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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

O adeus a Martin Peters, meia campeão do mundo e à frente de seu tempo


Neste sábado, o futebol inglês se despediu de um discreto gigante. O meia Martin Peters, que fez história no West Ham, Tottenham e seleção inglesa, levantando títulos europeus em ambos os clubes e ainda a Copa do Mundo de 1966 com os Three Lions, faleceu em sua casa aos 76 anos. Personagem emblemático de uma era de transição tática no futebol, mas não tão badalado quanto alguns de seus contemporâneos, era um meia inteligente e moderno para sua época, capaz de exercer múltiplas funções, e que, por isso, teve importância capital na solidez daquela seleção inglesa campeã mundial.


“Peters está dez anos à frente de seu tempo”, afirmou certa vez Alf Ramsey, o lendário técnico do English Team entre 1962 e 1974. De fato, num tempo em que os jogadores ainda tinham funções bem definidas, a versatilidade do armador nascido em 8 de novembro de 1943 em Plaistow, na região leste da Grande Londres, era uma arma muito valiosa na montagem das equipes em que jogou, e que lhe valeria uma longa carreira na seleção.


Em clubes, sua trajetória começou em 1959, quando chegou ao West Ham trazido por Wally St. Pier, famoso olheiro que já levara para Upton Park nomes como Bobby Moore e Geoff Hurst. Ao lado dos dois, aliás, Peters faria história nos Hammers. Sua estreia pelo time de cima viria em 1962. Nos anos seguintes, aos poucos se firmaria. Se não participou da campanha vitoriosa na FA Cup de 1964, foi um dos destaques no título da Recopa em 1965.

Peters (à direita), ao lado de Geoff Hurst e Bobby Moore (com a bola): o trio lendário do West Ham

Peters atuou em todas as partidas da campanha, e em várias posições. Nos confrontos contra o La Gantoise belga (na primeira fase) e o Lausanne suíço (nas quartas de final), ele vestiu a camisa 3, de lateral-esquerdo. Nos dois jogos contra o Spartak Sokolovo, de Praga, pelas oitavas de final, substituiu Bobby Moore como quarto-zagueiro, vestindo a 6. Já nas semifinais contra o Zaragoza e na decisão contra o Munique 1860, em Wembley, estava de volta à sua posição original, a de volante com a camisa 4.


Com o West Ham, Peters chegou também à decisão da Copa da Liga de 1966, a última disputada em jogos de ida e volta. Em março, os Hammers bateram o West Bromwich em casa no primeiro jogo por 2 a 1, mas caíram por 4 a 1 na volta (com o meia anotando o gol de honra) e acabaram sem a taça. A derrota em nada abateu o bom futebol do jogador, que dali a dois meses enfim estrearia pela seleção, na vitória sobre a Iugoslávia em Wembley.


Aquele era um dos últimos amistosos preparatórios da equipe para a Copa do Mundo que seria disputada em casa. Antes mesmo de promover a estreia de Peters, o técnico Alf Ramsey já o havia incluído na lista de 40 pré-convocados para o Mundial. E, na hora de testá-lo, não se decepcionou. No jogo seguinte, 3 a 0 sobre a Finlândia em Helsinque, o meia dos Hammers anotaria seu primeiro gol pelos Three Lions, abrindo a contagem.


Ramsey ainda testaria várias formações do seu setor ofensivo, até mesmo com a primeira fase do Mundial em andamento, com ou sem pontas autênticos, até se definir por limar os extremas tradicionais. Nesse processo, Martin Peters ficaria de fora da estreia inglesa na Copa, um empate sem gols diante do Uruguai. Mas do jogo seguinte contra o México em diante, ele ganharia a posição para não mais sair do time titular por um longo tempo.


Chamá-lo de “pulmão” ou “motor” do time poderia indicar um jogador tecnicamente limitado, que se destacava mais pelo preparo físico ou pelo espírito de luta, mas não era o caso. Peters era excelente na transição da defesa para o ataque por ter também um ótimo passe e visão de jogo. E ainda fazia muitos gols, o que rendeu o apelido de “The Ghost” (“O Fantasma”), pela capacidade de se colocar em condição de marcar sem ser notado pelos adversários.


Era, em suma, um meia completo e um legítimo “box-to-box”. Eficiente na cobertura defensiva, ágil na ligação dos contragolpes, elegante na condução de bola e muitas vezes letal quando aparecia na área adversária para concluir. Assim ele marcaria o gol que quase entrou para a história como o do título inglês naquela Copa: aos 32 minutos do segundo tempo, lá estava ele, oportunista como um centroavante, aproveitando bola rebatida da defesa alemã para marcar o 2 a 1.


Os germânicos ainda empatariam numa falta duvidosa quase no minuto final e levariam o jogo para a prorrogação, quando os ingleses marcariam outras duas vezes com Geoff Hurst (não sem polêmica no primeiro tento) e levantariam a taça Jules Rimet. Aquela conquista seria um prêmio à aposta de Ramsey no estilo dinâmico de Martin Peters e de seu equivalente pelo lado direito, Alan Ball, os meias que atuavam pelos lados naquele setor.


Agora titular inquestionável da seleção, Peters seguiria no mesmo posto de importância no West Ham até deixar o clube, em março de 1970, numa transferência que agitou o futebol inglês. Por ele, o Tottenham ofereceria £200 mil, valor recorde no país até então, sendo £150 mil em dinheiro mais o passe do centroavante Jimmy Greaves, um dos maiores goleadores da história do futebol inglês, mas que então já adentrava os 30 anos.


Seria como jogador dos Spurs que ele disputaria sua segunda Copa do Mundo, naquele mesmo ano de 1970, no México. Seria titular dos quatro jogos da Inglaterra e, curiosamente, voltaria a balançar as redes da Alemanha Ocidental, no confronto das quartas de final, surgindo de repente para escorar na segunda trave um cruzamento de Alan Ball e marcar o 2 a 0. Porém, ele seria substituído pouco antes dos alemães empatarem e levarem o jogo das quartas para a prorrogação, vingando-se da derrota de 1966.

No Tottenham, as primeiras conquistas nacionais e a Copa da Uefa

Na temporada seguinte ao Mundial, ele enfim levantaria seu primeiro troféu nacional, a Copa da Liga, vencendo o Aston Villa (então na terceira divisão) por 2 a 0 em Wembley, no fim de fevereiro de 1971. Naquele dia, Peters vestiu a camisa 10. A conquista seria a primeira de uma trinca de troféus levantados em três anos pelos Spurs, em mais um grande time montado pelo lendário Bill Nicholson. E a próxima seria mais um caneco europeu.


O Tottenham levantaria a primeira edição da Copa da Uefa, instituída na temporada 1971-72, e Peters teria participação essencial. Na segunda fase, diante do Nantes, foi dele o único gol do confronto, na vitória pelo placar mínimo no jogo de volta em White Hart Lane, após um 0 a 0 em La Beaujoire. Na etapa seguinte também seria dele, logo no primeiro minuto, o gol que abriria a vitória por 3 a 0 sobre o Rapid Bucareste na partida de ida em Londres.


Depois de ajudar os Spurs a eliminarem o poderoso Milan de Gianni Rivera nas semifinais, ele também participaria decisivamente do jogo que valeu o título, o segundo de uma final inglesa contra o Wolverhampton. Após vencer por 2 a 1 no Molineux, com dois gols de Martin Chivers, o Tottenham levantou a taça com o empate em 1 a 1 em White Hart Lane. Peters sofreria e cobraria a falta que originaria o gol de cabeça de Alan Mullery.


Na temporada seguinte, os Spurs chegariam perto do bicampeonato da competição, mas cairiam nas semifinais diante do Liverpool nos gols fora de casa. Em White Hart Lane, Peters anotaria os dois gols da vitória do Tottenham, mas um tento de Steve Heighway acabaria classificando os Reds. Mesmo assim, não seria um ano sem taças: com Martin Peters de capitão, o clube voltaria a vencer a Copa da Liga, desta vez derrotando o Norwich por 1 a 0.


O Tottenham mais uma vez chegaria perto da conquista da Copa da Uefa na temporada 1973-74, de novo contando com a participação decisiva de Martin Peters. No caminho para a final, pela qual os Spurs passaram sem nenhuma derrota e com alguns placares elásticos, o meia marcou oito gols, entre eles o da vitória por 2 a 1 fora de casa sobre o forte time do Colônia, repleto de jogadores da seleção da Alemanha Ocidental, nas quartas de final.


Na decisão contra o Feyenoord, porém, o time não teve a mesma sorte: em White Hart Lane, esteve duas vezes à frente do placar, mas cedeu o empate em 2 a 2. Já em Roterdã, sofreu um gol no fim de cada tempo e acabou derrotado por 2 a 0, num jogo tristemente marcado por atos de hooliganismo dos torcedores ingleses. Foi o canto do cisne daquele forte esquadrão e também do longo período de Bill Nicholson à frente da equipe.


O ano de 1974 marcaria também a despedida de Martin Peters da seleção, numa derrota para a Escócia por 2 a 0 no Hampden Park de Glasgow, em 18 de maio, durante a curta passagem de Joe Mercer pelo comando da equipe. Seria a única partida do meia pelo English Team sem ter sido dirigido por Alf Ramsey. Ao todo, Peters atuou 67 vezes pela Inglaterra (64 como titular) e marcou 20 gols, marca bastante expressiva para um meia.


Peters ainda teria a honra de capitanear a seleção em três partidas, todas em Wembley. E cada uma delas proporcionando sentimentos distintos. A primeira seria um empate em 0 a 0 com o País de Gales pelo Campeonato Britânico em maio de 1971. A segunda, uma goleada de 7 a 0 na Áustria em amistoso em setembro de 1973. E a última, um mês depois, um empate com sabor de derrota: o 1 a 1 diante da Polônia pelas Eliminatórias que deixou os ingleses de fora da Copa do Mundo de 1974.

Em ação pelo Norwich contra o Manchester City

O meia também não permaneceria no Norte de Londres por muito tempo. Em março de 1975, ainda com a temporada seguinte em andamento, ele aceitaria um novo desafio no Norwich, curiosamente o adversário batido pelo Tottenham na final da Copa da Liga de 1973 e então na segunda divisão. Já com 31 anos, o meia conquistaria o acesso com o clube, levando os Canários ao seu segundo período na elite inglesa, após estrearem na categoria principal em 1972-73.


Nas cinco temporadas completas em que atuou pelo clube de Norfolk, Peters foi instrumental para manter a equipe segura na primeira divisão. Chegou a ser seu artilheiro em 1978-79 com 12 gols. Coincidentemente, na primeira campanha após sua saída, os Canários amargaram o descenso. Naquela temporada 1980-81, o meia também não seria feliz no Sheffield United, clube para o qual se transferira em junho de 1980, e que amargaria uma queda inédita para a quarta divisão.


Aos 37 anos, o meia faria apenas 24 partidas pelos Blades, chegando a assumir o comando do time após a demissão de Harry Haslam durante a malfadada campanha. Mas aquela seria sua única temporada em Bramall Lane, e a última de sua carreira na Football League. Ele ainda atuaria pelo pequeno Gorleston, da non-league, até pendurar de vez as chuteiras em 1983, encerrando uma trajetória iniciada ainda no fim da década de 1950.


Personalidade discreta e afastada da badalação (quando da conquista da Copa do Mundo com a seleção, trocou a festa com os companheiros num clube noturno pela calmaria de um chá com a esposa em sua casa), Martin Peters esteve desligado do futebol por boa parte de sua vida após o fim da carreira. Trabalhou por muitos anos numa companhia de seguros, voltando ao esporte em 1998 para um período de quatro anos como dirigente dos Spurs.


Em vida, Peters recebeu várias homenagens: em 1978, foi condecorado com um MBE, uma das Ordens do Império Britânico, e em 2006 entrou para o Hall da Fama do futebol inglês. Dez anos depois, foi diagnosticado com o Mal de Alzheimer, doença que levaria à sua morte. Peters faleceu enquanto dormia em sua casa. Seu passamento foi lembrado pelos clubes em que atuou e por diversas personalidades e entidades do futebol britânico.



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