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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Há 50 anos, Don Revie levava o Leeds ao seu primeiro título inglês batendo recordes


Um dos times mais controversos da história do futebol inglês, o Leeds United dirigido por Don Revie levantou seu primeiro título da liga há exatos 50 anos, em 28 de abril de 1969. A despeito de sua enorme impopularidade na época, muito em virtude de seu estilo de jogo, os Whites fizeram uma campanha praticamente irretocável, sem dar chance aos adversários e até mesmo quebrando alguns recordes, numa trajetória lembrada agora.


A revolução Revie


Fundado em substituição ao Leeds City, que fechou as portas após ter sido banido da Football League em outubro de 1919 por pagamentos irregulares a seus jogadores, o Leeds United tinha trajetória bastante discreta no futebol inglês até então. Depois ser admitido na liga em 1920 e de estrear na elite na temporada 1924-25, havia sido rebaixado em 1927, 1931, 1947 e 1960, subindo de novo em 1928, 1932, 1956 e, por fim, em 1964.


O clube nunca havia conquistado um título. Sua melhor colocação na liga fora um quinto lugar em 1930. O fato de maior destaque que já obtivera no cenário local fora a venda do atacante galês John Charles para a Juventus, em agosto de 1957, que quase dobrou o recorde de transferências britânico, quando o Leeds jogava a segunda divisão. Até que em março de 1961, pouco depois do time trocar seu uniforme azul e amarelo pelo modelo todo branco, o atacante Don Revie passou a acumular as funções de atleta e treinador.


Jogador rodado e inteligente revelado pelo Leicester e que viveu seu auge no Manchester City (quando levantou a FA Cup em 1956 e chegou à seleção inglesa), Don Revie, 33 anos, substituía o discreto Jack Taylor, que deixara o Leeds brigando contra o rebaixamento na segunda divisão. Ao final da temporada, terminaria em 14º. No ano seguinte, seria o 19º, a apenas três pontos da degola. Revie então deu uma chacoalhada no time e passou a implementar novos métodos.


Don Revie, o homem que revolucionou o Leeds, posa em frente ao estádio do clube ao qual é indissociável.

Com a carreira de jogador encerrada, começou a preparar o time a partir de três eixos. O primeiro era renovar o elenco, trazendo atletas experientes (como o meia escocês Bobby Collins, ex-Everton) e mesclando-os aos valores que subiam da base, como o lateral Paul Reaney e o zagueiro Norman Hunter. O segundo era estreitar laços pessoais com os jogadores, interferindo até em assuntos privados. E o terceiro era implementar um trabalho obsessivo de análise de adversários, por meio de relatórios preparados por seus auxiliares.


O novo acesso à elite veio em 1963-64 com campanha eficiente: apenas três derrotas em 42 jogos, embora o ataque tivesse sido só o décimo mais positivo da competição. Mas o que chamou a atenção da imprensa foi uma tabela publicada na FA News, o boletim oficial da Football Association, na qual o clube era apontado como o mais indisciplinado da liga. Quando o Leeds retornou à elite, a (má) reputação já havia se espalhado.


Tornou-se infamemente célebre a partida contra o Everton no Goodison Park em novembro de 1964, na qual pela primeira vez na história da liga o árbitro precisou paralisar o jogo por cinco minutos para tentar arrefecer os ânimos dos jogadores e do público, diante da persistente troca de pontapés e jogadas ainda mais pesadas. Revie, por sua vez, saiu em defesa de seus atletas, acusando a tal tabela da FA News de vilanizar e criar animosidade nas outras equipes para com o Leeds, o que contribuiria para jogos mais “quentes”.


Era inegável, porém, que o estilo mais ríspido, pegado, era parte do esquema de jogo do Leeds, tendo Bobby Collins – volante incansável na destruição – como seu grande símbolo. Revie se defendia, argumentando que se tratava de um jogo “duro, porém leal”, lembrando que os times da Europa continental atuavam assim. Porém, eram frequentes os protestos dos adversários não só quanto aos excessos dos jogadores dos Whites nas disputas de bola quanto nas atitudes de antijogo, como a cera, as provocações e os puxões de camisa.


De qualquer forma, o Leeds vinha obtendo resultados notáveis. Logo na primeira temporada após subir à elite, o time esteve muito perto de uma fabulosa dobradinha. Perdeu o título da liga para o Manchester United de Matt Busby no goal average, após tropeçar no Birmingham, empatando em casa em sua última partida. E perdeu na prorrogação o título da FA Cup para o Liverpool, em sua primeira visita a Wembley.


Na campanha seguinte, voltou a ficar em segundo na liga, agora atrás do Liverpool, e em 1967 chegaria à final da Copa das Feiras (precursora da atual Liga Europa), perdendo para o Dínamo de Zagreb. Quando o clube parecia ter mergulhado numa síndrome de “quase lá”, vieram as primeiras taças, em 1968: a Copa da Liga, batendo o Arsenal na decisão em Wembley em março, e a própria Copa das Feiras, derrotando o Ferencvaros já em setembro.


Título internacional: o time que bateu o Ferencvaros exibe a Copa das Feiras.

O time-base


Quando conquistou esta última, aliás, a temporada 1968-69 já estava em pleno andamento. E o time que levantaria o primeiro caneco da liga já começava a se delinear. Taticamente, Don Revie adotava um desenho muito semelhante ao 4-1-4-1 atualmente utilizado por várias equipes. À frente do goleiro galês Gary Sprake, atuava uma temida dupla de zaga: Jack Charlton e Norman Hunter, dois nomes experientes e que se impunham pela força.


Os laterais Paul Reaney (direito) e Terry Cooper (esquerdo), por sua vez, eram muito dinâmicos, bons marcadores e – especialmente Cooper – ótimos apoiadores, o que não era tão comum num tempo em que os jogadores da posição eram primordialmente defensivos. Para fechar o cadeado defensivo, havia o curinga Paul Madeley, que normalmente atuava à frente da defesa como um volante, mas podia cobrir todas as posições da linha.


A dupla de meias centrais se completava: o escocês Billy Bremner era o sucessor de Bobby Collins ao sintetizar o estilo aguerrido e catimbeiro do Leeds, mas também sabia jogar. Ao seu lado, o talentoso irlandês Johnny Giles, um ex-ponta-direita revelado pelo Manchester United e que se centralizou ao chegar ao Leeds, tornando-se o principal responsável pela criatividade do setor, mas que também sabia catimbar.


Meia que podia atuar como falso ponta por ambos os lados, Mike O’Grady também ganhou uma vaga pelo lado direito. Havia, porém, um especialista pelo setor, o ponta escocês Peter Lorimer, que embora atuasse apenas 25 vezes como titular (e, no fim das contas, acabasse perdendo a posição para O’Grady), terminou como vice-artilheiro da equipe na campanha, com nove gols, graças a seus fabulosos petardos de perna direita.


Do lado esquerdo, outro escocês, o habilidoso e driblador Eddie Gray, era um dos mais jovens da equipe, promovido da base apenas em 1966. Por fim, o time titular se completava com o centroavante Mick Jones, trazido do Sheffield United por £ 100 mil em setembro, tornando-se a única contratação feita pelo clube para aquela temporada. E na campanha do título do Leeds, sagraria-se o artilheiro da equipe com 14 gols.


Além desses 12 nomes regulares, outros cinco jogadores participaram da campanha de maneira mais esporádica. Entre eles, um com história singular: o ponta sul-africano Albert Johanneson, um dos raros jogadores negros em atividade no futebol inglês de então e que havia sido titular em outras temporadas, mas agora, com espaço reduzido pela ascensão de Eddie Gray, atuaria apenas uma vez, vindo do banco, e marcando um gol.


A campanha


O Leeds começou arrasador na liga, vencendo sete de seus primeiros nove jogos (incluindo triunfos sobre Liverpool e Arsenal em Elland Road) e empatando apenas dois. Também marcou muitos gols de saída (foram 12 anotados nos quatro primeiros jogos), mas ao longo da temporada sua artilharia se mostraria mais parcimoniosa. E sua série invicta inicial seria encerrada pelo Manchester City, que o derrotou por 3 a 1 em Maine Road em setembro.


Após se recuperar vencendo os três jogos seguintes pela liga, ao bater Newcastle e Sunderland por 1 a 0 em visitas ao norte e o West Ham por 2 a 0 ao recebe-lo em Elland Road, o time caiu de modo surpreendente na Copa da Liga, derrotado em Londres pelo Crystal Palace, da segunda divisão. Mas o pior veio depois: a goleada igualmente inesperada sofrida diante do Burnley por 5 a 1 no Turf Moor em 19 de outubro. O resultado fez o Leeds balançar na liderança.


O zagueiro Jack Charlton (camisa escura) disputa a bola pelo alto com o goleiro Pat Jennings, do Tottenham.

Os três jogos seguintes, coroando a má fase, trataram de desalojar os Whites da ponta da tabela: três pouco inspirados empates sem gols contra West Bromwich Albion e Tottenham em casa e diante do Manchester United em Old Trafford desceram a equipe para o terceiro lugar. Somente em 16 de novembro, ao vencer o Coventry fora de casa por um magro, porém resiliente 1 a 0, gol de Paul Madeley, o time deu sinais de recuperação na liga.


O time seguiu no encalço do líder Liverpool (que tinha jogos a mais) somando pontos ao vencer Everton e Sheffield Wednesday em casa e empatar com Chelsea e West Ham, ambos em Londres. E pouco antes do Natal, já teria sua inesquecível revanche contra o Burnley, em Elland Road. Peter Lorimer abriu o placar aos dois minutos e ampliou mais tarde. Ao fim do primeiro tempo, Johnny Giles e Mick Jones também haviam marcado.


Na etapa final, o Burnley diminuiu com um chute de longa distância de Ralph Coates, mas Mick Jones e Eddie Gray balançaram as redes para o Leeds, e a goleada foi fechada em 6 a 1, num troco que deu novo impulso à campanha dos Whites, a qual seguiu de vento em popa, “ajudada” em boa medida pelas eliminações copeiras, que contribuíram para centrar o foco no título da liga.


Em janeiro, o time caiu na FA Cup, derrotado em casa no replay (3 a 1) pelo Sheffield Wednesday, rival regional de Yorkshire. Em março, viria a eliminação da Copa das Feiras para o Újpest, da Hungria, nas quartas de final, depois dos Whites terem deixado para trás Standard Liège, Napoli e Hannover 96 nas fases anteriores. Enquanto isso, na liga inglesa, a equipe voltava a cumprir campanha irretocável e manter uma longa série invicta.


Mick Jones cabeceia para marcar contra o Nottingham Forest.

Depois da forra sobre o Burnley, o time bateu o Newcastle (2 a 1) na rodada de Boxing Day e o Manchester United (2 a 1) em seu primeiro jogo pela liga em 1969. Em seguida, após empatar sem gols com o Tottenham em Londres, emendou sete vitórias seguidas, culminando com uma goleada de 5 a 1 sobre o Stoke no Victoria Ground, que o alçaram de volta à ponta da tabela. Daí em diante foi só administrar e somar pontos em jogos-chave.


Em 5 de abril, o time recebeu o atual campeão Manchester City e venceu por 1 a 0, gol de Johnny Giles. Embora com um jogo a mais, já acumulava cinco pontos de frente em relação ao Liverpool (vice-líder) e nove sobre o Arsenal (terceiro). Uma semana depois, era a vez dos Gunners serem batidos dentro de Highbury por 2 a 1, dando adeus às suas chances matemáticas de conquista. Apenas a dupla de Merseyside poderia tirar o título dos Whites.


E seria justamente contra eles, fora de casa, que o Leeds faria seu antepenúltimo e seu penúltimo jogo na temporada. Primeiro contra o Everton no dia 22 de abril e, seis dias depois, diante do Liverpool. Com vantagem, foi a hora de os Whites fazerem valer sua resiliência defensiva. Dois empates em 0 a 0 confirmaram a conquista do caneco, que levou o time a ser aplaudido em Anfield em sua volta olímpica após o apito final.


Os recordes


Na última partida, de volta a Elland Road, o time foi recebido com festa e bateu o Nottingham Forest por 1 a 0, chegando aos 67 pontos e superando a maior pontuação já registrada até então na primeira divisão: os 66 somados pelo Arsenal de Herbert Chapman na temporada 1930-31. E esses não foram os únicos números impressionantes daquela campanha, marcada pela quebra de recordes que já duravam décadas no futebol inglês.



Volta olímpica: Billy Bremner exibe a taça aos torcedores do Leeds no jogo seguinte à conquista.

O time de Don Revie havia sido campeão sofrendo apenas duas derrotas (ambas fora de casa), número então inédito na primeira divisão inglesa no formato com 22 clubes. Desde a goleada sofrida para o Burnley, em outubro, o clube acumulara nada menos que 28 partidas sem perder, marca que chegaria a 34 – mais um novo recorde – ao adentrar pela temporada seguinte. Nos nove jogos da reta final que levou ao título, o Leeds sofreu apenas dois gols.


A eficiência defensiva, porém, era combinada a um ataque não muito prolífico, embora cirúrgico: os 66 gols marcados foram o menor número de um campeão desde o Huddersfield de 1923-24. É preciso destacar, por outro lado, que aquela foi uma temporada de poucos gols: só o Everton (77) e o Chelsea (73) balançaram mais as redes que os Whites.


Não que Revie não tivesse tentado “soltar” um pouco mais o time, criticado pelo jogo muito cauteloso. Depois de assistir ao Manchester City levar a taça na temporada anterior com um futebol ofensivo, o treinador passou a mandar sua equipe à frente, especialmente nos jogos fora de casa, o que rendeu ao Leeds um bom retrospecto neste quesito (nove vitórias em 21 jogos como visitante), algo que andou faltando nas campanhas precedentes.


Após o fim da campanha, decidido a colocar um ponto final pelo menos na reputação de jogo defensivista do Leeds, o treinador contratou em junho o centroavante Allan Clarke, do Leicester, pagando £ 165 mil, soma recorde para o futebol britânico. Com ele ao lado de Mick Jones no ataque, o time de Revie partiria para novos objetivos na temporada 1969-70 – entre eles, a conquista da Copa dos Campeões. Mas esta já é outra história.

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