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Perdido no tempo: o primeiro título inglês do Chelsea, há 70 anos

  • Foto do escritor: Emmanuel do Valle
    Emmanuel do Valle
  • 13 de mai.
  • 19 min de leitura

Uma formação do Chelsea da segunda metade do campeonato de 1954-55. Em pé: Armstrong, Sillett, Thomson, Willemse, Wicks e Saunders. Sentados: Parsons, McNichol, Bentley, Stubbs e Lewis.
Uma formação do Chelsea da segunda metade do campeonato de 1954-55. Em pé: Armstrong, Sillett, Thomson, Willemse, Wicks e Saunders. Sentados: Parsons, McNichol, Bentley, Stubbs e Lewis.

Fundado em março de 1905, o Chelsea só se tornou um time habitualmente vencedor da liga inglesa após completar seu primeiro século de existência. Cinco de seus seis títulos do campeonato foram levantados a partir de 2005, já no período em que o magnata russo Roman Abramovich havia se tornado proprietário do clube. Contudo, bem no meio desse longo caminho entre o nascimento e a grande era vitoriosa houve outra conquista, isolada no século, quase tão esquecida hoje quanto foi inesperada na época, em que o Chelsea derrubou os favoritos e contrariou seu discreto histórico na competição até ali. No dia 23 de abril de 1955, os Blues conquistavam o título inglês pela primeira vez - mas não pela única.


O PRIMEIRO MEIO SÉCULO


O próprio surgimento do Chelsea Football Club aconteceu de maneira um tanto atípica e inusitada para os padrões do futebol inglês: antes do clube havia o estádio de Stamford Bridge, dedicado então ao atletismo e adquirido em 1896 pelo empresário Henry Augusto “Gus” Mears e por seu irmão Joseph “Joe” Mears para passar a abrigar grandes partidas de futebol. Ao tomarem posse do terreno, em 1904, os irmãos tentaram persuadir o vizinho Fulham, então já alojado em Craven Cottage (onde se encontra sua sede até hoje), a se mudar para o novo campo de jogo, mas a proposta acabou gentilmente recusada.


Diante da negativa, os Mears decidiram-se por fundar seu próprio clube, para o qual escolheram o nome de Chelsea Football Club – embora o campo estivesse localizado na região de Fulham. A nomenclatura adotada remetia ao bairro vizinho na Zona Oeste de Londres, ao qual o estádio ficava quase colado e que já formava, junto com Kensington (que, aliás, também foi considerado para batizar o clube), uma das regiões mais ricas e sofisticadas da capital britânica, inclusive abrigando muitos artistas renomados.


O novo clube logo filiou-se à Football League, entrando no campeonato da segunda divisão na temporada 1905-06, e rapidamente angariou um público expressivo e bastante presente. Além disso, podia valer-se de um ótimo status financeiro para poder contratar jogadores famosos da época – caso dos atacantes escoceses Andy Wilson (Middlesbrough) em 1923 e Hughie Gallacher (Newcastle) em 1930, além de Tommy Lawton, antigo garoto-prodígio do Everton, em 1945. No entanto, quase nada disso se refletia em resultados.


Em meados de 1954, às portas de completar seu cinquentenário, o Chelsea ainda não havia levantado nenhum título. Em 38 temporadas na Football League, havia passado por três acessos e dois descensos – sem contar o rebaixamento cancelado em 1915 quando o futebol foi suspenso pela Primeira Guerra Mundial, e a liga só retornou quatro anos depois, ampliada de 20 para 22 clubes. Em suas 28 participações na elite, ficara acima do décimo lugar só cinco vezes, tendo um terceiro lugar no longínquo 1920 como melhor resultado.


Na FA Cup o desempenho era um pouco melhor, mas ainda modesto: o Chelsea chegou à final em 1915, mas foi categoricamente batido pelo Sheffield United por 3 a 0. Também alcançou as semifinais em outras cinco ocasiões, sendo eliminado pelo Newcastle em 1911 e 1932, pelo Arsenal em 1950 e 1952 e pelo Aston Villa em 1920. A seca de títulos já virara piada até numa canção do popular comediante Norman Long, “On The Day That Chelsea Went And Won The Cup” (“No dia em que o Chelsea ganhou a taça”), lançada em 1933.


A década de 1950 começou com o clube escapando por muito pouco do rebaixamento para a segunda divisão na temporada 1950-51 graças ao desempate pelo goal average (divisão dos gols marcados pelos sofridos). Muito pouco mesmo: o quociente dos londrinos ao fim do campeonato superava o do Sheffield Wednesday por ínfimos 0,04. E ao fim da campanha seguinte, quando novamente o Chelsea fez apenas o suficiente para não ser rebaixado e ficou em 19º, o técnico escocês Billy Birrell, no cargo desde 1939, resolveu se aposentar.


Birrell daria lugar a Ted Drake, antigo ídolo e goleador do Arsenal e da seleção inglesa nos anos 1930, duas vezes campeão inglês (1935 e 1938) e uma vez da copa (1936) com os Gunners, além de artilheiro da primeira divisão com 42 gols em 1934-35. Drake pendurou as chuteiras em Highbury logo após a Segunda Guerra Mundial e foi comandar o Hendon, da non-league, antes de passar ao Reading, da terceira divisão, onde bateu na trave pelo acesso por duas vezes. Mas seu bom trabalho não escapou do olhar atento do Chelsea.


O novo técnico viria chacoalhar o clube até nos detalhes. “Eu sei que há algo errado aqui e estou determinado a descobrir o que é”, disse Drake ao chegar. O escudo do Chelsea, por exemplo, era algo a ser modificado com urgência, de acordo com ele: mantido desde a fundação, trazia o desenho de um Pensioner, veterano das Forças Armadas britânicas. Era uma homenagem ao Royal Hospital Chelsea, casa de repouso de oficiais aposentados localizada no bairro, e que também rendera ao clube seu apelido de então: os Pensioners.


O antigo escudo do Chelsea, com o Pensioner.
O antigo escudo do Chelsea, com o Pensioner.

Porém, o tributo já havia se voltado contra o time: há tempos corria a piada de que os atletas do Chelsea, além de serem chamados de Pensioners (aposentados), também jogavam como aposentados. Sabendo disso, Drake rapidamente tratou de providenciar um escudo de transição, com as iniciais do clube entrelaçadas, utilizado na temporada 1952-53, enquanto encomendava um novo emblema, trazendo um leão segurando um cajado, base do que viria a ser dali por diante – além de dar ao clube uma nova mascote.


Em sua primeira temporada no comando, Ted Drake ainda não conseguiu elevar o Chelsea de patamar: os (agora) Blues terminaram numa bem modesta 19ª colocação, apenas um ponto acima da zona de rebaixamento, escapando da degola no último jogo ao vencer um já salvo Manchester City em Stamford Bridge por 3 a 1. Metade do time-base foi reformulado para a campanha seguinte, em 1953-54, e o salto já foi bastante considerável: o Chelsea pulou para a oitava colocação – a melhor do clube na primeira divisão desde 1936.


O TIME-BASE


Julgando estar no caminho certo, faltando somente acertar detalhes para cumprir uma campanha ainda melhor na temporada seguinte, Ted Drake praticamente não mexeu no elenco nem no time-base, ao menos de início. O grupo principal de jogadores começava por dois goleiros escoceses: o titular, Bill Robertson, que chegara ao clube aos 17 anos em 1946, e seu reserva Charlie “Chic” Thomson, vindo do Clyde em 1952, e que assumiria a meta com a lesão de Robertson em janeiro, pouco depois da metade da campanha.


Já o posicionamento dos jogadores de linha se aferrava ao WM, esquema dominante no futebol inglês desde os anos 1930 e perfeitamente simétrico, com três defensores (dois zagueiros de lado e um central), dois médios defensivos, dois meias – ou “interiores” – ofensivos e três atacantes (dois pontas e um centroavante). Ocasionalmente, no entanto, era possível ter um dos médios mais recuado em relação ao outro, assim como um dos meias poderia ter mais presença de área, atuando mais próximo ao centroavante.


Naquele Chelsea, os dois zagueiros de lado titulares eram marcadores duros: o escocês John Harris, 37 anos, o mais veterano do elenco (chegara ao fim da Guerra) e antigo médio recuado para a posição, e Stan Willemse, vindo do Brighton e apelidado “Tanque”. Mas outro nome era utilizado com frequência: Peter Sillett, 21 anos ao início da campanha, e que tinha exatamente a juventude como trunfo para enfrentar pontas mais velozes. E além de tudo era ótimo batedor de pênaltis, o cobrador do time sempre que estava em campo.


No centro da zaga, por sua vez, de início jogava o experiente e vigoroso Ron Greenwood, ex-Brentford, 32 anos quando da largada do campeonato. Mas após participar de 21 jogos, metade exata da campanha, ele foi sacado do time para a entrada de Stan Wicks, reforço para aquela temporada vindo do Reading e que fez a defesa ganhar em estatura. Greenwood, mais tarde, viria a se tornar técnico histórico do West Ham entre 1961 e 1974 e da própria seleção inglesa, entre 1977 e 1982, incluindo a Copa do Mundo da Espanha.


À frente da defesa, a dupla de médios – Ken Armstrong mais à direita e Derek Saunders mais pela esquerda – tinha estilos complementares: Armstrong era o organizador, Saunders era o dínamo, correndo o campo todo. O primeiro havia aportado no clube ao fim da Guerra e atuaria mais de 400 vezes pelos Blues antes de emigrar para a Nova Zelândia em 1957. Foi ainda o único nome do Chelsea na lista final de convocados da Inglaterra para a Copa de 1954, mas acabou sendo um dos cinco reservas a não viajarem para a Suíça.


Saunders, por sua vez, chegou a Stamford Bridge logo depois de ter capitaneado o pequeno Walthamstow Avenue na surpreendente campanha do clube da non-league na FA Cup em 1952-53, quando a (hoje extinta) equipe da Zona Leste londrina deixou pelo caminho Wimbledon, Watford e Stockport, caindo somente diante do Manchester United na quarta fase (equivalente aos 32-avos de final), mas não sem antes levar os Red Devils a um replay em Highbury após ter arrancado um empate em 1 a 1 dentro de Old Trafford.


Mais adiante, a dupla de armadores contava, pela direita, com o escocês Johnny McNichol, primeira contratação de Ted Drake para o Chelsea, trazido do Brighton em 1952, e que terminaria a campanha vitoriosa como vice-artilheiro do time na liga com 14 gols. E pela esquerda, com Les Stubbs, vindo do Southend, também em 1952. No meio da temporada, o elenco também contou, nesta posição, com uma figura curiosa: Seamus O’Connell, jogador amador que dividia seu tempo entre o futebol e a criação de gado no norte do país.


Na ponta-direita, o titular era Eric Parsons, apelidado “Coelho” por sua velocidade, cuja carreira profissional iniciou tarde, em 1947, aos 24 anos, ao assinar com o West Ham após ter servido no exército britânico na Segunda Guerra. Três anos depois, em novembro de 1950, ele se juntaria ao Chelsea. Já na esquerda jogava o novato do time, Frank Blunstone, 19 anos ao início da campanha e que logo chegaria à seleção. No Chelsea, porém, teve uma sombra: o também amador Jim Lewis, que tirava seu sustento vendendo garrafas térmicas.


Roy Bentley: craque, líder, capitão e artilheiro do Chelsea nos anos 1950.
Roy Bentley: craque, líder, capitão e artilheiro do Chelsea nos anos 1950.

Por fim, o capitão e grande astro do time era o centroavante Roy Bentley. Trazido do Newcastle, onde integrou um ataque fortíssimo, para o lugar de Tommy Lawton em 1948, ele reembolsou cada centavo das 11 mil libras pagas por sua contratação tornando-se o artilheiro da equipe em cada uma das oito temporadas que disputou pelos Blues. Líder do elenco, era também um homem de seleção: foi o primeiro jogador do Chelsea a jogar uma Copa do Mundo, em 1950, fazendo 12 jogos e nove gols pela Inglaterra entre 1949 e 1955.


COMEÇO IRREGULAR


E seria o próprio Bentley o autor do primeiro gol do Chelsea na campanha, empatando de cabeça em 1 a 1 a partida contra o recém-promovido Leicester em Filbert Street no dia 21 de agosto de 1954. Nos dois jogos seguintes, o time se aproveitaria de atuar em casa para vencer e se colocar entre os primeiros colocados na tabela: dois dias depois da estreia, um gol de Eric Parsons daria decretaria o 1 a 0 sobre o Burnley e, no sábado seguinte, os Blues conseguiriam uma grande virada diante do Bolton, saindo de um 0 a 2 para vencer por 3 a 2.


No último dia do mês, o Chelsea voltou a enfrentar o Burnley (na época era comum que partidas de ida e volta pela liga fossem marcadas para rodadas próximas), desta vez em Turf Moor, e saiu de lá com um bom empate em 1 a 1 e a segunda colocação no campeonato, aproveitando-se de um tropeço do Portsmouth e de o Sunderland não ter jogado naquela rodada. Os londrinos fechavam o primeiro mês da liga com os mesmos seis pontos do líder Everton, mas atrás no critério do goal average (divisão dos gols marcados pelos sofridos).


Setembro, por outro lado, começaria a afastar o Chelsea das primeiras colocações em vista dos resultados irregulares obtidos pelos Blues. Curiosamente, o desempenho fora de casa foi melhor que o dentro de Stamford Bridge. No dia 4, por exemplo, o time recebeu o Cardiff, que ocupava o modesto 19º lugar na tabela, e o enredo foi o oposto do que se viu em Burnley, quatro dias antes: o Chelsea saiu atrás dos galeses e só escapou da derrota graças a um gol do ponta Jim Lewis a oito minutos do fim, definindo o resultado de 1 a 1.


Outros bons exemplos foram os confrontos com o Preston, ainda naquele mês: em casa, no dia 6, o Chelsea perdeu por 1 a 0. Já em Deepdale, no dia 15, venceu por 2 a 1 – e no meio dos dois duelos, arrancou um bom empate em 1 a 1 com o Manchester City em Maine Road. O restante do mês seguiu o mesmo roteiro: derrota em casa para o Everton (0 a 2, no dia 18) e vitórias como visitante diante do Sheffield United (2 a 1, no dia 20) e do Newcastle (3 a 1, no dia 25, com os Blues abrindo três gols de vantagem em apenas 17 minutos).


Irregular em setembro, o Chelsea se afundou de vez em outubro, o pior mês daquela campanha. Já de saída, o time de Ted Drake recebeu o líder West Bromwich Albion, vice-campeão da liga na temporada anterior, e chegou a estar na frente por 1 a 0 e, na metade do segundo tempo, por 3 a 1 em atuação encorajadora. Mas acabou cedendo o empate em dois gols quase seguidos, aos 35 e 37 minutos da etapa final. Talvez abatido pelo grande resultado que deixou escapar, o Chelsea perderia todos os outros quatro jogos do mês.


O primeiro revés aconteceu diante do Huddersfield em Leeds Road: 1 a 0. Mais para o fim do mês, o Chelsea cairia diante do Blackpool fora de casa (1 a 0) e do Charlton em seus domínios (2 a 1). Mas a partida mais impressionante viria contra o Manchester United de Matt Busby em Stamford Bridge no dia 16, a segunda da sequência. Os Red Devils saíram na frente, o Chelsea empatou com gol do estreante Seamus O’Connell e virou para 2 a 1 com Jim Lewis, mas os visitantes foram para o intervalo de novo na frente por 3 a 2.


Na etapa final, o United – que já reunia no time alguns dos garotos futuramente conhecidos como Busby Babes, entre eles o lendário médio Duncan Edwards – chegou a abrir um escandaloso 6 a 3, com Dennis Viollet completando sua tripleta ao anotar o quinto dos Red Devils. O Chelsea, por sua vez, ensaiou a reação: O’Connell marcou mais dois, perfazendo seu próprio hat-trick, mas não conseguiu evitar a derrota pelo incrível placar de 6 a 5, resultado que alçou o time de Matt Busby à liderança isolada, destronando o Sunderland.


O amador Seamus O'Connell: meia-esquerda do Chelsea e criador de gado.
O amador Seamus O'Connell: meia-esquerda do Chelsea e criador de gado.

Foram jogos como este que fizeram o público e a imprensa cunharem outro apelido para o clube, que pegaria por certo tempo: “The Unpredictables”, ou “Os Imprevisíveis”. E se outubro havia sido o mês em que o time pareceu dar sinais de que sua briga era na parte de baixo da tabela (ainda que, mesmo com a série de derrotas, o Chelsea não tenha descido abaixo da 12ª colocação), nada mais imprevisível do que sair dali arrancando outra vez para as primeiras posições, talvez até disputar o título. E novembro seria o ponto da virada.


Seriam quatro jogos naquele mês, com dois bons empates fora de casa e duas importantes vitórias dentro do Stamford Bridge. No dia 6, o Chelsea foi ao nordeste e obteve um ótimo 3 a 3 contra o vice-líder Sunderland. Uma semana depois, encerrou o jejum de vitórias batendo o Tottenham por 2 a 1 em casa. No dia 20, na visita ao Sheffield Wednesday, um gol de Johnny McNichol a oito minutos do fim garantiu ponto valioso no empate em 1 a 1. E no dia 27, os londrinos golearam por 4 a 1 o Portsmouth, quarto colocado na classificação.


A GRANDE VITÓRIA DA CAMPANHA


O primeiro adversário de dezembro seria nada menos que o Wolverhampton no Molineux. A equipe do técnico Stan Cullis dividiu a hegemonia do futebol inglês nos anos 1950 com o Manchester United de Matt Busby e vinha ainda obtendo ótimos resultados em amistosos internacionais em seu estádio: em março daquele ano, derrotara o Racing argentino por 3 a 1. Em outubro, fizera 10 a 0 no Maccabi Tel Aviv. Em novembro, 4 a 0 no Spartak Moscou. E nove dias após jogo contra o Chelsea, derrotaria o Honvéd de Ferenc Puskás por 3 a 2.


Atual campeão da liga, o time liderado pelo centromédio Billy Wright (capitão da seleção inglesa) oscilou no começo da campanha de defesa de seu título, mas após engrenar uma série invicta de nove partidas, já ocupava de novo o topo da tabela antes de receber o Chelsea em 4 de dezembro. Mas os visitantes não se intimidaram e abriram o placar com McNichol encobrindo o goleiro Bert Williams aos 15 minutos. Logo em seguida, no entanto, o habilidoso Peter Broadbent empatou para os Wolves, e assim o jogo foi para o intervalo.


No início da etapa final, Bentley recolocou o Chelsea na frente, mas os Wolves tornaram a empatar com Roy Swinbourne e viraram a cinco minutos do fim em pênalti muito contestado pelos jogadores dos Blues e convertido pelo ponta Johnny Hancocks. A vitória do time da casa parecia assegurada. Mas só parecia. Um minuto depois, Parsons desceu pela direita e cruzou para Stubbs empatar. E outro minuto se passou quando Bentley recebeu passe, driblou Bill Slater e Billy Wright e bateu para decretar a virada relâmpago do Chelsea: 4 a 3.


Aquela seria a vitória mais marcante da campanha em vista do oponente, da posição que ocupava e do local do jogo. Era o empurrão que o Chelsea necessitava para voltar a brigar na parte de cima da tabela e ganhar o respeito dos adversários e da imprensa. Uma crônica de jornal chegou a comentar: “Talvez agora os comediantes joguem fora seus surrados livros de piadas e percebam que este novo Chelsea, impulsionado pelo espírito de luta de pontas como Blunstone e Parsons e de defensores como Saunders e Harris, é um grande time”.


O técnico Ted Drake: um antigo ídolo do Arsenal conduzindo o Chelsea ao título inédito.
O técnico Ted Drake: um antigo ídolo do Arsenal conduzindo o Chelsea ao título inédito.

Os Blues obtiveram duas vitórias categóricas na sequência, ambas em casa: 4 a 0 no Aston Villa e 3 a 1 no Leicester – com direito a pênalti perdido por Bentley. E chegaram à rodada de Natal, no dia 25, ocupando a quarta posição. O Arsenal, contudo, colocou-se como uma pedra no sapato dos Blues: venceu o jogo em Highbury por 1 a 0 (gol do ex-Chelsea Tommy Lawton) e, dois dias depois em Stamford Bridge, saiu na frente logo aos oito minutos. Na segunda etapa, Bentley perdeu outro pênalti, mas O’Connell garantiu o 1 a 1 quase no fim.


O campeonato se despediu do ano de 1954 num cenário de grande equilíbrio: apenas três pontos separavam o novo ponteiro Sunderland (30) do nono colocado Manchester City (27). Em quinto, o Chelsea estava no bolo com os mesmos 28 pontos de outras quatro equipes, mas com um jogo a mais em relação a todo aquele bloco de cima. E já no dia 1º de janeiro de 1955 haveria rodada completa, com os Blues visitando um combalido Bolton, vindo de quatro derrotas, e ajudando a agravar a crise no adversário com uma goleada de 5 a 2.


O Chelsea ainda retrocederia um pouco na classificação depois de perder em casa para o Manchester City por 2 a 0 em sua outra partida da liga disputada no mês de janeiro. Mas logo retomaria sua marcha: nos dez jogos seguintes, até o início de abril, seriam sete vitórias e apenas uma derrota – o que faria muita diferença num campeonato em que ninguém conseguia se descolar no topo da tabela, nem mesmo o favorito Wolverhampton. Seria essa arrancada numa fase decisiva do campeonato que levaria enfim os Blues à liderança.


Em fevereiro, o time de Ted Drake arrancaria no fim o 1 a 1 com o Everton no Goodison Park, derrotaria o Newcastle em casa por 4 a 3 (num jogo em que chegou a abrir 4 a 0 na metade do segundo tempo) e golearia o Huddersfield por 4 a 1, também em Stamford Bridge. Bentley marcou nos três jogos, e os Blues terminaram o mês na terceira colocação. E a derrota por 3 a 2 na visita ao Aston Villa, na tarde de 5 de março, seria a última antes da confirmação matemática do título, com o Chelsea seguindo sua arrancada dali em diante.


LÍDER PELA PRIMEIRA VEZ


No meio da semana, o time foi a West Bromwich e esteve perdendo por 2 a 0 até os 20 minutos da etapa final. Mas virou de maneira espetacular: Saunders descontou num chutaço de fora da área e, nos dez minutos derradeiros, o lateral Sillett marcou de falta e de pênalti, antes de Bentley fechar a contagem em 4 a 2 numa arrancada de um campo ao outro. No sábado, o time parou no 0 a 0 em casa com o Blackpool, mas após bater como visitante o Charlton (2 a 0) e o Cardiff (1 a 0), pularia para a liderança suplantando o Wolverhampton.


O amador O’Connell teve participação decisiva nos dois jogos cruciais: contra o Charlton, fez o passe para Blunstone abrir o placar e marcou ele próprio o segundo gol após uma saída errada da defesa dos Addicks. Já no País de Gales contra o Cardiff, ele anotou o único gol, pouco antes do intervalo, completando uma combinação entre Bentley, Blunstone e McNichol. Naquele 23 de março, o Chelsea enfim alcançava a liderança do campeonato da primeira divisão não só pela primeira vez na temporada como em toda a sua história.

 

Com dois ou três jogos a mais que os principais perseguidores, porém, o Chelsea precisaria levar essa liderança na ponta dos dedos. Por sorte, a maior ameaça – o Wolverhampton – entrou numa fase de tropeços seguidos. Na virada de março para abril, os Blues derrotaram o Sunderland em casa (2 a 1) e passaram pelo Tottenham em White Hart Lane num jogo em que estiveram duas vezes atrás no placar, mas acabaram vencendo por 4 a 2. Com isso, apesar de terem dois jogos a mais, conseguiram abrir quatro pontos de frente.


Chelsea x Wolves, 9 de abril: Billy Wright observa a disputa de Johnny McNichol com o goleiro Bert Williams.
Chelsea x Wolves, 9 de abril: Billy Wright observa a disputa de Johnny McNichol com o goleiro Bert Williams.

Um obstáculo, porém, seriam as duas partidas que o Chelsea teria de fazer num exíguo intervalo de 24 horas. Na Sexta-Feira Santa, 8 de abril, o time receberia o Sheffield United. E no sábado, faria o confronto direto com os Wolves, também em Stamford Bridge. O primeiro dos dois jogos serviria para ligar o alerta: os Blues saíram atrás no primeiro tempo e só conseguiram o empate em 1 a 1 com o ponta Parsons aos 30 minutos da etapa final. Um tropeço inesperado que só fazia aumentar a pressão para o duelo crucial do dia seguinte.


Nervosa, com os dois times hesitando muito no ataque, a partida contra o Wolverhampton seria decidida aos 29 minutos do segundo tempo. O goleiro Bert Williams cortou um cruzamento para a área dos Wolves, mas O’Connell pegou o rebote e chutou para o gol. Sobre a linha, num esforço desesperado, Billy Wright mergulhou e tirou o chute com a mão. Pênalti marcado, apreensão em Stamford Bridge. Até Peter Sillett, com categoria, converter a cobrança e dar a vitória por 1 a 0. O título ficava cada vez mais próximo para os Blues.


E ficaria mais ainda três dias depois, quando, em jogo isolado, o Wolverhampton perdeu na visita ao Aston Villa por 4 a 2. Com esse resultado, o time de Stan Cullis ainda tinha um jogo a menos, mas já ficava cinco pontos atrás do Chelsea. Os londrinos, por sua vez, teriam outro compromisso importante no fim de semana contra o Portsmouth, terceiro colocado, mas em situação de tabela até melhor que a do Wolves. Diante disso, o 0 a 0 em Fratton Park no sábado, 16 de abril, foi outro resultado muito comemorado pelo time de Ted Drake.


O JOGO DO TÍTULO


Antes da rodada de 23 de abril, o penúltimo sábado da temporada, a situação era a seguinte: líder com 50 pontos e dois jogos por fazer, o Chelsea só poderia ser alcançado por outras três equipes: o Wolverhampton e o Manchester City, ambos com 46 pontos e dois jogos por fazer, só poderiam tentar superar os londrinos no goal average. Enquanto isso o Portsmouth, vindo logo atrás na quarta colocação, somava 44 pontos, mas ainda faria quatro partidas e era, portanto, o único daquele trio que poderia superar a pontuação do Chelsea.


Stamford Bridge recebeu o maior público da rodada na primeira divisão – 51.421 torcedores – para apoiar o Chelsea contra o já rebaixado Sheffield Wednesday. Uma vitória garantiria o título em caso de tropeço do Portsmouth, que pegaria o Cardiff no País de Gales. Mas até um empate poderia ser o bastante se o Pompey perdesse no Ninian Park. Manchester City e Wolverhampton, por sua vez, não poderiam fazer outra coisa que não depositarem todas as suas esperanças numa derrota surpreendente dos londrinos em casa para o lanterna.


Mas o Chelsea sequer hesitou: abriu o placar com Parsons escorando centro de Blunstone aos 23 minutos e completou a vitória por 3 a 0 na etapa final com Sillett convertendo mais um pênalti e Parsons anotando seu segundo no jogo quando o Sheffield Wednesday já contava com um jogador de linha – o zagueiro-esquerdo Norman Curtis – na meta no lugar do lesionado goleiro Dave McIntosh. No fim, a notícia de que o Portsmouth havia ficado no 1 a 1 com o Cardiff desatou de vez a comemoração da torcida em Stamford Bridge.



Os jornais exaltaram o momento histórico, daqueles que os que viveram contariam a seus netos dali a muitos anos. E a primeira conquista da história do clube se tornava ainda mais especial por ter sido celebrada em meio ao Jubileu de Ouro, o cinquentenário do Chelsea. E enquanto lembravam a reação fantástica da equipe após seu pior momento, em outubro, ainda fizeram questão de ressaltar que, com aquela grande conquista, os Blues se tornavam enfim um clube a ser levado a sério – “a comédia acabou”, decretou um diário londrino.


No último jogo da campanha, uma semana depois do título assegurado, o Chelsea perdeu para o Manchester United por 2 a 1 em Old Trafford num jogo em que até foi buscar o empate no fim, mas levou o segundo gol pouco depois. Mas não importava mais. No cômputo final, a equipe terminava com 52 pontos, quatro à frente de Wolves, Portsmouth e Sunderland. Foram 20 vitórias (o time que mais venceu naquele campeonato), 12 empates e 10 derrotas, 81 gols marcados (quinto melhor ataque) e 57 sofridos (terceira melhor defesa).


A pontuação final era um tanto baixa: naquele formato de liga com 22 clubes na primeira divisão e dois pontos por vitória, vigente de 1919-20 a 1980-81, foi a menor de um campeão, empatada com a do (Sheffield) Wednesday em 1928-29 e a do Arsenal em 1937-38. Por outro lado, chamava a atenção o ótimo desempenho como visitante naquela temporada: o Chelsea era um dos únicos times a terem mais vitórias (nove) que derrotas (cinco) fora de casa – o outro era o Aston Villa, com só um triunfo a mais que os revezes (nove contra oito).


DESILUSÃO EUROPEIA E DECLÍNIO


Na qualidade de campeão inglês, o Chelsea foi convidado pela recém-criada Uefa para participar de seu primeiro torneio de clubes, a Copa dos Campeões Europeus, a ser iniciado na temporada seguinte. Havia, porém, uma exigência feita pela entidade: a participação de cada clube deveria ser referendada pelas associações locais. O Chelsea levou o caso à Football League, que, refletindo a insularidade típica do futebol inglês da época, pediu que os Blues reconsiderassem, alegando que os jogos a mais poderiam "inchar" o calendário.


Reunido no Great Western Hotel, em Paddington, Londres, em 5 de julho de 1955, o Comitê de Gestão da Football League – que não levava fé no sucesso da Copa dos Campeões – decidiu por unanimidade que o Chelsea deveria se retirar do torneio continental, já que sua participação “não era de interesse da liga”. Curiosamente, o presidente do Chelsea, Joe Mears, fazia parte do Comitê, mas não compareceu à reunião por estar adoentado. Ao ser informado da deliberação, não teve opção senão comunicar a seu clube que a acataria.


O Chelsea, que já tinha até adversário definido (os suecos do Djurgården), acabaria substituído pelo representante polonês, o Gwardia Warszawa. Um ano depois, quando o Manchester United conquistou a liga e o direito de disputar a Copa dos Campeões, adotou uma estratégia para driblar a má vontade da Football League: declarou à entidade que o convite havia sido feito pela própria federação inglesa, presidida por Stanley Rous, e assim obteve a aprovação para ser o primeiro clube inglês a participar do torneio continental.


Os Blues teriam de esperar 44 anos até disputarem pela primeira vez a principal competição de clubes da Europa, na temporada 1999-2000. Para piorar, o clube também não conseguiria capitalizar na conquista do título inglês de 1955 no sentido de se firmar entre as forças do país: logo na temporada seguinte, desceria a um modesto 16º lugar, quatro pontos acima da zona de rebaixamento. Em seguida, viria uma série de colocações abaixo do décimo posto, ainda que o clube se notabilizasse por revelar talentos, como o goleador Jimmy Greaves.


Ted Drake seria demitido em setembro de 1961, substituído pelo escocês Tommy Docherty, que havia sido contratado em fevereiro para acumular os postos de jogador e auxiliar técnico. Mas, em seu primeiro trabalho como técnico, “Doc” (como ficaria conhecido) não evitaria o descenso do Chelsea como lanterna ao fim daquela temporada 1961-62. Mesmo assim, permaneceria no cargo e logo começaria a montar o novo time dos Blues que, do meio daquela década ao início da seguinte, levaria – aí sim – o clube a uma era de ouro.

 
 
 

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