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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Há 50 anos, Manchester United era o primeiro inglês a vencer a Copa dos Campeões


Com o lendário Sir Matt Busby ao centro da primeira fila, o elenco do Manchester United posa com a primeira "orelhuda" levantada pelo clube - e pelo futebol inglês.

Foi uma noite inesquecível para o futebol inglês, a de 29 de maio de 1968, há exatos 50 anos nesta terça-feira. Com uma equipe que aliava determinação e talento, o Manchester United batia o Benfica por 4 a 1 na prorrogação em Wembley e se tornava o primeiro clube do país a conquistar a Copa dos Campeões. Comandada pelo lendário Matt Busby e concretizada em campo por astros como Bobby Charlton e George Best, a conquista teve a marca do pioneirismo, mas também acertava contas com uma triste lembrança do passado do clube, ao mesmo tempo em que encerrava um ciclo.


Em suas 11 edições iniciais, a Copa dos Campeões parecia de posse exclusiva de clubes latinos. Começou com o penta do Real Madrid de Di Stefano logo nas cinco primeiras temporadas. A seguir veio o bicampeonato do Benfica de Eusébio. O título do Milan, em 1963, foi seguido por dois da rival Inter de Milão em três anos de hegemonia italiana. E a sexta conquista do Real Madrid, em 1966, veio arrematar este período, fechado de vez com a vitória do Celtic de Jock Stein sobre a Inter de Helenio Herrera no ano seguinte.


Aquela conquista também representava a primazia dos escoceses dentro das ilhas britânicas. E os ingleses se viram obrigados a responder à altura, especialmente o Manchester United, que representaria o país na temporada 1967-68 do torneio. Os Red Devils eram então o time do país que havia obtido os melhores e mais constantes resultados na competição – da qual desde o seu início fizeram questão de participar, inclusive entrando em conflito com a Football Association, que já havia demovido o Chelsea da intenção de disputar a edição inaugural.


Pedido bem-humorado da torcida dos Red Devils em Wembley: Matt Busby para primeiro-ministro britânico.

O time dirigido pelo lendário Matt Busby havia parado nas semifinais três vezes. Na primeira, em 1956-57, os chamados “Busby Babes” despacharam Anderlecht, Borussia Dortmund e Athletic Bilbao antes de caírem para o Real Madrid. Na edição seguinte – marcada pela tragédia aérea de Munique, ocorrida justamente quando a delegação retornava de Belgrado, onde havia eliminado o Estrela Vermelha – o algoz foi o Milan. E na terceira, em 1965-66, a frustração veio com uma insuficiente vitória em casa por 1 a 0 sobre o também iugoslavo Partizan.


DE NOVO, TENTANDO O SONHO


Outros dois times ingleses lendários também haviam caído naquela fase: o Tottenham de Bill Nicholson em 1962, derrotado pelo Benfica, e o Liverpool de Bill Shankly em 1965, eliminado pela Inter de Milão. As conquistas continentais do país haviam vindo apenas na Recopa, levantada pelos Spurs em 1963 e pelo West Ham em 1965. E havia sido justamente ao golear os Hammers por 6 a 1 em pleno Upton Park, em 6 de maio de 1967, que os Red Devils conquistaram o título inglês que os credenciariam de novo como representantes nacionais na Copa dos Campeões.


A volta olímpica pela conquista da liga em 1967.

Dali a pouco mais de quatro meses, a nova campanha europeia começaria, com uma goleada de 4 a 0 sobre o modesto Hibernians, de Malta, seguida uma semana depois por um empate sem gols no infame campo de terra batida do Empire Stadium, em Gzira. Nas oitavas, a classificação diante do FK Sarajevo, campeão iugoslavo, foi mais apertada: depois de outro empate em 0 a 0 fora no jogo de ida, o United abriu 2 a 0 na volta, antes de os visitantes descontarem no fim.


Nas quartas também não houve moleza: a vitória por 2 a 0 diante dos poloneses do Gornik Zabrze em Old Trafford viria com um gol contra e outro de Brian Kidd no último minuto. Na volta, com o gramado do estádio de Chorzow coberto de neve, o atacante Wlodzimierz Lubanski anotou o único gol do jogo, que, no entanto, não impediu a classificação dos Red Devils. Mas o grande desafio só viria mesmo nas semifinais, quando o time reencontraria o Real Madrid, ganhando a oportunidade de uma revanche da eliminação de 11 anos antes.


A REVANCHE CONTRA OS MERENGUES


O primeiro jogo, em Old Trafford, seria decidido aos 36 minutos do primeiro tempo, quando o ponta John Aston cruzou da linha de fundo para George Best bater com força, da marca do pênalti, decretando o 1 a 0. O resultado, porém, era considerado magro para ser defendido no jogo de volta, no mitológico Santiago Bernabéu, diante de um adversário que ainda contava com o veterano ponta Francisco Gento, remanescente do primeiro duelo, além de uma nova leva de talentos, como o defensor Manolo Sanchís, os meias Pirri, Zoco e Velásquez e o ponta Amancio.



Ainda mais com o desfalque de Denis Law, atacante escocês que formava a chamada “Santíssima Trindade” dos ídolos e craques do clube ao lado de Best e Charlton. Sua ausência, por uma uma persistente lesão no joelho que demandou duas operações somente ao longo daquela campanha, era um peso a mais para a equipe. E seu substituto no lado esquerdo do ataque seria exatamente John Aston, produto das categorias de base do clube e filho de um homônimo ex-jogador e então membro da comissão técnica do clube.


Para completar, a partida de Madri viria quatro dias depois da perda do título inglês para o rival Manchester City. Depois de liderarem a liga boa parte da temporada, o time começou a tropeçar na reta final, deixando a taça escapar de vez numa última rodada decepcionante, em que acabou batido em casa pelo Sunderland, enquanto os Citizens derrotaram o Newcastle no St. James’ Park num jogo insano, cuja história já foi contada aqui.


O time do jogo da volta contra o Real Madrid no Bernabéu. Em pé: Nobby Stiles, Pat Crerand, Shay Brennan, Alex Stepney, Bobby Charlton e Bill Foulkes. Agachados: Tony Dunne, Brian Kidd, David Sadler, George Best e John Aston.

E de fato, o placar da ida parecia insuficiente em vista da etapa inicial da partida em Madri. Os merengues abriram o placar aos 32 minutos com um gol de cabeça de Pirri após cobrança de falta e ampliaram com Gento aproveitando uma furada de Brennan. O United ainda descontou num outro erro, agora de Zoco, que desviou a bola contra as próprias redes aos 43. Mas ainda antes do intervalo, um chutaço de Amancio após rebatida da defesa tornava a ampliar para o Real Madrid.


Conta a lenda que, nos vestiários, Matt Busby teria instigado seus jogadores afirmando que “se vamos perder, então que seja por 6 a 2 em vez de 3 a 2” – já que o resultado era adverso de qualquer forma, então que partissem para o ataque. A reação começou a acontecer aos 28, quando Brennan cobrou falta para a área, Best desviou de cabeça e Sadler aproveitou um cochilo da zaga madridista para descontar.


Na ocasião, o placar de 3 a 2 levaria a decisão da vaga para um terceiro jogo em campo neutro (os gols fora de casa ainda não eram considerados para aquela fase). Mas ele deixaria de ser necessário a dez minutos do fim, quando George Best ganhou a jogada pela ponta direita, foi à linha de fundo e cruzou para trás. O zagueiro Bill Foulkes, sobrevivente de Munique, bateu firme, empatando o jogo em 3 a 3, silenciando a torcida e levando os companheiros ao delírio.



O FINALISTA PIONEIRO


Pela primeira vez uma equipe inglesa chegava à decisão do principal torneio de clubes da Europa. E o adversário na final seria outro velho conhecido, o Benfica. Os Red Devils já haviam despachado os Águias dois anos antes, na mesma competição: uma vitória por 3 a 2 em Old Trafford foi seguida por uma goleada histórica de 5 a 1 sobre o time de Eusébio dentro do Estádio da Luz, numa atuação demolidora de George Best.


Ao duro e desdentado volante Nobby Stiles, seria atribuída mais uma vez a mesma missão que teve na ocasião e também meses depois, na semifinal da Copa do Mundo entre Inglaterra e Portugal, disputada no mesmo estádio de Wembley que receberia agora a final da copa europeia: grudar em Eusébio como um carrapato, anulando-o de todas as formas.


O time para a final teria Alex Stepney no gol. Na linha de quatro defensores, os irlandeses Shay Brennan e Tony Dunne ocupavam as laterais direita e esquerda, respectivamente, enquanto Bill Foulkes e David Sadler (jogador versátil que também podia atuar no ataque) formavam a dupla de zaga. No meio, Stiles jogava ao lado do dinâmico Pat Crerand, enquanto Bobby Charlton fazia a ligação do setor com o ataque. Na frente, George Best atuaria pela direita, com John Aston pelo outro lado e o jovem Brian Kidd pelo centro.


Os capitães Bobby Charlton e Mário Coluna trocam flâmulas antes do sorteio inicial.

Mas, mais do que 11 jogadores, também entrava em campo uma vontade forte, ainda que tácita: vencer o torneio significava honrar os heróis e colegas perdidos no desastre aéreo dez anos antes. “Ninguém nunca disse ‘Vamos lá ganhar a Copa dos Campeões pelos garotos que deixamos para trás em Munique’. Nada tão óbvio assim. Mas estava lá. Havia o desejo de conquistar a Copa dos Campeões e todos nós sentíamos isso”, relembrou David Sadler em entrevista de 2013.


A DECISÃO


Talvez por essa carga de responsabilidade, o United não fez um bom primeiro tempo e assistiu ao Benfica criar as duas chances mais perigosas da etapa: uma bola de Eusébio no travessão e uma cobrança de falta bem defendida por Stepney. Na etapa final, o ânimo era outro. E logo aos oito minutos, após cruzamento do zagueiro Sadler (que vestia a camisa 10), Bobby Charlton desviou numa rara cabeçada, tirando do alcance de José Henrique.


Mas o Benfica era um time experiente e de grande qualidade. Basta lembrar que todos os seus jogadores do meio para frente – o que incluía, além de Eusébio, nomes como o elegante meia Mário Coluna e o grandalhão atacante José Torres – haviam sido titulares da grande seleção portuguesa terceira colocada na Copa do Mundo disputada em solo inglês dois anos antes (e treinada, assim como o clube, pelo brasileiro Oto Glória). Assim, arrancariam o empate aos 34 minutos, com gol do meia Jaime Graça.


E nos minutos finais, os lusos poderiam ter virado, na chance de gol mais nítida do jogo, quando Eusébio foi lançado no meio da defesa, arrancou sozinho e soltou um petardo, defendido brilhantemente por Stepney – que recebeu aplausos do Pantera Negra após o lance. Mas na prorrogação, o Benfica parecia exausto. Nisso capitalizou o United, que saiu na frente logo aos dois minutos num golaço de Best, que recebeu lançamento, tirou o zagueiro Jacinto, driblou o goleiro José Henrique e tocou para o gol vazio.


Dois minutos depois, o United matava um pouco mais o Benfica: após um escanteio, a bola escorada chegou ao centroavante Brian Kidd, que completava 19 anos naquele dia. José Henrique deteve a primeira cabeçada, mas não a segunda, e o United chegava ao terceiro gol, praticamente campeão. A confirmação viria ainda naquele primeiro tempo da prorrogação: aos nove, Bobby Charlton passou a Kidd, que fez bela jogada pela ponta direita e cruzou para o capitão dos Red Devils bater cruzado, marcando seu segundo na partida e o quarto de seu time.


Daí em diante, era só esperar o apito final. Quando ele veio, Wembley já explodia em celebração. Enquanto isso, no gramado, Bobby Charlton, sobrevivente de Munique, chorava copiosamente nos braços de Matt Busby, numa lágrima que era compartilhada com todo o país. Dez anos depois, a missão de dar ao clube o que os Busby Babes não puderam ganhar – e especialmente vencer em nome deles – estava cumprida.


Charlton levanta a taça: honra e pioneirismo.

O DECLÍNIO


E era exatamente um fim de ciclo. Na temporada seguinte, o time deixaria escapar a chance do bicampeonato continental perdendo para o Milan por 2 a 0 no San Siro antes de vencer por apenas um gol em Old Trafford. Na liga, terminaria numa apagada 11ª colocação. Aquela seria a última temporada de Matt Busby como treinador antes de assumir um cargo de direção e entregar o comando do time a Wilf McGuinness.


Apesar de levar o time a uma colocação melhor na liga (oitavo lugar) em sua primeira temporada, McGuinness acabaria demitido em dezembro de 1970 para um breve retorno de Matt Busby, interinamente até o fim da campanha. Frank O’Farrell, o técnico seguinte, também ficaria cerca de 18 meses, entre julho de 1971 e dezembro de 1972, caindo após uma goleada de 5 a 0 para o Crystal Palace. Para o posto, viria o escocês Tommy Docherty.


O grande time também se desmantelaria aos poucos. Eleito o melhor jogador da liga inglesa e da Europa em 1968, George Best logo começaria a se envolver em problemas disciplinares. Bobby Charlton se retiraria dos gramados em 1973 para assumir o comando do Preston (antes de voltar brevemente, defendendo o clube de Lancashire).


Denis Law trocaria o Manchester United pelo rival City (onde havia iniciado a carreira) em 1973, a tempo de marcar com o calcanhar – e não comemorar – o gol que selou o rebaixamento dos Red Devils, em abril do ano seguinte, num derby em Old Trafford. Do time campeão europeu, só restavam então Stepney e Brian Kidd, além de aparições bastante esporádicas de Best e Sadler.


Somente em 1977 o time voltaria a levantar uma taça, ao derrotar o Liverpool na decisão da FA Cup em Wembley, com uma equipe bastante jovem e promissora dirigida por Tommy Docherty. Na Europa, a conquista seguinte viria em 1991, com o título da Recopa, batendo o Barcelona em Roterdã. E na Copa dos Campeões, agora renomeada Liga dos Campeões, o segundo título chegaria em 1999, numa final épica diante do Bayern de Munique. Ambos os canecos conquistados sob a batuta de Alex Ferguson, legítimo herdeiro de Matt Busby.


Abaixo, dois vídeos com os gols e outros lances da final. O primeiro, em preto e branco, traz a transmissão original da BBC narrada pelo lendário Kenneth Wolstenholme – a quem o site homenageia em seu nome – e o segundo, em cores, é o cinejornal produzido pelo British Pathé. Duas relíquias do futebol britânico. Divirtam-se!





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