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Foto do escritorEmmanuel do Valle

Seleção inglesa nos anos 70, parte I: A derrocada de uma nação


O time pisa o gramado de Wembley para enfrentar a Polônia: primeira queda em Eliminatórias de Copa.

Na semana da abertura da Copa do Mundo da Rússia, o site abordará em dois textos um tema bastante sugerido por seus leitores: a crise vivida pela seleção inglesa nos anos 70, quando ficou de fora de dois Mundiais seguidos (em 1974, na Alemanha Ocidental, e em 1978, na Argentina). Como cada uma dessas eliminações – antecedidas por fracassos também na fase classificatória das Eurocopas de 1972 e 1976 – tem suas peculiaridades e razões próprias, dividimos a história da “década perdida” do English Team em duas partes.


Na primeira, publicada nesta segunda-feira, abordamos o declínio entre o título mundial de 1966 e a queda diante da Polônia nas Eliminatórias para 1974, que encerrou a era Alf Ramsey no comando da seleção, além da breve passagem de seu substituto interino, Joe Mercer. No capítulo seguinte, que entrará no ar nesta terça, abordaremos o controvertido período de Don Revie à frente da equipe, bem como os primeiros passos de seu substituto, Ron Greenwood. Fiquem ligados!


OS DONOS DA BOLA (E DA TAÇA)


Antes de entender a queda de Ramsey, é necessário relembrar sua ascensão. Lateral-direito de Southampton, Tottenham e seleção inglesa (esteve na Copa do Mundo de 1950, no Brasil), Ramsey pendurou as chuteiras em 1955, assumindo logo em seguida o comando do Ipswich Town, então um clube bem pequeno, membro da Football League há menos de 20 anos e recém-rebaixado da segunda para a terceira divisão. O novo técnico levaria o clube de volta à segunda e, em 1961, promoveria sua estreia na elite. Mais espantoso ainda: o debutante Ipswich, sem qualquer jogador conhecido, sagraria-se de imediato campeão inglês pela única vez em sua história.


Eliminado com a seleção inglesa pelo Brasil nas quartas de final da Copa do Mundo do Chile, em 1962, Walter Winterbottom pediu demissão do cargo de técnico do English Team em outubro do mesmo ano. Rapidamente, Alf Ramsey foi contatado e aceitou a proposta. Mas não sem impor condições: a principal delas era o controle total sobre convocações e escalações, algo que, até então, ficava nas mãos de uma comissão formada pela Football Association. O demissionário Winterbottom, por exemplo, tinha como atribuição apenas treinar a equipe.


Alf Ramsey, a Jules Rimet e o capitão Bobby Moore: um título do esquema tático.

De saída, Ramsey declarou que a Inglaterra seria campeã mundial na próxima Copa, disputada em casa. E entregou a braçadeira de capitão do time nacional ao jovem zagueiro do West Ham Bobby Moore, de apenas 22 anos. O reinado de Ramsey, no entanto, começou com uma eliminação na Eurocopa de 1964 (então disputada inteiramente no sistema mata-mata), com goleada de 5 a 2 para a França, na época uma seleção pouco expressiva, em Paris. Mas a derrota serviria para a reconstrução total da equipe, inclusive do ponto de vista tático.


Insatisfeito menos com a safra de ponteiros direitos e esquerdos à disposição do que com uma certa vulnerabilidade que a utilização de pontas natos conferia ao poder de marcação da equipe, Ramsey aos poucos foi excluindo os jogadores daquela posição, preenchendo as vagas com meio-campistas. Até chegar enfim ao esquema 4-4-2 (ou 4-1-3-2, como preferem alguns analistas) com o meio-campo em formato de losango (ou “diamante”) que empregaria na campanha vitoriosa – confirmando seus prognósticos – na Copa de 1966.


Aquela Inglaterra tinha um grande goleiro (Gordon Banks), uma dupla de zaga que combinava o duro Jack Charlton e o clássico Bobby Moore, dois laterais discretos e eficientes (George Cohen e Ray Wilson), um volante um tanto ríspido, mas incansável (Nobby Stiles), dois meias-armadores dinâmicos, um de cada lado (Alan Ball e Martin Peters), um ponta-de-lança de grande talento e ótima visão de jogo (Bobby Charlton) e uma dupla de frente de boa movimentação e presença de área (Roger Hunt e Geoff Hurst). Havia talento. Mas sobretudo, antes dos jogadores, havia o esquema tático. Em toda a sua carreira à frente da seleção, Ramsey sempre procurou apenas atletas que se encaixassem em sua concepção de jogo. O resto não lhe interessava.


Além de profundamente anglocêntrico, Ramsey também era, como bem lembra Jonathan Wilson em A Pirâmide Invertida, um homem “realista” e “que não se deixava impressionar pela beleza”. E chegou ao comando do English Team precisamente num momento em que o talento começava a ser visto com desconfiança no ambiente futebolístico do país, comparado desfavoravelmente a valores como força física e espírito de luta – ideias estas que marcariam a maneira inglesa de se enxergar o próprio jogo pelo resto dos tempos.


A conquista de 1966 pendeu a razão para o lado de Ramsey. E nem mesmo o fato de terminar apenas em terceiro no próximo grande torneio, a Eurocopa de 1968, diminuiu sua reputação. Pelo contrário: pelas novas levas de talento que surgiam em meio a um período vitorioso dos clubes do país em âmbito continental, a sensação era a de que a Inglaterra chegava ao Mundial de 1970 ainda mais forte do que (ou, no mínimo, tão forte quanto) quatro anos antes.


1970: NÃO MAIS CAMPEÕES DO MUNDO


Também pesou favoravelmente para isso o fato de, naquela virada de década, haver ao mesmo tempo várias boas equipes no futebol inglês, algumas delas vivendo seu auge histórico no século e ainda levantando títulos continentais. Era fácil levar um elenco mais qualificado podendo pescar jogadores, por exemplo, no Everton de Harry Catterick (campeão inglês com folga naquele ano), no Leeds de Don Revie, no Manchester City da dupla Joe Mercer-Malcolm Allison, no Liverpool de Bill Shankly, no Tottenham de Bill Nicholson, no Chelsea de Dave Sexton ou mesmo em um Manchester United já sem Matt Busby e na descendente, mas ainda com bons valores.


Assim, a equipe-base que foi ao México mantinha os destaques: Gordon Banks seguia no gol, Bobby Moore era soberano na quarta-zaga, o trio de meias ofensivos (Alan Ball, Bobby Charlton e Martin Peters) também continuava, assim como Geoff Hurst de referência no ataque. Mas, em tese, nas outras posições houve mudança para melhor – no sentido de entrarem jogadores mais técnicos, ou mais versáteis ou até mais naturalmente aptos a exercerem uma dada função. Além disso, havia bons reservas – e que finalmente poderiam ser usados durante as partidas.

No México, em 1970: o sonho do bi acabou antes do esperado.

Embora George Cohen e Ray Wilson apoiassem com uma certa frequência no espaço aberto pelos falsos pontas de 1966, quatro anos mais tarde tanto Keith Newton (ou Tommy Wright) quanto Terry Cooper já tinham uma noção bem maior do papel de um ala. Além disso, os “homens duros” de 1966 – Jack Charlton e Nobby Stiles – haviam cedido o lugar entre os titulares a jogadores com mais recursos (respectivamente, Brian Labone e Alan Mullery). E Francis Lee, atacante esperto, impetuoso e catimbeiro, ganhava o lugar de Roger Hunt. Entre os novatos, ainda havia reservas de muito bom nível, como Colin Bell, Jeff Astle, Peter Osgood e Allan Clarke, todos vivendo bom momento em seus clubes.


No México, a seleção estreou vencendo o duro time da Romênia com um bonito gol de Geoff Hurst. Perdeu para o Brasil também por um gol num dos melhores e mais disputados jogos daquele Mundial, em que qualquer um dos times poderia ter vencido. E encerrou a primeira fase batendo a Tchecoslováquia com gol de pênalti de Allan Clarke. Nas quartas, teriam novamente a Alemanha Ocidental pela frente. Mesmo sem contar com a segurança de Gordon Banks no gol, ausente por uma séria intoxicação alimentar, os ingleses saíram vencendo por 2 a 0, com gols de Alan Mullery e Martin Peters, placar que se manteve até os 22 minutos da etapa final.


O que se seguiu, porém, é algo que até hoje provoca questionamentos entre os ingleses. Beckenbauer marcou o primeiro gol dos alemães, diminuindo a desvantagem. Ato contínuo, Alf Ramsey sacou Bobby Charlton para a entrada de Colin Bell. E justamente quando fazia a segunda substituição – Martin Peters deu lugar ao zagueiro Norman Hunter –, os germânicos empataram a nove minutos do fim num gol esdrúxulo, marcado de cabeça por um Uwe Seeler de costas para o gol. Acuada pela reação do adversário e pela própria formação agora defensiva, a Inglaterra sofreu a virada no segundo tempo da prorrogação, com gol de Gerd Müller, e foi eliminada.



A derrota em León é tão traumática para os ingleses quanto o Maracanazo de 1950 ou o Sarriá de 1982 para os brasileiros. Chegou a impactar a política, sendo considerada um dos fatores que pesaram na derrota do trabalhista Harold Wilson (há seis anos como chefe de Governo) para o conservador Edward "Ted" Heath nas eleições de 18 de junho de 1970, quatro dias após a partida contra os alemães.


A ausência de Banks – ainda que o reserva Peter Bonetti não tenha exatamente falhado nos gols alemães – foi muito sentida (“De todos os jogadores que eu poderia perder, tinha que ser justo ele”), lamentou o treinador. Mas Ramsey também passou o resto de sua vida tendo de explicar por que havia tirado Bobby Charlton, a grande referência técnica daquela equipe, quando do início da reação alemã. A queda precoce numa Copa em que os ingleses tinham time para chegar até a outra final representou o começo do declínio da antes inabalável reputação do técnico.


PRIMEIRO TOMBO: A EUROCOPA DE 1972


A vida seguiu com a disputa da fase classificatória para a Eurocopa de 1972, na qual os ingleses ficaram num grupo com Suíça, Grécia e Malta. O futebol grego vivia bom momento: a seleção chegara perto de ir ao México (ficaram em segundo em sua chave nas Eliminatórias, atrás da Romênia e à frente dos próprios suíços e de Portugal) e o Panathinaikos se tornaria o único clube do país a disputar uma final de copa europeia, ao decidir a Copa dos Campeões contra o Ajax em Wembley em 1971. No entanto, a decadência veio rápido, e só os helvéticos fizeram frente.


De fato, a Suíça começou a campanha de forma muito consistente vencendo os dois jogos contra Grécia e Malta. A Inglaterra também não teve dificuldade para bater os malteses fora de casa (embora o placar magro de 1 a 0 não reflita o que foi o jogo), antes de despachar gregos (3 a 0) e de novo os malteses (5 a 0) em Wembley. Contra os suíços, nos confrontos diretos que decidiriam o grupo, no entanto, a dificuldade foi maior do que a imaginada.


Enfrentando Malta no campo de terra do estádio de Gzira.

Pressionada pela imprensa (que, mesmo com os três triunfos anteriores, considerava qualquer outro resultado na Basileia que não a vitória uma catástrofe), a seleção abriu o placar logo no primeiro minuto com Geoff Hurst. Os suíços empataram aos 11, mas dois minutos depois o goleador do Tottenham, Martin Chivers, apareceu para marcar seu sexto gol em seis jogos pela Inglaterra, recolocando o time à frente. Os donos da casa tornaram a empatar pouco antes do intervalo, mas a vitória inglesa acabaria chegando na etapa final com um pouco de sorte – um chute de Jakob Kühn com Banks já batido acertou a trave – e gol contra de Anton Weibel.


A vitória colocou a Inglaterra mais folgada para a volta em Wembley. No entanto, Alf Ramsey teria problemas para escalar a equipe por um motivo impressionantemente inglês: alguns clubes não liberaram seus jogadores em virtude de uma rodada da Copa da Liga a ser disputada por aqueles dias. Bem desfalcada, a Inglaterra ainda saiu na frente aos sete minutos num gol de cabeça de Mike Summerbee, mas os suíços assustaram, inspirados pelo habilidoso ponteiro Kurt Odermatt. Empataram aos 27 e chegaram a criar algumas chances claras, inclusive uma bola salva quase em cima da linha. Contudo, o placar de 1 a 1 deixava a classificação inglesa às quartas encaminhada – e ela viria em 1º de dezembro com uma vitória sobre a Grécia fora de casa por 2 a 0.


Nas quartas, o duelo contra a Alemanha Ocidental tinha ares de tira-teima, após uma vitória para cada lado nas duas últimas Copas. Para o confronto, Ramsey manteve o time que derrotou os gregos com apenas uma mudança por lesão: Roy McFarland, sólido zagueiro do Derby, deu lugar ao vigoroso Norman Hunter, do Leeds. De resto, novamente prescindia de um jogador mais combativo no meio-campo, como Alan Mullery, escalando uma trinca de armadores (Alan Ball, Colin Bell e Martin Peters). Acabou engolido pelo trio de meias alemães, especialmente Günter Netzer, que cumpriu atuação de gala, entrando como bem entendia na defesa inglesa.


Após uma rápida pressão inicial inglesa, os comandados de Helmut Schön logo tomaram conta das ações, sem a menor reverência ao fato de jogarem em Wembley. Com uma equipe bem mais jovem (Paul Breitner, aos 20 anos de idade, fazia sua quarta partida), brincou de gato e rato com uma envelhecida Inglaterra, que ainda mantinha seis jogadores campeões em 1966 (Geoff Hurst, herói daquela final, ironicamente faria ali seu último jogo pela seleção). E foi ao aproveitar uma falha de outro veterano, Bobby Moore, ao tentar driblar dentro da área que os alemães abriram o placar, em chute de Uli Hoeness que desviou em Hunter e matou Banks.


Reportagem da revista "Shoot" sobre a derrota para os alemães em Wembley.

Depois de descer atordoada para os vestiários no intervalo, a Inglaterra voltou atacando no segundo tempo. Ainda que não suficientemente incisiva, conseguiu empatar o jogo aos 33 minutos, numa jogada em que Colin Bell veio carregando desde o meio-campo, abriu na direita e recebeu de volta, soltando um petardo que Maier espalmou, deixando à feição de Francis Lee, que vinha na corrida e tocou na pequena área para as redes. Animados, os ingleses foram para frente e deixaram a defesa exposta, o que se provaria fatal apenas seis minutos depois.


Rodney Marsh foi desarmado na frente da área alemã, e os visitantes ligaram o contra-ataque. Gerd Müller tentou o passe para Siggi Held e deu sorte quando Madeley não conseguiu interceptar. O ponteiro então recebeu a bola e avançou em velocidade, sendo calçado por Bobby Moore quando se preparava para entrar na área. O árbitro francês Robert Héliès marcou pênalti um tanto discutível (o replay mostrou que o contato começou fora da área), e Netzer se apresentou para a cobrança. Foi quando a sorte mostrou que não estava mesmo do lado dos ingleses: o chute do meia alemão foi espalmado por Banks, mas a bola bateu na trave e entrou.


Ao desmoronar o pouco de confiança que ainda havia enquanto a partida estava empatada, os ingleses ainda sofreram mais um gol um tanto estúpido. Emlyn Hughes recebeu uma reposição de bola de Banks na lateral esquerda, mas foi desarmado facilmente por Held, que entregou a Hoeness. O meia driblou dois defensores e, com um passe na diagonal, achou Gerd Müller completamente sozinho na área. O chute no canto de Banks foi inapelável. E não apenas deixou os alemães praticamente garantidos na fase final do torneio como decretou a primeira vitória da história da Nationalelf sobre a Inglaterra em Wembley.



Posteriormente, o jogo acabaria se tornando o detonador de várias simbologias: a do triunfo de um estilo de jogo mais dinâmico e fluente sobre o esquema rígido e estático; o de decadência da velha guarda inglesa, exigindo uma tortuosa renovação não só de nomes como de mentalidade; a da inversão de trajetórias entre as duas seleções, com os alemães tomando o rumo das conquistas, ao passo que os ingleses, autoindulgentes, estagnariam; e, por fim, o do complexo de inferioridade do English Team em jogos decisivos, em especial diante dos alemães.


Com o time alvejado por críticas pelo latifúndio que cedeu ao meio-campo alemão em Wembley, Ramsey foi do oito ao oitenta para o jogo de volta no Olympiastadion de Berlim: adiantou Norman Hunter para o meio-campo e escalou ao seu lado o truculento volante Peter Storey, do Arsenal. Com a dupla de cães de guarda à frente da defesa, os ingleses conseguiram segurar um travado 0 a 0. Mas foi uma exibição inglória, e que só serviu para deixar os alemães furiosos: “Todo o time da Inglaterra autografou minha perna”, reclamou Netzer após a partida.


FORA DA COPA DE 1974: UMA TRAGÉDIA DE ERROS


Semanas depois da derrota para a Alemanha, Gordon Banks faria sua última partida pela seleção, na vitória por 1 a 0 diante da Escócia no Hampden Park. Foi uma despedida não planejada, porém. Em outubro, o goleiro de 35 anos teria a carreira encerrada por um acidente automobilístico que lhe custou a visão do olho direito. Peter Shilton, seu antigo reserva no Leicester, assumiria a vaga de titular do gol inglês – embora nos dois primeiros jogos das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1974 a camisa 1 tenha sido vestida por outro novato: Ray Clemence, do Liverpool.


Outro jogador dos Reds que estreou na seleção na primeira partida da fase qualificatória, contra o País de Gales em Cardiff, tornaria-se um símbolo do futebol inglês daquela década. O atacante Kevin Keegan era um dos nomes que ponteariam a renovação na seleção, ao lado do também atacante Mick Channon, do Southampton. Na partida contra os galeses no Ninian Park, os ingleses entraram em campo com apenas dois nomes titulares no México (Bobby Moore e Alan Ball), mais três reservas naquela Copa (Colin Bell, Norman Hunter e Emlyn Hughes, que sequer jogou).


Martin Chivers briga com a defesa galesa: o primeiro tropeço em casa nas Eliminatórias para 1974.

O time estreou com vitória por 1 a 0, gol de Colin Bell, e Alf Ramsey repetiu a escalação para o segundo jogo, pouco mais de dois meses depois, contra os mesmos galeses, agora em Wembley, em 24 de janeiro de 1973. Mas o resultado foi um decepcionante empate em 1 a 1, custando um ponto que faria falta mais adiante. Confusos, os ingleses não conseguiam pressionar a defesa galesa e ainda eram assombrados pelos contra-ataques: num deles, numa cochilada defensiva, sairia o gol de John Toshack para os visitantes. O empate viria ainda no primeiro tempo, num chutaço de Norman Hunter da intermediária – mas a própria jogada sugeria um tento mais de raiva do que de trabalho ofensivo lúcido. Como comprovaram as vaias pesadas ao apito final.


Em março, a vitória dos galeses por 2 a 0 sobre a Polônia em Cardiff foi tida até como um resultado favorável: os Dragões chegavam aos mesmos três pontos ganhos dos ingleses, mas com um jogo a mais, enquanto os poloneses não pontuavam em sua estreia. Um empate no jogo contra a seleção do bloco socialista marcado para 6 de junho em Chorzow colocava o time de Alf Ramsey em boas condições de classificação. Paralelamente, o próprio English Team parecia de novo ter embalado, ao arrasar a Escócia num Hampden Park coberto de neve por 5 a 0, no amistoso comemorativo do centenário da federação local, em 14 de fevereiro.


Em maio, a seleção conquistava o Campeonato Britânico vencendo os três jogos, além de obter um bom empate com a Tchecoslováquia em Praga em outro amistoso. Parecia um bom aquecimento para o jogo de Chorzow. Mas nada saiu como o esperado. Logo aos sete minutos, os poloneses saíram na frente numa cobrança de falta para a área desviada por Bobby Moore contra as próprias redes. E logo no início da etapa final, o mesmo capitão inglês, sozinho com a bola dominada, perderia a posse para Lubanski, que avançaria e marcaria o segundo gol.



Após bater a Inglaterra, a Polônia voltou a vencer em setembro (3 a 0 no País de Gales) e assumiu a ponta do Grupo 5 com quatro pontos, um a mais que os ingleses e os já eliminados galeses. Poderiam jogar por um empate em Wembley na última partida. Alf Ramsey, enquanto isso, era bastante pressionado por suas escolhas. O time se ressentia de jogadores de qualidade na defesa, tinha como nomes mais experientes dois jogadores em má fase (Alan Ball e o próprio Bobby Moore, este em franco declínio técnico após brilhar na Copa de 70) e os homens de frente não conseguiam mostrar na seleção a mesma consistência de seus jogos pelos clubes.


No mesmo 26 de setembro em que a Polônia bateu o País de Gales, no entanto, houve uma trégua com Ramsey: a Inglaterra passou como um trator por cima da Áustria num amistoso em Wembley, vencendo por 7 a 0 com dois gols de Mick Channon, dois de Allan Clarke, um de Martin Chivers, um de Tony Currie e um de Colin Bell. A escalação parecia mais positiva, com um meio-campo mais talentoso (Currie, Bell e Martin Peters, ainda que os dois últimos não deixassem a desejar em combatividade), tendo Channon na ligação – à moda de Bobby Charlton – atrás de uma dupla de centroavantes natos (Chivers e Clarke). Mas, estranhamente, os gols foram comemorados sem muito entusiasmo pelos jogadores.


A escalação seria repetida contra a Polônia, em 17 de outubro. Naquela partida os ingleses tiveram o controle das ações ofensivas durante praticamente todo o jogo. Mas tiveram pela frente um goleiro em noite inspirada: o gigante Jan Tomaszewski, de 1,93 metro de altura e que havia sido comparado a um palhaço de circo por seu estilo espalhafatoso pelo técnico do Derby County, Brian Clough. No primeiro tempo, mesmo fraturando um dedo no início, já havia feito defesas impressionantes, indo buscar um chute forte e cruzado de Colin Bell da entrada da área e uma cabeçada no canto de Allan Clarke, além de espalmar uma testada alta de Mick Channon.


Quando não se destacava pelos reflexos, pelo arrojo ou pela envergadura, Tomaszewski era ajudado pela sorte – em alguns lances chegou a sair em falso, mas a bola acabou travada pelos zagueiros – ou pela má pontaria dos ingleses. Para piorar a situação dos donos da casa, no começo da etapa final, o ponteiro Grzegorz Lato desceu num contra-ataque pela esquerda, e Norman Hunter chegou para fazer o desarme – num lance com este, o zagueiro do Leeds normalmente chutaria para onde o nariz apontasse, mas preferiu manter a bola em jogo. Porém, a posse acabou ficando com o atacante, que arrancou na diagonal e passou para Jan Domarski, que vinha pelo outro lado e chutou rasteiro para abrir o placar.


A sorte com a qual Tomaszewski havia sido brindado definitivamente não era a mesma de Peter Shilton. O arqueiro da Inglaterra caiu preparado para a defesa, mas a bola passou por baixo de seu corpo e tomou o rumo das redes, numa das raras chegadas do ataque polonês em todo a partida. No desespero, os ingleses tiveram um gol de Mick Channon anulado após Allan Clarke ter tocado a mão na bola, mas ainda conseguiram empatar num pênalti cavado por Martin Peters e convertido por Clarke. Já era um autêntico ataque contra defesa.


A virada deixou de vir em lances inacreditáveis: uma cabeçada de Kevin Hector foi salva em cima da linha por um defensor com os joelhos e, nos acréscimos, um rebote de Tomazewski chutado por Colin Bell passou pelo goleiro e tomou o caminho do gol apenas para ser novamente salvo em cima da linha por um zagueiro. No fim das contas, a falta de sorte e de pontaria pesaram no jogo decisivo, mas não foram as únicas responsáveis pela inédita eliminação de uma fase final de Copa do Mundo: as escolhas erradas, as falhas individuais e o mau futebol exibido nos dois tropeços anteriores também foram cruciais na trágica e humilhante desclassificação.



Menos de quatro anos antes, a Inglaterra ainda ostentava o título de campeã mundial e era uma das grandes favoritas ao título na Copa do México. Agora, sequer se classificaria para o Mundial da Alemanha Ocidental. Naturalmente, Alf Ramsey pagou com o cargo, mas ainda dirigiu a seleção em mais dois amistosos: uma derrota em Wembley para a Itália (que só voltaria a vencer no estádio em 1997) e um empate sem gols contra Portugal no Estádio da Luz, em abril de 1974, num jogo em que o técnico promoveu nada menos que seis estreias.


O INTERREGNO DE JOE MERCER


Com sua demissão anunciada em 1º de maio de 1974 por um comunicado um tanto seco por parte da Football Association, Alf Ramsey encerrava seu ciclo de mais de uma década à frente da seleção. Depois de alguns técnicos da nova geração serem sondados, a federação precisou agir com rapidez em vista do calendário de amistosos marcados para breve e convidou Joe Mercer, ex-treinador campeão com o Manchester City e que ocupava um cargo de supervisão no Coventry, para assumir o comando da seleção em caráter interino.


Joe Mercer, o interino: por um breve momento, a Inglaterra voltava a sorrir.

“Em primeiro lugar, eu nem queria esse maldito emprego”, disse Mercer com um sorriso brincalhão no rosto em seu primeiro encontro com os jogadores – previamente convocados por Ramsey – para o jogo contra o País de Gales pelo Campeonato Britânico, dez dias após a saída do técnico anterior. No entanto, pelo pouco mais de um mês – ou sete partidas – em que ficou no cargo, Mercer mudou completamente o ambiente da seleção com seu jeito sincero, porém afável. E a depressão pela eliminação da Copa logo deu lugar a um grupo com liberdade para expressar seu talento em campo e com vontade de mostrar seu valor.


No Campeonato Britânico, a Inglaterra venceu o País de Gales em Cardiff e a Irlanda do Norte em Wembley, antes de perder para a Escócia num Hampden Park com gramado encharcado. Em seguida, às vésperas da Copa do Mundo, a seleção serviu de teste para quatro equipes de fora das Ilhas Britânicas que haviam se classificado. Os resultados e o futebol jogado foram, de certa forma, encorajadores, com destaque para as afirmações de Keegan e Channon.


Primeiro, um 2 a 2 contra a Argentina em Wembley, no qual a vitória só escapou num pênalti sofrido e convertido por Mario Kempes no último minuto. Em seguida, outro empate (1 a 1) diante da Alemanha Oriental em Leipzig, uma vitória por 1 a 0 sobre a Bulgária em Sofia, gol do centroavante Frank Worthington, e, por fim, um 2 a 2 com a Iugoslávia em Belgrado.


A lufada de ar fresco promovida por Mercer na equipe ficaria nisso, já que o treinador preferiu não seguir como efetivo no comando da equipe, preferindo passar a bola para algum técnico mais jovem. O processo de renovação e a tentativa de recolocar a Inglaterra entre as potências do futebol europeu e mundial caberiam a outro nome, de quem falaremos no próximo capítulo.

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