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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

O mágico Dixie Dean e seus históricos 60 gols pelo Everton na liga

Atualizado: 6 de mai. de 2018


O futebol atual parece viver de quebrar recordes dos mais diversos tipos, sejam pontos, campanhas, gols, transferências, conquistas. Mas uma marca, pelo menos, dificilmente será superada tão cedo. Os incríveis 60 gols em 39 jogos marcados por William “Dixie” Dean pelo Everton somente no Campeonato Inglês na temporada em que os Toffees levantaram seu terceiro título, em 1927-28.


A marca foi estabelecida há exatos 90 anos, em 5 de maio de 1928, e perdura como recorde deste então, superando ainda em mais de uma dezena de tentos os números mais próximos na divisão de elite. Dean, no entanto, por pouco não chegou a aquela quantia e teve outra marca como motivação especial para encher as redes dos adversários. Contamos agora a fabulosa história do feito e de seu autor.


O COMEÇO DA CARREIRA


William Ralph Dean nasceu em 22 de janeiro de 1907 na cidade de Birkenhead, península de Wirral, região de Merseyside, e despontou para o futebol no clube local, o Tranmere Rovers, pelo qual assinou como profissional em novembro de 1923, aos 16 anos. Em sua primeira temporada como titular, a de 1924-25, já impressionou no campeonato da terceira divisão ao marcar 27 vezes em igual número de partidas. Foi também no Tranmere que sofreu a primeira de suas lesões, digamos, delicadas: perdeu um testículo ao levar uma entrada dura de um defensor do Altrincham, num jogo entre reservas.


O faro de gol do garoto de Birkenhead chamou a atenção de diversas equipes. Em março de 1925, ainda com a temporada em andamento, o Everton superou a concorrência do Newcastle (então um dos clubes mais ricos da Inglaterra) para trazer o atacante de recém-completos 18 anos para Goodison Park. Não foi tão difícil, na verdade: ele era torcedor fanático dos Toffees desde os oito anos de idade e nem procurou disfarçar o entusiasmo quando recebeu a proposta. Em sua primeira temporada completa no novo clube, a de 1925-26, “Dixie” Dean marcou 32 gols em 38 jogos.


Há muitas versões para a origem e o significado do apelido “Dixie”, mas a mais comumente aceita é a de que ele vinha da pele mais escura e dos cabelos crespos do jogador, remetendo aos norte-americanos do sul daquele país. Conta-se que Dean detestava o apelido (o qual recebera ainda na adolescência) e preferia ser chamado de “Bill”. Conta-se ainda que ele chegara a sofrer ofensas raciais em alguns jogos, com os torcedores rivais questionando sua origem étnica, já que tanto sua pele quanto seu cabelo eram dois traços pouco usuais entre os britânicos da época e levantavam suspeitas de mestiçagem.


SUPERANDO ATÉ O RISCO DE MORTE


Ótimo finalizador, Dean era particularmente magnífico no jogo aéreo, utilizando seu extraordinário porte físico. Foi também graças a sua saúde de ferro que ele se recuperou de outro momento bastante delicado. Em junho de 1926, sofreu um acidente de motocicleta que causou fratura do crânio e da mandíbula, além de uma severa concussão cerebral. Corria sério risco de morte. Sobreviveu. Mesmo recuperado, acreditava-se que dificilmente jogaria futebol outra vez. Quatro meses depois, já marcava um gol de cabeça numa partida dos reservas do Everton contra os do Huddersfield.


Sua volta ao time principal dos Toffees salvou uma campanha que quase levou o clube ao rebaixamento. Com 21 gols em 27 partidas na liga (incluindo quatro numa vitória por 5 a 4 sobre o Sunderland no dia de Natal de 1926), puxou o Everton para fora da zona da degola, terminando logo acima dos condenados Leeds e West Bromwich Albion. Os torcedores brincavam dizendo que sua cabeçada agora estava ainda mais forte graças a uma placa de metal supostamente inserida pelos médicos.


Aquela mesma temporada 1926-27 também foi marcada por um recorde espantoso: George Camsell, centroavante do Middlesbrough, balançara as redes nada menos que 59 vezes só no campeonato da segunda divisão (no ano anterior, mesmo com o descenso do Boro, ele já havia anotado 33). A quantia foi logo considerada insuperável, para todas as divisões – para se ter uma ideia, contabilizando-se as duas primeiras categorias, a marca dos 40 gols só havia sido superada uma vez, um ano antes, pelos 43 marcados na elite por Ted Harper, do Blackburn. “Dixie” Dean, porém, tinha outras ideias.


NA SELEÇÃO


Na primeira metade do ano de 1927, o atacante do Everton já impressionara em suas cinco exibições pela seleção inglesa. Anotara nada menos que 12 gols: dois no empate em 3 a 3 com o País de Gales em Wrexham, os dois da vitória por 2 a 1 sobre a Escócia no Hampden Park, três contra a Bélgica na goleada de 9 a 1 em Molenbeek, outros três nos 5 a 2 sobre Luxemburgo no ducado e outros dois numa surra de 6 a 0 sobre a França em pleno estádio de Colombes, em Paris. Seria um ótimo aquecimento para a temporada seguinte da liga nacional.


O atacante começou acumulando gols de grão em grão. Marcou um em cada um dos três primeiros jogos. Depois passou a anotar dois por jogo, contra o Birmingham, o Newcastle, o Huddersfield e o Tottenham. Até explodir de vez: em 8 de outubro, o Everton recebeu o Manchester United em Goodison Park e goleou por 5 a 2. Dean anotou os cinco. Seu faro de gols era tamanho que pareceu ter contagiado até mesmo seus companheiros: duas semanas depois, ele desfalcou o time na importante partida em casa contra o líder West Ham por estar jogando pela seleção. Mas quem ficou deu conta do recado: deu Everton 7 a 0.


Ao voltar, contra o Portsmouth fora de casa, Dean deixou um hat-trick nas redes do Pompey. Os 3 a 0 alçaram os Toffees à liderança do campeonato. No jogo seguinte, mais um hat-trick nos 7 a 1 sobre o Leicester em Goodison Park. Antes do fim do ano ainda anotaria três gols em mais um jogo, na vitória por 3 a 2 sobre o Aston Villa em Birmingham. Seu desempenho fora do estádio dos Toffees, aliás, era digno de nota: até o Natal, ele havia marcado em todos os nove jogos como visitante (ao todo, 17 gols).


ALCANÇANDO A PRIMEIRA GRANDE MARCA


Na virada do ano, o Everton já tinha quatro pontos de frente sobre o vice-líder Huddersfield. E “Dixie” Dean somava 35 gols na liga. O time começou a derrapar na metade de janeiro, iniciando uma série de nove jogos sem vitória. Mas o centroavante ainda teve tempo de igualar seu primeiro recorde – e em um dos melhores lugares possíveis: em Anfield, o clássico contra o Liverpool terminou empatado em 3 a 3. Dean anotou os três dos Toffees. Com eles, alcançava os 43 de Ted Harper, maior artilheiro da primeira divisão em uma única temporada. E o garoto de Birkenhead, que havia acabado de completar 21 anos, ainda teria todo o resto da campanha pela frente.


Estranhamente, no entanto, sua fonte pareceu ter secado logo em seguida. O time não saiu do zero com o West Ham em Londres. Depois, sem o centroavante, empatou sem gols com o Portsmouth. E, com ele de volta, ainda perderia por 1 a 0 nas visitas ao Manchester United e ao Leicester. A nove jogos do fim do campeonato, o Huddersfield desalojara os Toffees da ponta da tabela. E Dean empacara nos 43 gols – uma ótima marca por si só, mas ainda longe de ameaçar o inatingível recorde de George Camsell.


No empate em 2 a 2 com o Derby County em casa, em 24 de março, o atacante voltou a marcar os dois gols de sua equipe. No jogo seguinte (pela terceira e última vez sem Dean), o Everton enfim encerrou o jejum de vitórias ao bater o Sunderland fora por 2 a 0. Com os respectivos pesos retirados das costas, jogador e equipe arrancaram juntos para um desfecho fantástico na liga.


A SEQUÊNCIA FINAL ARRASADORA


No mês de abril, o jovem goleador marcou em todos os seis jogos. Fez dois na goleada de 4 a 1 sobre o Blackburn e anotou o gol de empate em 1 a 1 com o Bury. Em Sheffield, fez mais dois na vitória de 3 a 1 sobre o United local. De volta a Goodison Park, fez mais um nos 3 a 0 sobre o Newcastle e também nos 3 a 2 diante do Aston Villa. E se alguém havia apostado contra a quebra do recorde, colocou as barbas devidamente de molho em 28 de abril, quando o Everton, em seu penúltimo jogo da tabela, bateu o Burnley fora de casa por 5 a 3, com quatro gols de “Dixie” Dean – que chegava assim aos 57.


Naquela altura, na corrida pelo título, era o Huddersfield que já havia despencado, ficando três pontos atrás dos Toffees com apenas dois jogos pela frente. Em 2 de maio, os Terriers foram batidos pelo Aston Villa por 3 a 0 em Birmingham, encaminhando a taça para Merseyside. Na última rodada, três dias depois, a grande atração era mesmo o desafio da artilharia, com o Everton recebendo o Arsenal.


Dean salta para marcar o gol histórico diante do Arsenal.

Diante de 60 mil torcedores, os Toffees saíram atrás logo aos dois minutos, mas empataram no lance seguinte, quando Ted Critcheley cobrou escanteio e George Martin serviu “Dixie” Dean, que tocou com calma, de cabeça, vencendo o goleiro Bill Paterson. Apenas dois minutos depois, veio a chance da virada, quando Dean foi calçado na área pelo zagueiro Bob John. Pênalti marcado, pênalti convertido pelo artilheiro. E a marca inigualável de George Camsell já era alcançada apenas 12 meses depois.


Bill Paterson ainda impediria um bom número de chances do centroavante do Everton ao longo do jogo. O Arsenal empataria perto do fim do primeiro tempo, num chute de Joe Hulme que desviou em Jack O’Donnell. E o 2 a 2 seguiria até os 38 minutos da etapa final. Até que veio o momento histórico: Alec Troup alçou uma bola na área e Dean subiu mais que toda a defesa para marcar seu histórico 60º gol na liga naquela temporada (e o 40º de cabeça). O Goodison Park entrou em tamanho êxtase que muitos torcedores invadiram o campo, o que na época não era tão comum.


A atmosfera arrepiante permaneceu pelo estádio nos minutos finais e não foi arrefecida nem mesmo com o gol de empate do Arsenal no último minuto. Naquele momento, aliás, Dean nem estava mais em campo. Após marcar seu gol do recorde, cumprimentou o árbitro e deixou o gramado: “Para mim, já me basta. Estou saindo”, disse o atacante, antes de caminhar para os vestiários aplaudido de pé pelos torcedores.


DEPOIS DO RECORDE


Nas duas temporadas seguintes, “Dixie” Dean se veria às voltas com lesões um tanto frequentes, mas continuaria balançando as redes com regularidade sempre que estivesse em campo. O Everton, no entanto, sentiria mais a falta de seu goleador, perfazendo trajetória errática: ficaria apenas na 18ª colocação na campanha seguinte e acabaria rebaixado em 1930, dois anos depois de levantar o título. Dean então recuperaria a forma, com a montanha russa dos Toffees agora em alta. Venceria o campeonato da segunda divisão em 1931 e o da primeira logo no ano seguinte, além da FA Cup em 1933.


Ídolo do povo e garoto-propaganda dos mais diversos produtos, o artilheiro permaneceria em Goodison Park até 1937, totalizando estupendos 383 gols em 433 partidas pelo clube. A carreira seria encerrada após curtas passagens por Notts County, Sligo Rovers (da Irlanda) e o pequeno Hurst, da liga regional de Cheshire. Com a aposentadoria dos gramados, chegou a abrir um pub em Chester. Mais tarde, nos anos 70, começou a sofrer de problemas de saúde e teve a perna direita amputada.


Em março de 1980, após jantar com o velho amigo Bill Shankly, ex-técnico do rival Liverpool e seu contemporâneo como jogador, sofreu um infarto nas tribunas do Goodison Park durante um derby de Merseyside, falecendo poucas horas depois, aos 73 anos. Em maio de 2001, o Everton inauguraria uma estátua do jogador. No ano seguinte, ele seria indicado entre os nomes inaugurais do Hall da Fama do futebol inglês. E viraria ainda nome de prêmio, entregue ao melhor jogador dos clubes de Merseyside em cada temporada. Justo reconhecimento para um dos maiores atletas da região e do país em todos os tempos.

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