Park, antes de repetir o placar (agora em casa) diante do Sunderland. Na semifinal, um magro 1 a 0 sobre o Barnsley em Oakwell foi o bastante. Mas na final da Seção contra o Leeds os gols voltaram a sair aos borbotões: 3 a 3 em Elland Road seguido por um 3 a 1 em Goodison Park colocaram os Toffees de novo na finalíssima.
Já no lado Sul, o Luton se destacou de saída, goleando o West Ham por 5 a 1 e eliminando o Chelsea nos pênaltis em Stamford Bridge, mas caiu na semifinal para o Crystal Palace. O Norwich, que tirou o Southampton antes de despachar o rival regional Ipswich no jogo de maior público fora a final (16.225 torcedores em Carrow Road), pareceu se tornar a melhor aposta. Mas também parou no Palace, que venceu a final da Seção por 3 a 1 no agregado.
Para o Everton, aquela era nada menos que a 11ª final em Wembley desde 1984. O Palace, por sua vez, havia disputado sua primeira no ano anterior: a épica decisão da FA Cup de 1990 contra o Manchester United, perdida no replay após empate em 3 a 3 na primeira partida. E os Águias encararam a nova ocasião como uma ótima chance de afugentar eventuais fantasmas de um passado bem recente, superando os Toffees e levando a taça.
Para isso, o Crystal Palace fez prevalecer seu jogo mais físico sobre a técnica do Everton, o que tornou o jogo um tanto acidentado: o volante Andy Gray, do Palace, deixou o jogo com uma concussão após choque de cabeça, e o zagueiro Martin Keown, dos Toffees, fraturou o nariz em outro lance. No tempo normal, Geoff Thomas abriu o placar para os londrinos de cabeça após escanteio e o ponta polonês Robert Warzycha empatou três minutos depois.
Na prorrogação, enfim, o Palace engrenou: Ian Wright marcou o segundo após um chutão de seu goleiro Nigel Martyn; o ponta John Salako anotou o terceiro de cabeça; e Wright, que havia marcado duas vezes naquela final contra o Manchester United, repetiu o feito ao decretar o 4 a 1 tocando na saída de Neville Southall. Era o primeiro caneco dos Águias.
1991-92
O Nottingham Forest conquistou o título pela segunda vez e se igualou ao Chelsea como o maior vencedor do torneio naquela que seria sua derradeira edição, a qual repetiu o formato das duas anteriores e, além dos quatro de sempre, não teve o Sunderland entre seus participantes. Mas, ao menos por um tempo, a grande sensação da competição foi o Tranmere Rovers, clube de Birkenhead, na península de Wirral, bem perto de Liverpool.
Os Rovers, que só haviam alcançado anteriormente a segunda divisão inglesa uma única vez, em 1938-39, estreavam no torneio após terem conquistado novo acesso ao fim da temporada 1990-91. Num time com alguns jogadores rodados, o destaque era o goleador irlandês John Aldridge, ex-Liverpool e Real Sociedad, que defendeu a seleção da Irlanda nas Copas de 1990 e 1994. E já de saída, na primeira fase da Seção Norte, protagonizaram um jogo absolutamente insano contra o Newcastle em seu estádio de Prenton Park.
Foram várias reviravoltas no tempo normal e prorrogação, até Aldridge - que já fizera dois gols - converter um pênalti no 124º minuto para decretar um incrível empate em 6 a 6! Nos pênaltis, o herói foi o goleiro Eric Nixon, que pegou duas cobranças e viu outra acertar a trave na série vencida pelos Rovers por 3 a 2. Na fase seguinte, o Tranmere goleou o Grimsby por 5 a 1 com mais três de Aldridge. E na terceira etapa, mesmo jogando em Ayresome Park, derrubou o Middlesbrough por 1 a 0, de novo com o irlandês marcando.
A saga dos Rovers, porém, acabaria na semifinal da Seção: o poderoso Nottingham Forest, que já despachara Leeds e Aston Villa fora de casa nas fases anteriores, não se intimidou com a pressão do Prenton Park e venceu por 2 a 0. Na final da Seção em ida e volta, o time dirigido pelo experiente Brian Clough superou o Leicester, rival da região de Midlands, empatando em 1 a 1 em Filbert Street e vencendo por 2 a 0 em sua casa, no City Ground.
Assim, o Forest avançaria para a finalíssima contra o Southampton, que derrotara o Chelsea na decisão de uma Seção Sul na qual nenhuma partida teve público alcançando a marca dos 10 mil torcedores. Era, aliás, a segunda vez que Forest e Saints decidiam uma copa em Wembley: a primeira havia sido a Copa da Liga de 1979, com vitória do Forest por 3 a 2.
Curiosamente, o mesmo placar voltaria a ser registrado: o Forest abriu 2 a 0 no primeiro tempo com Scot Gemmill e Kingsley Black, mas o Southampton empatou na etapa final com Matt Le Tissier e Kevin Moore, forçando a prorrogação. No tempo extra, outro gol de Scot Gemmill a cinco minutos do fim deu o título ao Forest, diante de 67.688 torcedores. Seria o último caneco levantado pelo lendário Brian Clough, que se aposentaria em 1993.
O FIM DO TORNEIO
A morte da Full Members' Cup começou a ser decretada em 10 de abril de 1989, quando o Comitê Executivo da Uefa, reunido em Palmela (Portugal), votou por unanimidade pelo retorno dos clubes ingleses às competições continentais a partir da temporada 1990-91. No entanto, o presidente da entidade, Jacques Georges, afirmou que deveria se encontrar com dirigentes ingleses dali a um ano para analisar o cenário e recolocar o assunto em pauta.
Da visita de Georges saiu um relatório favorável, anunciado no dia 18 de abril de 1990, e que deveria ser avaliado e referendado pelo Conselho da entidade dali a três meses. Em 9 de julho, a Uefa, agora presidida pelo sueco Lennart Johansson, deu o sinal verde para que o vice-campeão inglês, Aston Villa, fosse admitido na Copa da Uefa e o campeão da FA Cup, Manchester United, participasse da Recopa europeia, ambos para a temporada 1990-91.
Campeão inglês, o Liverpool teria de esperar mais um pouco, já que havia recebido um ano a mais de punição pelo envolvimento direto de seus torcedores na tragédia de Heysel. De todo modo, com a volta dos clubes do país aos torneios continentais, uma competição criada justamente para tentar compensar essa ausência perderia, por si só, a razão de existir. Mas ainda seria necessário outro fator para levar a Full Members' Cup ao fim inexorável.
Em abril de 1991, após ouvir queixas dos principais clubes do país direcionadas à Football League na negociação dos contratos de televisão, a Football Association – entidade que historicamente cuidava apenas da seleção e da FA Cup – anunciou um dossiê com medidas destinadas a melhorar as condições estruturais do futebol e, entre elas, estava a criação de uma nova divisão de elite: a FA Premier League, gerida pelos clubes e pela associação.
No fim de julho, cerca de um mês após a publicação do relatório da Football Association, a Justiça britânica confirmou a legalidade da entidade para instituir a Premier League, dando o sinal verde para que, em 23 de setembro de 1991, a FA, a Football League e os clubes da então First Division assinassem os documentos de desvinculação do antigo campeonato e da criação do novo, a ser iniciado a partir da temporada seguinte, a de 1992-93.
Para a Football League, organizadora da Full Members' Cup, isso significava perder de seu portfólio a categoria de elite e seus clubes: a antiga segunda divisão passava a se chamar "First Division". Dessa forma, o torneio criado em 1985 tornava-se ainda mais inviável. E morreria com a edição 1991-92, sem ninguém se dar conta nem lamentar, tornando-se uma espécie de estranho souvenir dos últimos anos do futebol inglês antes da grande virada.
A história relegaria ao torneio algo como um fundo de gaveta. Livros contemporâneos dele, como a Encyclopedia of British Football, de Phil Soar, ou um pouco posteriores, como The Sunday Times Illustrated History of Football, de Chris Nawrat e Steve Hutchings, trazem referências ínfimas e em geral críticas à Full Members' Cup. Já a também posterior The Ultimate Encyclopedia of Soccer, editada por Keir Radnedge, sequer registra sua existência.
Naturalmente, quem venceu a competição trata-a com carinho: mesmo Nottingham Forest e Chelsea, clubes com títulos bem mais pesados, prestigiam o torneio em seus sites oficiais. "Podem chamá-la de (copa) Mickey Mouse, mas ninguém pode tirar aquele momento de mim", declarou Martin Hicks, ex-capitão do Reading que em 1988 teve a honra de subir as escadarias de Wembley com seu time para receber e erguer a taça, à revista FourFourTwo.
A referência ao velho personagem de Walt Disney não é à toa: "Mickey Mouse Cup" é um termo pejorativo pelo qual os torcedores ingleses costumam se referir a torneios mata-mata de baixo nível técnico ou de competitividade, em geral porque os clubes mais fortes ou não participam ou o fazem sem interesse, levando a campo equipes enfraquecidas. Há inclusive o verbete na Wikipedia. E nele, o caso ilustrativo é justamente a Full Members' Cup.






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