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Há 40 anos, Everton vivia temporada mágica: campeão inglês e da Recopa

  • Foto do escritor: Emmanuel do Valle
    Emmanuel do Valle
  • 6 de mai.
  • 28 min de leitura

Os campeões de 1985. Em pé: Bracewell, Atkins, Van Den Hauwe, Gray, Stevens, Southall e Mountfield. Agachados: Reid, Richardson, Sheedy, Sharp, Ratcliffe e Trevor Steven.
Os campeões de 1985. Em pé: Bracewell, Atkins, Van Den Hauwe, Gray, Stevens, Southall e Mountfield. Agachados: Reid, Richardson, Sheedy, Sharp, Ratcliffe e Trevor Steven.

Em meados da década de 1980, em plena era dominante do Liverpool no futebol inglês, o Everton obteve um feito notável: ainda que por breve período, desviou para si os holofotes no cenário nacional e continental ao levantar pela oitava vez o título inglês e conquistar, de quebra, a Recopa europeia na temporada 1984-85. A vitória da liga, que completa 40 anos nesta terça-feira, foi categórica: os imparáveis Toffees chegaram a ficar 16 jogos invictos na liga do fim de dezembro ao início de maio, enfileirando dez vitórias seguidas no meio do caminho e terminando a campanha com expressivos 90 pontos, 13 a mais que os Reds.


E se o título doméstico já havia sido marcado por grandes vitórias sobre adversários de respeito, a conquista da Recopa, primeiro e ainda hoje único caneco continental do clube, veio após uma batalha épica frente ao Bayern de Munique nas semifinais. Lamentavelmente, no entanto, aquela temporada mágica para o Everton seria marcada também por vários incidentes no futebol inglês, culminando na tragédia de Heysel e no banimento dos clubes do país pela Uefa, impedindo brilho mais duradouro daquele esquadrão pelo continente.


OS DIFÍCEIS ANOS SETENTA


Após uma era de ouro vivida sob o comando de Harry Catterick durante a década de 1960, com dois títulos marcantes da liga e um da FA Cup com virada sensacional na decisão, o Everton teve um decênio seguinte bastante frustrante. A azeitada equipe campeã inglesa na temporada 1969-70, com campanha que resvalou no recorde de pontos, não conseguiu preservar o bom momento pelos anos seguintes, e Catterick, após ter sofrido um infarto em janeiro de 1972, deixaria em abril do ano seguinte o cargo que ocupou por 11 anos.


Seu sucessor, o norte-irlandês Billy Bingham, ponta do time campeão de 1963, montaria um time mais aguerrido do que vistoso que chegaria a brigar pelo título na imprevisível temporada 1974-75, mas, depois de ocupar a liderança em vários momentos, teria de se contentar com o quarto lugar, a três pontos do campeão Derby County. E, entre outros tropeços que custariam o título, os mais inacreditáveis foram as derrotas em casa e fora para o lanterna Carlisle, em quatro pontos que poderiam ter feito a diferença a favor dos Toffees.


Bingham deixaria o cargo em janeiro de 1977, sendo substituído por Gordon Lee, um ex-lateral do Aston Villa que tinha em seu currículo como técnico acessos nas divisões inferiores com o Port Vale e o Blackburn e um vice-campeonato na Copa da Liga com o Newcastle. A exemplo de seu antecessor, Gordon Lee também privilegiava o jogo coletivo, mas contava agora com mais jogadores de talento do meio para a frente, o que levaria o Everton, nos primeiros anos do treinador no clube, a se tornar uma equipe muito difícil de ser batida.


Mas o começo de sua passagem seria marcado por dois grandes traumas copeiros. O primeiro, nas dramáticas finais da Copa da Liga de 1977 contra o Aston Villa. Após empates em 0 a 0 na decisão em Wembley e em 1 a 1 no replay (jogo-desempate) em Hillsborough, a disputa foi para uma terceira partida, em Old Trafford, vencida pelo Villa por 3 a 2 graças a um gol de Brian Little nos segundos derradeiros da prorrogação, que impediu os azuis de Merseyside de encerrarem um jejum de conquistas que naquela altura já durava sete anos.


A "final sem fim" da Copa da Liga de 1977 contra o Aston Villa: momento doloroso de uma década perdida.
A "final sem fim" da Copa da Liga de 1977 contra o Aston Villa: momento doloroso de uma década perdida.

Já o segundo viria dali a duas semanas diante do eterno rival Liverpool na semifinal da FA Cup, no campo neutro de Maine Road. O jogo terminou empatado em 2 a 2, mas o Everton foi prejudicado pelo árbitro Clive Thomas, o mesmo que anularia um gol de Zico pelo Brasil contra a Suécia na Copa de 1978 ao acabar o jogo com a bola no ar após cobrança de escanteio. Thomas invalidou inexplicavelmente um gol legal de Bryan Hamilton, que daria a vitória e a classificação aos Toffees. No replay, o Liverpool venceria por inapeláveis 3 a 0.


Depois disso, nas duas primeiras temporadas completas de Gordon Lee no comando, 1977-78 e 1978-79, o Everton chegaria a brigar pelo título. Na primeira quinzena de dezembro de 1977, os Toffees estavam só um ponto atrás do líder Nottingham Forest, de Brian Clough, e sustentando uma incrível invencibilidade de 18 jogos na liga. Mas perderiam o fôlego na segunda metade do campeonato e acabariam em terceiro, a dois pontos do Liverpool e nove do campeão Forest, embora com o ataque mais positivo da competição (76 gols).


A campanha seguinte foi muito semelhante: o time permaneceu, a partir da estreia, nada menos que 19 jogos invicto, tendo no caminho derrotado o Liverpool por 1 a 0 no Goodison Park e posto fim a um jejum de vitórias no clássico que já se estendia a quase sete anos. Mas após a virada no calendário para 1979, o time venceria apenas cinco e perderia sete de seus 20 jogos pela liga, terminando em quarto lugar, uma posição abaixo da temporada anterior, e bem atrás do campeão Liverpool, do Nottingham Forest e do West Bromwich Albion.


Dali em diante, o trabalho de Gordon Lee teria a validade expirada: embora o Everton até chegasse de novo a uma semifinal da FA Cup em 1980 (caindo para o West Ham), as campanhas na liga foram muito ruins: na mesma temporada 1979-80, os Toffees terminariam em 19º, a primeira posição acima da zona de rebaixamento. Assim, ao fim de mais uma campanha anônima na temporada 1980-81 (15º lugar, só três pontos acima do rebaixado Norwich), o treinador seria demitido pelo presidente Philip Carter em 6 de maio de 1981.


A VOLTA DO VELHO ÍDOLO


O nome escolhido para tentar sacudir o clube da pasmaceira em que se encontrava naquele início da década de 1980 era, a exemplo de Billy Bingham, outro ex-jogador dos Toffees na era Harry Catterick, mas um que havia se tornado de fato ídolo: o meia Howard Kendall, revelado pelo Preston (onde, em 1964, tornara-se o jogador mais jovem a disputar a final da FA Cup em Wembley) e contratado pelo Everton três anos depois para formar um meio-campo com Alan Ball e Colin Harvey que ficaria conhecido como a “Santíssima Trindade”.


Campeão inglês pelo Everton em 1970, Kendall deixou o clube quatro anos depois numa troca com o Birmingham, passando em seguida pelo Stoke e depois pelo Blackburn, onde fez ótimo trabalho acumulando os cargos de jogador e técnico, conduzindo os Rovers da terceira para a segunda divisão em 1979-80 e quase emendando um segundo acesso consecutivo na temporada seguinte, agora para a elite, perdido para o Swansea no saldo de gols. E a princípio, seria também como jogador-técnico que ele voltaria ao Goodison Park.


Howard Kendall entra em campo em 1981: a volta ao Everton, inicialmente como jogador-técnico.
Howard Kendall entra em campo em 1981: a volta ao Everton, inicialmente como jogador-técnico.

Ao chegar, Kendall iniciaria uma profunda reformulação no elenco, negociando vários jogadores mais rodados ou com mais tempo de clube e trazendo uma batelada de reforços: de julho para agosto de 1981, sete novos nomes aportaram no Goodison Park, sendo logo apelidados pela imprensa local de “Sete Magníficos”. Mas só um deles – por sinal, o menos badalado – viria a vingar no Everton, e mesmo assim após algum tempo: o desconhecido goleiro galês Neville Southall, 22 anos, pescado no pequeno Bury, da quarta divisão.


Aos poucos, porém, Kendall foi percebendo a grande quantidade de bons jogadores jovens que dispunha no elenco – sobretudo os pratas-da-casa – e que haviam sido pouco ou nada utilizados por Gordon Lee. E, ao longo da temporada, foi promovendo ou abrindo espaço no time para nomes como o lateral-direito Gary Stevens, os zagueiros Mark Higgins e Kevin Ratcliffe, o meia Kevin Richardson e o atacante Graeme Sharp. Com isso, a média de idade do time caiu de cerca de 27 anos no início da campanha para entre 22 e 23 na reta final.


Além disso, como lembrou Kevin Ratcliffe falando ao Liverpool Echo em 2013, a participação ativa de Kendall nos treinos – afinal, naquela temporada ele ainda era jogador-técnico – foi crucial na orientação dos jovens, que aprendiam observando o que o treinador fazia com a bola nas atividades. “A qualidade que ele imprimia naqueles treinos era de outro nível. Ele era um jogador tão bom – se não melhor – quanto qualquer um do elenco. Esse é o tipo de influência que você não consegue obter da maioria dos técnicos”, comentou o zagueiro.


Contudo, ainda não seria naquela primeira temporada que os grandes resultados viriam. O time oscilou demais ao longo da campanha, emendando sequências positivas e negativas, subindo e descendo na tabela com certa frequência. Mas na reta final, quando parecia ter se acomodado ali entre a décima e a 12ª colocação, surpreendeu ao arrancar cinco vitórias e um empate nos seis últimos jogos, escalando para o oitavo posto, terminando somente dois pontos atrás do Southampton, que ficaria com a última vaga inglesa na Copa da Uefa.


A temporada seguinte seguiria roteiro semelhante. Apesar de logo na segunda rodada ter aplicado uma goleada de 5 a 0 no Aston Villa, campeão da Copa dos Campeões apenas três meses antes, o Everton teve início ruim, com uma derrota particularmente humilhante: na noite de 6 de novembro de 1982, no derby de Merseyside, os Toffees levaram a mesma goleada de 5 a 0 do rival Liverpool dentro do Goodison Park, num jogo em que o zagueiro Glenn Keeley, em sua única atuação pelo Everton, foi expulso ainda no primeiro tempo.


Desta vez, porém, a reação começou antes, pouco depois da virada do ano. O clube chegou a ocupar a quinta posição no começo de fevereiro, depois retornou ao meio de tabela na virada de março para abril, até novamente arrancar na reta final, vencendo seis dos seus últimos oito jogos. No fim, o time somaria os mesmos 64 pontos da campanha anterior e ficaria de novo uma posição abaixo da zona de classificação para a Europa, mas agora num sétimo lugar, com números de vitórias, gols marcados e sofridos ligeiramente melhores.


Mas quando o clube começou da mesma forma a terceira temporada sob o comando de Kendall, a torcida começou a se impacientar. No início de novembro de 1983, após perder em sequência para o Leicester (2 a 0) e o Liverpool (3 a 0), ambos fora de casa, o Everton ocupava a 17ª colocação. O treinador sofria pressão da diretoria e dos torcedores, que chegaram a pichar os muros do centro de treinamentos. Foi quando aconteceu o primeiro dos dois jogos pela Copa da Liga que seriam cruciais para mudar o rumo da equipe.


No dia 9, o Everton recebia o Coventry pela terceira fase da competição num Goodison Park com pouco mais de 9 mil torcedores nas arquibancadas. E perdia por 1 a 0 quando, aos 24 minutos da etapa final, Kendall colocou em campo o meia Peter Reid, contratado do Bolton no ano anterior, mas muito pouco utilizado até aquele momento. Os Toffees ganharam em dinamismo e atitude, cresceram no jogo, empataram aos 32 e viraram já nos acréscimos, arrancando a vitória por 2 a 1 e a classificação que daria uma sobrevida ao treinador.


No dia seguinte à vitória, o clube anunciou um reforço para o ataque: o experiente centroavante escocês Andy Gray, ex-Aston Villa e Wolverhampton. Inicialmente, porém, nem a nova contratação fez o Everton mudar sua toada na liga: venceu apenas três dos 11 jogos seguintes e, na metade de janeiro de 1984, ocupava a 18ª colocação. E aí, com a cabeça de Howard Kendall novamente a prêmio, chegou o outro jogo crucial pela Copa da Liga para virar a maré a favor dos Toffees: contra o Oxford fora de casa pelas quartas de final.


O Everton até começou bem o jogo, mesmo tentando trocar passes no gramado cheio de falhas do Manor Ground, mas logo o Oxford se impôs com um jogo direto, físico e aéreo. E no meio da etapa final, abriu o placar em escanteio. A confiança do Everton foi ao chão e nada indicava a reação contra um oponente que disputava a terceira divisão. Até que, a nove minutos do fim, o meia Kevin Brock, do Oxford, tentou um recuo para o goleiro, mas o atacante Adrian Heath, atento, tomou a bola, driblou o arqueiro e tocou para as redes.


O gol de empate no fim impediu a eliminação vexatória. Mas não apenas isso: seria um divisor de águas para a história do Everton naquela década. Nos 19 jogos seguintes pela liga, o time perdeu apenas três (todos fora de casa) e venceu nove. Na reta final, quatro triunfos e dois empates nos últimos seis jogos levaram o clube a outro sétimo lugar. Melhor ainda foi o desempenho nas copas: o Everton quebraria o jejum de sete anos sem alcançar uma final chegando duas vezes a Wembley, tanto na Copa da Liga quanto na FA Cup.


A conquista da FA Cup em 1984: ponto de virada para um Everton de novo vencedor.
A conquista da FA Cup em 1984: ponto de virada para um Everton de novo vencedor.

Na primeira, o Everton golearia o Oxford por 4 a 1 no replay no Goodison Park, antes de eliminar o Aston Villa nas semifinais e chegar à final contra o Liverpool. Nela, os Toffees perderiam o título, mas venderiam caro a derrota para o rival: o jogo de Wembley terminou 0 a 0 após 120 minutos, levando a um replay em Maine Road, no qual os Reds prevaleceram por 1 a 0. Já na FA Cup, o time de Kendall superou Stoke, Gillingham, Shrewsbury e Notts County, antes de bater o Southampton na prorrogação na semifinal disputada em Highbury.


A decisão seria contra o Watford, clube presidido por Elton John que se tornara a sensação do futebol inglês após levar o vice-campeonato da liga na temporada anterior. Porém, com um gol de Graeme Sharp no primeiro tempo e outro de Andy Gray na etapa final, o Everton venceu por 2 a 0, levantando com justiça naquele 19 de maio de 1984 a taça que encerrava um jejum de conquistas vindo deste o último título da liga, em 1970 (com Howard Kendall em campo). Era a senha para o início de uma nova era de glórias em Goodison Park.


OS CANDIDATOS


A temporada 1984-85 começava, contudo, com um time a ser batido: o Liverpool de Joe Fagan, campeão inglês, da Copa da Liga e da Copa dos Campeões na campanha anterior. Havia perdido, é verdade, sua figura central do meio-campo e o inspirador da mentalidade vencedora do clube, o escocês Graeme Souness, vendido à Sampdoria. Mas foi ao mercado e trouxe não uma, mas duas peças importantes para seu lugar: o escocês John Wark, ex-Ipswich, e o dinamarquês Jan Mölby, ex-Ajax, além do atacante Paul Walsh, do Luton.


Quem duvidava se os Reds superariam a saída de Souness apostava as fichas no Manchester United de Ron Atkinson. Os Red Devils vinham de boas campanhas e do título da FA Cup de 1983. Agora, além de reunir quase uma seleção britânica no elenco, parecia ter atingido a maturidade necessária para brigar pelo título da liga. Seus maiores reforços eram pontas: o escocês Gordon Strachan, vencedor da Recopa com o Aberdeen em 1983, e o dinamarquês Jesper Olsen, do Ajax. Além deles, veio o atacante escocês Alan Brazil, do Ipswich.


O Tottenham era outro bem cotado pelo sucesso recente nas copas (bicampeão da FA Cup em 1981/82 e vencedor da Copa da Uefa em 1984) e as boas campanhas na liga. Perdera o técnico Keith Burkinshaw, mas seu sucessor era o ex-auxiliar, Peter Shreeves. E reforçara o ataque com o jovem goleador Clive Allen, do Queens Park Rangers, e o ponta John Chiedozie, do Notts County. Sua candidatura ao título, porém, dependia da recuperação física de seus meias de nível mundial: Glenn Hoddle e o argentino Osvaldo Ardiles.


Outro que se mantivera nas primeiras posições nas duas últimas temporadas era o Nottingham Forest, de Brian Clough. Após seu time bicampeão europeu em 1979/80 se desmantelar, o técnico vinha obtendo bons resultados na renovação do elenco. Dessa vez, trocara seu goleiro holandês Hans Van Breukelen por outro goleiro holandês, Hans Segers, com o PSV. E um terceiro holandês, o zagueiro e meio-campo John Metgod, dono de um petardo em cobranças de falta, aportou após passagem sem sucesso pelo Real Madrid.


O Arsenal reforçara-se com dois nomes de seleção: o lateral Viv Anderson (ex-Nottingham Forest) e o centroavante Paul Mariner (ex-Ipswich). Mas as duas sensações da temporada anterior não indicavam repetir o feito: o Queens Park Rangers, quinto colocado vindo da segunda divisão, perdeu o técnico Terry Venables para o Barcelona e o goleador Clive Allen para o Tottenham. Já o vice Southampton até trouxera de volta ao Reino Unido o artilheiro escocês Joe Jordan, após três anos na Itália, mas não parecia ter forças para brigar em cima.


Por outro lado, dado o histórico de campanhas surpreendentes de recém-promovidos (os casos mais recentes eram os do Swansea em 1982, Watford em 1983 e o já citado Queens Park Rangers em 1984), valia a pena ficar de olho no que poderiam aprontar os novos integrantes da elite (que, aliás, haviam sobrado na briga pelo acesso): Chelsea, Sheffield Wednesday e Newcastle – ainda que este tivesse perdido seu grande condutor no acesso, o lendário atacante Kevin Keegan, que se aposentou ao fim da temporada 1983-84.


O COMEÇO DA CAMPANHA


Apesar dos bons sinais apresentados na segunda metade da temporada 1983-84 – o título da FA Cup, o vice da Copa da Liga, a arrancada final para o sétimo lugar no campeonato – o Everton não aparecia inicialmente entre os candidatos para a imprensa. E só recebeu um reforço às portas da nova campanha: o meia Paul Bracewell, trazido do Sunderland. Mas a vitória de 1 a 0 sobre o rival Liverpool em Wembley pela Charity Shield (a supercopa inglesa) indicava a mudança nos ventos não só pelos lados de Merseyside, mas no âmbito nacional.


Os primeiros passos da campanha da liga, no entanto, pareciam dar razão ao descrédito da imprensa. No sábado de abertura do campeonato, 25 de agosto de 1984, o Everton estreou sendo goleado pelo Tottenham dentro do Goodison Park por 4 a 1. E dois dias depois sofreria nova derrota na visita ao West Bromwich Albion (2 a 1). No último dia do mês, uma vitória suada por 1 a 0 diante do Chelsea em Stamford Bridge, com a defesa tendo de salvar até uma chance em cima da linha, trouxe certo alívio e recolocou o time no rumo certo.



O mês de setembro seria bem mais favorável, com três vitórias e dois empates, estendendo a série invicta a seis jogos. Curiosamente, o desempenho fora de casa vinha sendo melhor: além do Chelsea, o Everton venceu dois outros times perigosos – o Newcastle (3 a 2) e o Watford (num incrível 5 a 4) – longe de seus domínios, enquanto no Goodison Park derrotou apenas o Coventry (2 a 1), empatando com Ipswich (1 a 1) e Southampton (2 a 2). Mas os resultados já tiravam o time das últimas posições, catapultando-o para o sexto lugar.


Depois de vários passos à frente, um passo atrás: no primeiro jogo de outubro, no dia 6, a equipe foi a Londres e voltou com uma derrota por 1 a 0 frente ao Arsenal, resultado que isolou os Gunners na liderança. Aquela tarde de sábado, porém, marcaria a estreia do último grande reforço dos Toffees para a temporada: o lateral-esquerdo Pat Van Den Hauwe, que se destacara no Birmingham mesmo com o rebaixamento de sua equipe na temporada anterior. Com sua chegada, completava-se o time que se firmaria como o titular.


O TIME-BASE


E, justificando a máxima de que grandes times começam por grandes goleiros, o Everton tinha o galês Neville Southall vestindo a camisa 1. O único a vingar no clube dentre os “Sete Magníficos” trazidos por Kendall em meados de 1981, chegou a deixar brevemente o clube num empréstimo ao Port Vale após os fatídicos 5 a 0 sofridos para o Liverpool no Goodison Park no fim de 1982, mas se firmou logo ao retornar, ao mesmo tempo em que conquistava a titularidade absoluta na seleção galesa, substituindo o veterano (e ex-Everton) Dai Davies.


Embora aparentasse ser um tanto pesadão, Southall tinha incríveis reflexos e elasticidade, além de muita liderança e firmeza. Acumulando defesas tão impressionantes quanto cruciais na caminhada até as conquistas, seria eleito o Jogador do Ano pela Associação de Cronistas Esportivos da Inglaterra ao fim daquela temporada. Naquele momento, já começava a se colocar como um dos melhores da posição no futebol britânico, europeu e mundial. E tinha à sua frente uma defesa dura e eficiente montada na tradicional linha de quatro jogadores.


Pelas laterais, dois jogadores de perfil diferente: Gary Stevens, à direita, destacava-se pelo apoio decidido, ainda que não se descuidasse na defesa. Revelado no clube, firmou-se como titular em meados da temporada 1981-82 e logo chegaria à seleção inglesa. Já pela esquerda, o novo reforço Pat Van Den Hauwe barraria o velho dono da posição, Jim Bailey, logo ao chegar. Nascido na Bélgica e criado em Londres, mas com nacionalidade galesa, era um marcador duro, que logo ganharia da torcida o divertido apelido de “Psycho Pat”.


Na zaga, outros jogadores robustos e vigorosos fechavam o setor. Capitão do time, o galês Kevin Ratcliffe era o jogador com mais tempo de clube no elenco. Revelado na base, subira ao elenco profissional em novembro de 1978, estreando no time de cima em março de 1980. Após ser utilizado nas duas laterais e na zaga, firmou-se no centro da defesa, onde tinha agora a companhia de Derek Mountfield, trazido do Tranmere Rovers para a temporada 1982-83. Arma secreta no jogo aéreo ofensivo, Mountfield fazia o estilo “zagueiro-artilheiro”.


O Everton no álbum de 1984-85: sem Pat Van Den Hauwe (ainda não contratado) e Kevin Sheedy (lesionado na época), mas com os reservas Harper e Richardson, além de Bailey e Heath, titulares só no início da campanha.
O Everton no álbum de 1984-85: sem Pat Van Den Hauwe (ainda não contratado) e Kevin Sheedy (lesionado na época), mas com os reservas Harper e Richardson, além de Bailey e Heath, titulares só no início da campanha.

Também formatado numa linha de quatro jogadores, típica do futebol inglês do período, o meio-campo contava na faixa central com Peter Reid e o recém-contratado Paul Bracewell. O primeiro havia sido trazido do Bolton em dezembro de 1982 por uma barganha, devido ao seu histórico de lesões nos Wanderers. E após amargar quase um ano sendo bem pouco utilizado, tornaria-se uma das peças-chave na guinada do time na temporada 1983-84, com seu estilo combativo e dinâmico, movimentando-se por todo o campo, o motor do time.


Bracewell, por sua vez, tinha estilo mais elegante, com bons lançamentos e visão de jogo, embora também auxiliasse no combate no setor. Revelado pelo Stoke, mas contratado do Sunderland após apenas uma temporada no Roker Park, fazia boa dupla com Reid na distribuição do jogo e em outra característica marcante daquela equipe: a pressão à posse de bola adversária começando já no campo de ataque. Outro nome do setor era o versátil Kevin Richardson, cria da base que podia atuar por dentro ou pelos lados no meio-campo.


Já pelos lados atuavam dois jogadores que não se limitavam à função básica de pontas buscando a linha de fundo. Tanto Trevor Steven pela direita quanto o irlandês Kevin Sheedy pela esquerda gostavam de fechar pela diagonal, ocupando o espaço de ligação entre o meio-campo e o ataque. Dessa forma, os dois também faziam gols em quantidade expressiva: naquela campanha, ambos anotariam mais de uma dezena, contando apenas os jogos da liga, e contribuiriam com muitas assistências (Steven era ótimo nos cruzamentos).


Sheedy, talvez o jogador mais técnico do time, era de fato mais um meia-armador que um ponta e tinha um chute forte e venenoso. Nascido no País de Gales, embora defendesse a seleção da Irlanda, passou quatro anos no Liverpool tendo feito apenas três partidas, antes de cruzar o Stanley Park e vir brilhar com a camisa do Everton. Trevor Steven, por sua vez, despontou como promessa no Burnley, de onde veio antes da temporada 1983-84. Titular mais jovem da equipe, fazia boa dupla pelo flanco direito com o lateral Gary Stevens.


A dupla de frente no início da campanha tinha o centroavante escocês Graeme Sharp, forte, goleador e de grande movimentação, vindo do Dumbarton aos 19 anos em 1980, e o baixinho talentoso Adrian Heath, que podia atuar no meio ou na frente. Revelado pelo Stoke, Heath chegou ao Everton em janeiro de 1982 e logo se firmou, mas sua temporada 1984-85 terminaria precocemente devido à lesão de ligamentos do joelho sofrida contra o Sheffield Wednesday em dezembro de 1984, quando já somava 11 gols em 17 jogos na liga.


A lesão de Heath abriu espaço para a entrada definitiva de Andy Gray entre os titulares. Centroavante lutador, oportunista e carismático, era o jogador mais velho do elenco (faria 29 anos durante a campanha) e o mais experiente. Revelado pelo Dundee United, já havia passado por Aston Villa e Wolverhampton, levantando a Copa da Liga com ambos – pelo primeiro, em 1977, contra o próprio Everton e pelo segundo, em 1980, marcando o gol do título em Wembley. E desde o fim de 1975 defendia regularmente a seleção escocesa.


AS VITÓRIAS MEMORÁVEIS


A derrota para o Arsenal no dia 6 de outubro seria rapidamente esquecida, e o Everton engrenaria outra excelente sequência, subindo degrau por degrau até a liderança. Uma semana após o revés em Highbury, o time venceu o Aston Villa em casa por 2 a 1, iniciando uma estirada de seis vitórias consecutivas. Duas delas, marcantes naquela campanha. E a primeira, contra o Liverpool, a quem os Toffees não venciam pelo campeonato desde 1978, e em Anfield, onde o jejum vinha desde 1970, ano do último título do clube na liga.



A vitória por 1 a 0 na tarde de 20 de outubro viria com um belíssimo gol de Graeme Sharp, que recebeu lançamento de Gary Stevens na intermediária, tomou a frente de Mark Lawrenson e, ainda de fora da área, mandou um chutaço alto que encobriu o goleiro Bruce Grobbelaar. Mas o jogo teve outro lance simbólico: ainda com o placar em branco, o centroavante Ian Rush, que até ali marcara sete gols em seis clássicos contra o Everton, recebeu passe e entrou sozinho na área, mas Southall saiu aos seus pés para neutralizá-lo.


O resultado empurrava o Liverpool, que completava sete partidas sem vencer pela liga, para uma modestíssima e surpreendente 17ª colocação após 11 jogos. Má fase, no entanto, não era o que atravessava o Manchester United, adversário do sábado seguinte no Goodison Park. Os Red Devils sob o comando de Ron Atkinson estavam em terceiro na tabela, com apenas uma derrota e a defesa menos vazada do campeonato até ali. E no caminho haviam trucidado o Newcastle (5 a 0) e o West Ham (5 a 1) em atuações esmagadoras.


Mas quem saiu matando foi o Everton. Logo aos cinco minutos do primeiro tempo, Kevin Sheedy escorou de cabeça um cruzamento da direita sem chance para o goleiro Gary Bailey e abriu a contagem – mas, curiosamente, não pode comemorar por ter se chocado com o zagueiro Kevin Moran no lance. Aos 24, Adrian Heath puxou contra-ataque em velocidade pela esquerda e fez o passe na frente para Sheedy dobrar a vantagem. E antes do intervalo, o próprio Heath aumentou, desviando um cruzamento de Trevor Steven da direita.


Na etapa final, o United tentou a todo custo evitar a goleada e viu o lateral Arthur Albiston salvar em cima da linha uma cabeçada de Heath. Mas nos dez minutos finais, o Everton completou o massacre marcando mais duas vezes. Aos 36, o lateral Gary Stevens recebeu na intermediária, deu um drible seco em Jesper Olsen e chutou de lá mesmo para fazer o quarto. E aos 42, Sharp desviou de cabeça na primeira trave uma falta batida da ponta esquerda para fechar a surra em 5 a 0. Era mais um cartão de visitas do time na temporada.



E justo quando o Everton ganhava moral com as duas excelentes vitórias, o líder Arsenal começava a ratear. No mesmo 27 de outubro da goleada no Goodison Park, os Gunners caíam diante do West Ham em Upton Park por 3 a 1. E no dia 2 de novembro, uma sexta à noite, voltariam a perder, agora para um Manchester United em busca de reabilitação, por 4 a 2 em Old Trafford, em partida transmitida ao vivo pela BBC. No dia seguinte, diante de sua torcida, os Toffees faziam 3 a 0 no Leicester e pulavam para a liderança do campeonato.


SURGE UM NOVO DESAFIANTE


A boa sequência avançaria com a difícil vitória de 1 a 0 sobre o West Ham em Londres e a tranquila goleada de 4 a 0 sobre o Stoke, o sexto triunfo consecutivo. No último jogo de novembro, contudo, o Everton cairia por 4 a 2 na visita ao Norwich. Dali até pouco antes do Natal de 1984, a equipe viveria seu último período de turbulência, com apenas uma vitória em cinco jogos, a lesão de Adrian Heath no 1 a 1 em casa com o Sheffield Wednesday e a derrota por 4 a 3 para o Chelsea, também em casa, que o tiraria por um tempo da liderança.


Por outro lado, a única vitória nessa sequência ruim veio em outra partida marcante da campanha com placar categórico diante de um forte adversário: o Nottingham Forest de Brian Clough, que deixou o Goodison Park atropelado por 5 a 0 em 15 de dezembro. Graeme Sharp abriu e fechou a contagem, que teve ainda Sheedy recebendo de Andy Gray para fazer o segundo, Trevor Steven anotando o terceiro ao escorar um escanteio na segunda trave e Peter Reid marcando o terceiro após tabelinha espetacular com Gray.


Se o Arsenal começaria a murchar a partir do fim de outubro e logo largaria a liderança para descer várias posições na tabela, outro time londrino se prontificaria a fazer frente ao Everton. Depois de perder em casa para o West Bromwich Albion no começo de novembro, o Tottenham atravessaria sua própria (e longa) série invicta no campeonato, permanecendo sem derrota por 14 jogos, até o começo de março de 1985. Nesse período, seria ele o principal concorrente, destronando os Toffees da liderança nas últimas semanas de 1984.


A ascensão dos Spurs a partir de novembro estava amparada em grandes resultados obtidos fora de casa: no caminho até a primeira colocação, o time havia derrotado Nottingham Forest, Ipswich, Watford e Norwich longe de seus domínios e, depois de quatro derrotas em seus seis primeiros jogos como visitante, incrivelmente não voltaria mais a perder nessa condição até o fim da temporada. Líder na virada para 1985, iniciaria o novo ano vencendo – fora de casa, é claro – o Arsenal por 2 a 1 no derby do Norte de Londres.


O Everton também venceria fora de casa seus dois últimos jogos em 1984, batendo o Sunderland por 2 a 1 – com dois gols do zagueiro Mountfield – e o Ipswich por 2 a 0. E se os resultados não seriam suficientes de imediato para recuperar a liderança, iniciariam outra sequência invicta, a maior de todas, superando até a do Tottenham, e que só seria encerrada quando os Toffees já tinham a taça em mãos. Seriam 18 jogos sem derrota, entre o fim de dezembro e meados de maio, com incríveis 16 vitórias e apenas dois empates.


De amarelo, o Everton encara o Queens Park Rangers na grama sintética de Loftus Road, dezembro de 1984.
De amarelo, o Everton encara o Queens Park Rangers na grama sintética de Loftus Road, dezembro de 1984.

Na rodada de 1º de janeiro de 1985, o Everton bateu o Luton por 2 a 1, mas, como o Tottenham levou a melhor em Highbury no mesmo dia, os dois times seguiram empatados, com os Spurs em vantagem no saldo de gols. Por causa dos jogos da FA Cup, a rodada seguinte viria apenas no dia 12, e aí enfim a sorte conspiraria a favor dos Toffees, que golearam o Newcastle por 4 a 0 e comemoraram o empate em 2 a 2 do Tottenham com o Queens Park Rangers em Loftus Road que reconduzia o time de Howard Kendall ao topo.


Os dois só voltariam a atuar pela liga no dia 2 de fevereiro, e o Everton ampliaria um pouco mais sua vantagem ao aplicar mais um 4 a 0, desta vez sobre o Watford, enquanto o Tottenham outra vez empataria em 2 a 2 fora de casa, agora com o Luton. Assim, os Toffes passavam a somar 52 pontos contra 48 dos Spurs (a liga inglesa já atribuía três pontos por vitória desde a temporada 1981-82). No outro jogo pelo campeonato naquele mês, no dia 23, o Everton venceu o Leicester fora de casa por 2 a 1, com dois gols de Andy Gray.


Bastariam, porém, dois empates fora de casa para o Everton voltar a ter o Tottenham bem na cola. Primeiro em Old Trafford, onde os azuis de Merseyside ficaram no 1 a 1 com o Manchester United, com Mountfield outra vez balançando as redes e os goleiros dos dois times pegando um pênalti cada. Duas semanas depois, seria a vez de o placar se repetir na visita ao Villa Park, onde o reserva Kevin Richardson colocou os Toffees na frente, mas um gol de pênalti do zagueiro Allan Evans a oito minutos do fim salvou o Aston Villa da derrota.


Nestas duas rodadas, nos dias 2 e 16 de março, o Tottenham recuperou terreno vencendo por 1 a 0 o Stoke no Victoria Ground e o Liverpool em Anfield – e aqui, quebrando um incrível jejum de exatos 73 anos sem vencer na casa dos Reds. Era, sem dúvida, o tipo de vitória que marca uma campanha vitoriosa. Mas o Everton não estava disposto a ceder a liderança: uma semana depois, os Spurs voltaram a obter excelente resultado ao golearem o Southampton por 5 a 1. Mas os Toffees não fizeram por menos: bateram o Arsenal por 2 a 0.


O Everton começou a vencer a queda de braço no dia 30, ao vencer o Southampton fora de casa por 2 a 1, enquanto o Tottenham caía em White Hart Lane para o Aston Villa por 2 a 0. E o destino do campeonato foi praticamente selado dali a quatro dias, no confronto direto em Londres. O Everton aproveitou duas falhas da defesa para abrir vantagem. Primeiro, Andy Gray emendou um chutaço após bola mal afastada por Paul Miller. E na etapa final, Trevor Steven ganhou o lance de Mark Bowen e driblou até o goleiro Ray Clemence para ampliar.



O Tottenham descontou numa bomba de fora de área do zagueiro Graham Roberts e partiu para o abafa tentando o empate. Mas Southall garantiria a vitória de maneira espetacular ao defender uma cabeçada à queima-roupa do atacante Mark Falco no fim do jogo. O Everton chegava a 66 pontos em 31 jogos, enquanto o Tottenham caía para terceiro com 60 pontos em 32 partidas. O novo vice-líder era o Manchester United, somando 62 pontos, mas com mais jogos disputados – 33 – que os outros dois concorrentes no Top 3 da classificação.


A RETA FINAL


O Everton não perderia um ponto sequer nas próximas sete partidas, alcançando a marca de dez vitórias consecutivas. Ainda naquele mês de abril, faria 4 a 1 no Sunderland, 4 a 1 no West Bromwich Albion, 2 a 0 fora no Stoke e 3 a 0 no Norwich. E no começo de maio seriam mais três vitórias sem sofrer gols – e num intervalo de apenas 48 horas entre cada uma. A começar pelo 1 a 0 na visita ao Sheffield Wednesday, em que Andy Gray marcou o único gol e Southall garantiu o placar com defesas milagrosas frustrando Imre Varadi e Mark Smith.


Dois dias depois, na segunda-feira, 6 de maio de 1985, a vitória por 2 a 0 sobre o Queens Park Rangers no Goodison Park, que confirmaria a conquista do título, viria com um gol em cada tempo. No primeiro, Mountfield mandaria às redes em meio à confusão na área após escanteio. E no segundo, uma cabeçada com estilo de Sharp fecharia a contagem. O time chegava aos 84 pontos em 37 jogos e não poderia mais ser alcançado nem pelo Manchester United (73 em 40 jogos), nem pelo Tottenham (71 em 39), nem por qualquer outra equipe.


Campeão com cinco partidas ainda por fazer e com campanha demolidora como havia sido em 1970, o Everton transformou o jogo seguinte, na quarta-feira, 8 de maio, numa festa de entrega da taça – e a celebração foi completa, com direito a vitória de 3 a 0 sobre o West Ham com dois gols de Mountfield (chegando aos dez na campanha) e um de Gray. Depois da volta olímpica e da farta distribuição de champanhe no vestiário, as atenções se voltariam para outras duas grandes decisões da temporada, que poderia terminar em tríplice coroa.


A volta olímpica diante da torcida em 8 de maio de 1985, com a taça nas mãos de Andy Gray.
A volta olímpica diante da torcida em 8 de maio de 1985, com a taça nas mãos de Andy Gray.

Nos quatro últimos jogos da liga, o Everton perdeu três. Nestes três, todos fora de casa, escalou time misto contra o Nottingham Forest e quase todo reserva contra Coventry e Luton. No único em que se apresentou com um time mais próximo do titular, derrotou o Liverpool pela terceira vez na temporada, desta vez no Goodison Park, por 1 a 0, gol do atacante reserva Paul Wilkinson, trazido do Grimsby no fim de março. Fechou a campanha com incríveis 90 pontos – 13 a mais que Liverpool e Tottenham – e 28 vitórias em 42 jogos.


Outro dado notável é que o Everton venceu pelo menos uma vez todos os 21 oponentes da primeira divisão. E a campanha serviria de trampolim para vários nomes do time em suas seleções nacionais: Gary Stevens, Peter Reid, Trevor Steven e Paul Bracewell ganhariam espaço no escrete inglês (os três primeiros jogariam a Copa de 1986). Pat Van Den Hauwe e Graeme Sharp fariam suas estreias por País de Gales e Escócia, respectivamente – Sharp também iria ao Mundial do México. E Kevin Sheedy se tornaria titular da seleção da Irlanda.


ENTRE ALEGRIAS E TRISTEZAS


No meio disso, o clube alcançou as finais da Recopa europeia e da FA Cup. No torneio continental, a caminhada havia começado com uma classificação apertada – 0 a 0 fora e 1 a 0 em casa – diante dos amadores irlandeses do University College Dublin e outra mais folgada sobre a Inter Bratislava, da Tchecoslováquia, derrotada por 1 a 0 em Bratislava e 3 a 0 no Goodison Park. Nas quartas, os holandeses do Fortuna Sittard também foram batidos duas vezes: 3 a 0 na ida, com direito a hat-trick de Andy Gray, e 2 a 0 na volta em Sittard.


O grande duelo da campanha viria nas semifinais, diante do poderoso Bayern de Munique, que naquela temporada iniciaria seu segundo tricampeonato da Bundesliga. Mesclando nomes de seleção da Alemanha Ocidental, como o meia Lothar Matthäus e o defensor Klaus Augenthaler com astros internacionais, como o dinamarquês Soren Lerby e o goleirão belga Jean-Marie Pfaff, os bávaros haviam chegado ali eliminando a Roma de Falcão e Cerezo na fase anterior, mas foram parados pelo Everton na ida com um 0 a 0 no Olympiastadion.


A volta seria um épico, uma das partidas mais memoráveis da história do Goodison Park. O estádio pulsava e a torcida fazia um barulho ensurdecedor num jogo quente, com disputas ríspidas dos dois lados. O Everton dominava, mas o Bayern, que jogava por um empate com gols, saiu na frente aos 37 minutos com Dieter Hoeness e saiu para o intervalo em vantagem. Ciente de que seu time jogava melhor, Howard Kendall dava a dica: “Coloquem a bola na área, que a Gwladys Street (setor de arquibancadas do estádio) puxa para dentro”.



E foi mais ou menos o que aconteceu: logo aos dois minutos da etapa final, Gary Stevens bateu lateral para a área, Andy Gray desviou de cabeça e Graeme Sharp, também pelo alto, tirou a bola do alcance de Pfaff. O gol da virada, aos 27 minutos, seria semelhante: bola levantada para a área em lateral, quase na linha de fundo, e Pfaff tentou sair para socar, mas não achou nada. E Gray só teve o trabalho de escorar da pequena área para o fundo das redes. Se o primeiro gol já reacendera a torcida, o segundo colocava o estádio em ebulição.

 

Com o Bayern se lançando à frente em busca do empate, o Everton aproveitou a brecha para resolver o jogo marcando o terceiro gol aos 41 minutos. A jogada começou com uma bola recuperada por Bracewell no campo de defesa, perto da lateral, e chegou a Sheedy. O meia irlandês fez belíssimo passe à frente para Andy Gray, que viu Trevor Steven correr sozinho por dentro, pedindo jogo, e atravessou a bola para o camisa 7. Da meia-lua partiu o toque sutil por cima de Pfaff, que já deixara a pequena área. Everton 3 a 1, Toffees na final.


Depois da classificação épica sobre o Bayern, a decisão contra o Rapid Viena em Roterdã daria a sensação de que o mais difícil já havia ficado para trás. Após um primeiro tempo com placar em branco, o Everton abriu dois gols de vantagem na etapa final com Andy Gray aos 12 e Trevor Steven aos 27 minutos. Viu os austríacos descontarem aos 38 com o veterano Hans Krankl. Mas, três minutos mais tarde, tratou de ratificar a conquista de seu primeiro – e ainda hoje único – caneco europeu com Kevin Sheedy fechando o placar em 3 a 1.


A tríplice coroa, porém, acabaria não se completando. Esgotado pela maratona de jogos, o Everton perderia a chance de levantar o terceiro título grande na temporada – e o bi da FA Cup – ao sucumbir diante do Manchester United na decisão da copa em Wembley, apenas três dias depois da conquista europeia em Roterdã. Apesar de ter um jogador a mais por boa parte da final, graças à expulsão do zagueiro Kevin Moran, do United, o Everton não teve pernas. Um gol de Norman Whiteside na prorrogação deu a taça aos Red Devils.


O time posa com a taça da Recopa após a conquista em Roterdã, 15 de maio de 1985.
O time posa com a taça da Recopa após a conquista em Roterdã, 15 de maio de 1985.

Mas tristeza bem maior para o Everton foi ver sua campanha mágica ser ao menos parcialmente eclipsada por uma sucessão de incidentes extracampo no futebol inglês ao longo da temporada. Vivia-se o auge do hooliganismo, em meio a uma estrutura sucateada do jogo. Em março de 1985, torcedores do Millwall provocaram enorme tumulto no estádio do Luton, em Kenilworth Road, num jogo das quartas de final da FA Cup, depredando assentos das arquibancadas, invadindo o gramado e entrando em choque com policiais.


Em 11 de maio, simultaneamente, dois graves incidentes levaram torcedores à morte em Bradford e em Birmingham. No Valley Parade, enquanto os torcedores do Bradford City comemoravam o acesso à segunda divisão, um incêndio causado provavelmente por uma bituca de cigarro ou um fósforo aceso que caiu por baixo das arquibancadas de madeira em meio ao lixo acumulado por ali destruiu parte do estádio e matou 56 torcedores, que não conseguiram escapar das chamas, numa das maiores tragédias do esporte no país.


E em Birmingham, hooligans de uma torcida organizada do Leeds entraram em confronto com torcedores do Birmingham durante a partida pela última rodada da segunda divisão, depredando o estádio de St. Andrew’s e deixando centenas de torcedores e 96 policiais feridos. No tumulto, um muro lateral do estádio desabou, soterrando e matando um torcedor de 15 anos de idade do próprio Leeds. Tudo isso, no entanto, seria apenas o preâmbulo para a tragédia maior, que viria a acontecer além das ilhas britânicas.


Na final da Copa dos Campeões, no estádio de Heysel (Bruxelas) em 29 de maio, antes mesmo do pontapé inicial, torcedores do Liverpool saíram de seu setor e investiram contra os da Juventus, que estavam numa área neutra e correram para outro canto da arquibancada, tentando se salvar. Entretanto, o muro lateral das arquibancadas acabou cedendo, e os torcedores italianos foram caindo uns por cima dos outros, os de cima esmagando os de baixo, deixando um saldo de 39 mortos, além de inúmeros feridos.


Para a Uefa, foi a gota d’água, após mais de uma década tendo problemas com torcedores britânicos em jogos pelo continente. Rapidamente, a entidade baixou uma suspensão aos clubes ingleses das competições continentais por tempo indeterminado – medida que ceifou as chances de aquele time histórico do Everton ampliar seu sucesso europeu, estendendo-o, por exemplo, à Copa dos Campeões, que o clube disputaria na temporada 1985-86, mas acabaria excluído. Um gosto amargo que nunca foi superado pelos Toffees.

 
 
 

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