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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Há 70 anos, o Portsmouth vencia seu primeiro título inglês


Enquanto tenta se reerguer após seus recentes problemas administrativos e financeiros e volta a escalar as divisões de acesso da Football League, o Portsmouth relembra um de seus motivos de orgulho. Único clube do condado de Hampshire, na costa sul do país, a se sagrar campeão inglês (para a inveja de seu arquirrival Southampton), o Pompey levantou a taça por duas vezes, e em anos consecutivos. E o primeiro caneco, na temporada 1948-49, foi confirmado há exatos 70 anos.


Fundado em 5 de abril de 1898, o Portsmouth disputou o campeonato da chamada Southern League (ou Liga Sulista) em suas primeiras décadas de existência e chegou a ser refundado por motivos de dívidas em 1912. Oito anos depois, com a retomada dos jogos após o fim da Primeira Guerra Mundial, ele foi finalmente admitido na Football League, no contexto de uma grande reformulação que levou à entrada de dezenas de clubes e a criação da terceira divisão nacional.


Após conquistar o acesso à segunda divisão em 1924 e à primeira em 1927, o clube contratou o técnico Jack Tinn, que marcaria época ao ficar por 20 anos no cargo, estabilizar a equipe na elite e ainda obter bons resultados na FA Cup, chegando à final em 1929 e 1934, mas perdendo o título para o Bolton e o Manchester City, respectivamente. Também obteve um bom quarto lugar na temporada 1930-31, sua melhor posição no período.


Em 1939, chegaria pela terceira vez à final da copa, goleando o Wolverhampton por 4 a 1 de forma surpreendente e levantando a primeira taça de sua história. Dali a poucos meses, seria deflagrada a Segunda Guerra Mundial. Detentor da FA Cup, o clube manteve a posse do troféu por sete anos em virtude da suspensão das competições durante o conflito. O caneco, aliás, ficou muito bem guardado durante aqueles tempos: Jack Tinn escondeu-a em sua casa, debaixo das escadas.


A FA Cup conquistada em 1939: taça escondida durante a Guerra.

A realidade inglesa nos primeiros anos após a guerra era bem distinta da atual, no esporte e no país. A população enfrentava racionamento até de produtos de primeira necessidade, e muitas das principais cidades se encontravam reviradas pelos bombardeios alemães. No futebol, ainda vigorava o “maximum wage”, ou teto salarial obrigatório para os jogadores, que recebiam em média pouco mais que um trabalhador comum.


Por outro lado, também foi o período em que se registraram as melhores médias de público: o futebol se tornara não apenas a principal diversão das massas num país que tentava se reerguer dos escombros, mas também sua maior esperança, reavivando sentimentos de comunidade e de pertencimento. Os torcedores, ávidos pelo retorno das competições após um longo inverno, compareceram em número recorde aos estádios.


A Segunda Guerra também seria crucial, mas por outros motivos, para o período vitorioso do Portsmouth no fim daquela década. Durante o conflito, a cidade do litoral sul do país havia abrigado uma das maiores bases militares britânicas, recebendo um enorme contingente de oficiais das Forças Armadas. Coincidência ou não, em 1944, o marechal de campo Bernard Montgomery foi eleito presidente do clube.


O marechal Montgomery cumprimenta os jogadores antes de uma partida contra o Arsenal.

Como o time havia perdido jogadores importantes durante o conflito, decidiu recorrer aos oficiais para montar uma nova equipe, recrutando os melhores atletas do Exército, Marinha e Aeronáutica. A disciplina militar também era aplicada nos mínimos detalhes: os jogadores eram proibidos até de dirigir automóveis durante a temporada e, como quase todos moravam nas imediações do estádio, chegavam até ele caminhando nos dias de jogos.


Foi Montgomery, aliás, o responsável por mudar as cores das meias do uniforme, de pretas para as vermelhas, usadas até hoje, em homenagem aos soldados britânicos mortos durante a guerra. Nesse período, o time também trocou de técnico: Jack Tinn deixou o cargo em 1947, após duas décadas no cargo, sendo substituído por Bob Jackson. A equipe, porém, era tida como modesta e sem chances de título, pelos poucos investimentos feitos.


O ponteiro reserva Lindy Delapenha: raro jogador negro no futebol inglês de então.

No time titular, quatro jogadores haviam servido às forças britânicas durante a guerra: o goleiro Ernest Butler e o meia-esquerda Len Phillips eram da Marinha, assim como o médio-direito Jimmy Scoular, escocês que trabalhava como engenheiro naval em um submarino. Já o ponta-esquerda Jack Froggatt era da Força Aérea britânica. E entre os reservas, havia o ponteiro jamaicano Lindy Delapenha, um dos raros jogadores negros no futebol do país antes dos anos 70, e que havia servido ao Exército britânico no Oriente Médio.


Completavam o time uma mistura de veteranos do período anterior à guerra e pratas da casa lançados no time com a volta das competições. À frente de Butler jogavam Phil Rookes e Harry Ferrier, zagueiros direito e esquerdo, respectivamente, além do central Reg Flewin, que fazia o terceiro homem da defesa no clássico sistema WM adotado na época. A dupla de médios era formada por Jimmy Scoular e Jimmy Dickinson, revelação da base.


O quinteto ofensivo, ao início da campanha, contava com os pontas Peter Harris, outro prata-da-casa, pela direita e Jack Froggatt pela esquerda, os meias Bert Barlow e Len Phillips e o escocês Duggie Reid vestindo a camisa 9. Em novembro, porém, o clube fez sua única contratação, pagando sete mil libras pelo centroavante Ike Clarke, do West Bromwich Albion. Reid foi para a reserva antes de voltar, na reta final, como meia no lugar de Barlow.


Sem ser badalado, o Portsmouth teve estreia discreta, empatando em 2 a 2 na visita a um Preston North End que acabaria rebaixado. Mas começou a causar sensação na rodada seguinte, ao golear o Everton por 4 a 0. Uma semana depois, quando foi ao Goodison Park para enfrentar novamente os Toffees e aplicou uma goleada ainda maior (5 a 0), imprensa e público já estavam propriamente boquiabertos. E a marcha seguiria por um bom tempo.


As duas goleadas fizeram parte de uma série de seis vitórias seguidas sem sofrer gol. Depois de acumular empates em visitas ao Middlesbrough, Manchester City e Aston Villa, o time chegou a 13 jogos sem derrota desde o início da campanha ao bater o Sunderland em casa por 3 a 0 no dia 16 de outubro. No entanto, o primeiro revés (3 a 0 para o Wolverhampton no Molineux) daria início a um período turbulento, com cinco partidas sem vencer.


A recuperação veio em 27 de novembro com goleada de 4 a 1 sobre um Arsenal que brigava nas primeiras posições. Dali em diante, até o fim do ano, o time não perderia mais, fechando seu calendário com duas vitórias sobre o Chelsea (2 a 1 em Stamford Bridge no dia de Natal e 5 a 2 no Fratton Park dois dias depois) e reassumindo a liderança, um ponto à frente de seus maiores adversários naquela disputa, o Derby County e o Newcastle.


O ponta Peter Harris (à esquerda) encara o Bolton.

O ano de 1949 começou com derrota para o Burnley por 2 a 1 fora de casa, mas a liderança não foi perdida com uma dose de sorte, pelas derrotas do Newcastle para o Preston e do Derby para o Sheffield United. O mês de janeiro marcaria também o início da participação na FA Cup, torneio no qual o Pompey chegou longe, alimentando por alguns meses o sonho da dobradinha inglesa, feito inédito no século até aquele momento.


Depois de eliminar em casa três equipes de divisões inferiores – Stockport (7 a 0), Sheffield Wednesday (2 a 1) e Newport County (3 a 2) –, o Portsmouth despachou o Derby nas quartas de final, vencendo por 2 a 1 com dois gols de Ike Clarke, novamente no Fratton Park. Nas semifinais, porém, acabou surpreendido pelo Leicester (que fazia campanha contra o descenso na segunda divisão), perdendo por 3 a 1 no campo neutro de Highbury.


Na liga, a equipe seguia de vento em popa: entre 15 de janeiro e 6 de abril, somou oito vitórias em nove jogos. A sequência após o único revés do período (3 a 1 para o Sheffield United fora de casa) foi impecável: 3 a 0 no Aston Villa, 4 a 1 no Sunderland no Roker Park, 1 a 0 no confronto direto com o Derby, 3 a 2 no Liverpool e, por fim, o outro jogo decisivo na briga pelo título, que se tornou um capítulo à parte na campanha.


O estádio de St. James’ Park recebeu mais de 60 mil torcedores – um dos maiores públicos da temporada de maior público em todos os tempos na liga inglesa – para apoiar o Newcastle, então o único a se manter na perseguição ao líder Portsmouth. Os Magpies somavam apenas três pontos a menos, embora tivessem feito um jogo a mais. Vencer seria fundamental para se aproximar do ponteiro e reacender a briga pelo título.


No entanto, o que se viu naquela quarta-feira, 6 de abril, foi um autêntico baile do Portsmouth, que cruzou o país do sul ao norte para aplicar uma inesquecível goleada por 5 a 0, com seus pontas em dia de goleadores. Peter Harris marcou dois e Jack Froggatt deixou um hat-trick nas redes alvinegras. E um detalhe: os cinco gols foram marcados de cabeça. A vantagem do Pompey aumentava para cinco pontos e um jogo a menos.


A distância para o segundo colocado era tão confortável que o time se deu ao luxo de perder dois dos seus quatro jogos seguintes (nas visitas ao Blackpool e ao Birmingham). Mas entre um e outro, venceu os outros dois – ambos em casa – atuando em dias seguidos: bateu o próprio Birmingham (3 a 1) em 15 de abril e goleou um bom time dos Wolves (5 a 0) no dia 16. Foi o suficiente para sacramentar a conquista dali a uma semana.


Em 23 de abril, enquanto o Newcastle não conseguia mais que o empate em 1 a 1 com o Liverpool em Anfield, o Portsmouth assegurava o primeiro título inglês de sua história batendo o Bolton no Burnden Park por 2 a 1, gols de Peter Harris e Ike Clarke. Com a taça na mão, o Pompey ainda venceu o Huddersfield por 2 a 0 em seu último jogo em casa, antes de relaxar e perder por 3 a 2 nas visitas ao Arsenal e ao Manchester United.


Foi uma conquista de números indiscutíveis: o Portsmouth terminou cinco pontos à frente do vice-campeão Manchester United (que correu por fora e superou o Newcastle na reta final) e invicto em seu estádio de Fratton Park. Teve ainda o melhor ataque, sendo o único da primeira divisão a superar a marca dos 80 (balançou as redes 84 vezes), e sua defesa foi a segunda menos vazada (42 gols sofridos), atrás apenas da do Birmingham.


Logo após a temporada, Jimmy Dickinson, Peter Harris e Jack Froggatt estreariam pela seleção inglesa, ainda que apenas o primeiro tenha chegado a disputar não só a Copa do Mundo de 1950, no Brasil, como também a de 1954, na Suíça, sempre como titular. Mais tarde, Len Phillips também vestiria a camisa do English Team em amistosos, assim como faria Jimmy Scoular pela Escócia.


No ano seguinte, com praticamente o mesmo time, o Portsmouth se sagraria bicampeão inglês numa disputa mais acirrada que a anterior e decidida apenas na última rodada e pelo critério do goal average (divisão dos gols marcados pelos sofridos). Tornaria-se também o primeiro e um dos cinco times a conquistarem títulos consecutivos da liga desde a Segunda Guerra Mundial até os dias atuais. Mas essa já é história para ser contada em outra ocasião.

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