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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Os 60 anos de Neville Southall, lendário goleiro da última grande fase do Everton


Durante 16 anos, ele foi uma garantia de solidez no gol do Everton. Impressionante combinação de coragem, confiança, segurança e ótimos reflexos, o galês Neville Southall – que completou 60 anos no último domingo – esteve entre os melhores goleiros não só do futebol inglês como de toda a Europa na década de 80. Lenda dos Toffees, “Big Nev” foi o jogador que mais vezes vestiu a camisa do clube na história, atuando entre 1981 e 1997. E foi instrumental no último grande período de glórias para o lado azul de Merseyside.


Nascido na cidade litorânea de Llandudno, no norte do País de Gales, Southall desde criança foi apaixonado por futebol e jogava como goleiro já em seu time de escola, mas não pensava que seguiria carreira profissional no esporte. Queria ser carteiro, mas acabou trabalhando de garçom, lixeiro (o que inspirou o título de seu livro de memórias, “The Binman Chronicles”) e ainda na construção civil. Manteve, porém, uma trajetória como arqueiro de algumas equipes semi-profissionais, até assinar com o Bury em 1980. Tinha quase 22 anos.


O novo profissional acabaria se tornando o grande destaque em uma temporada sem brilho dos Shakers. Eleito o jogador do ano e o jogador jovem do ano do clube, chamou a atenção de equipes maiores. No verão inglês de 1981, Howard Kendall, técnico do Everton, pagou £150 mil para trazê-lo ao Goodison Park, onde, de início, disputaria um espaço com os outros três goleiros do elenco – entre eles Seamus “Jim” McDonagh, titular da seleção da Irlanda e recém-contratado ao Bolton. Foram dois anos entrando e saindo do time antes de sua afirmação.


Sua primeira temporada como titular absoluto viria mesmo em 1983-84. O Everton passou por maus momentos naquela campanha, e Howard Kendall esteve perto de cair. Mas o time reagiu, terminou em sétimo na liga e empreendeu uma campanha vitoriosa na FA Cup, batendo o Watford na final. A conquista mudou radicalmente as ambições do clube. Na temporada seguinte, o time brigou por títulos em três frentes – e contou com atuações monumentais de seu goleiro para conquistar duas delas e chegar perto da taça na terceira.


Southall detém com firmeza um ataque do Watford na decisão da FA Cup de 1984.

Na liga, o time cumpriu campanha irretocável, batendo o recorde de pontos (somou 90, 13 a mais que Liverpool e Tottenham) e assegurando a taça ainda faltando cinco jogos por fazer. Na Recopa europeia, os Toffees superaram o poderoso Bayern de Munique na semifinal antes de faturarem o caneco batendo o Rapid Viena na final. O sonho da tríplice coroa só não se concretizou pela derrota para o Manchester United na prorrogação na decisão da FA Cup em Wembley.


A campanha que pôs fim a um jejum de 15 anos na liga foi repleta de momentos espetaculares de Southall, destacando-se as atuações fora de casa contra os principais perseguidores. Contra o Liverpool, ele salvou uma chance cara a cara do artilheiro Ian Rush que garantiu a primeira vitória dos Toffees em Anfield desde 1970. Na visita ao Manchester United (1 a 1), pegou um pênalti de Gordon Strachan. E nos 2 a 1 sobre o Tottenham em White Hart Lane, espalmou de maneira impressionante uma cabeçada à queima-roupa de Mark Falco no último minuto (Confira ao fim do texto um vídeo com sua grandes defesas).


A máxima de que um grande time começa por um grande goleiro valeu totalmente naquele Everton. Além de brilhante sob as traves, Southall também organizava a defesa e era um líder em campo. Embora vários jogadores do time fizessem uma temporada espetacular, a impressionante forma de seu camisa 1 sobressaía de tal modo que ele acabaria escolhido o jogador do ano no país pela Football Writers Association, a associação de cronistas esportivos ingleses.


Acumulando conquistas na última Era de Ouro dos Toffees.

Por essa época, Southall também já era o dono da posição na seleção galesa, que esteve muito perto de se classificar para a Copa de 1986, no México. Um gol de pênalti de Davie Cooper para a Escócia, empatando o jogo no Ninian Park, em Cardiff, encerrou o sonho dos Dragões. Meses depois, também defendendo o País de Gales, Southall sofreu uma fratura no tornozelo que o tirou da reta final da temporada 1985-86 com o Everton. E o time, que novamente brigava pelo título da liga e da FA Cup, sentiu enormemente sua ausência.


Big Nev só retornou aos gramados já com a temporada 1986-87 em andamento. Mas a partir do fim de outubro, quando retomou a camisa 1, voltou a ser decisivo para os Toffees, liderando a equipe para mais uma conquista da liga – para ele, mais saborosa que a anterior, por ter sido mais disputada e pelos problemas enfrentados pelo time como a perda de peças importantes, negociadas ou lesionadas. Suas atuações também valeram um lugar na seleção da temporada feita pela Associação de Jogadores Profissionais do país.


A escolha foi um feito carregado de simbologia, já que Southall destronava o antes intocável Peter Shilton, que havia encabeçado a seleção nas NOVE temporadas anteriores. E também porque Big Nev iniciava ali sua própria hegemonia: seria eleito novamente o melhor goleiro pelas três temporadas seguintes, até o fim da década, ainda que o Everton perdesse o rumo das conquistas, dando adeus a sua última fase de ouro.


Logo depois do título de 1987, o técnico Howard Kendall trocou o futebol inglês pelo espanhol, assinando com o Athletic Bilbao. Agora comandado por outro ex-jogador do clube, Colin Harvey, o time ficou numa boa quarta colocação, mas distante da briga pelo título. A defesa, pelo menos, funcionou muito bem: Southall sofreu apenas 24 gols nas 32 partidas em que atuou, o que valeu ao goleiro uma nova indicação à seleção do ano.


O Everton esteve perto de levantar uma taça na temporada seguinte, a da FA Cup, mas nem mesmo a boa atuação de Neville Southall pôde evitar a vitória do Liverpool na prorrogação por 3 a 2 em partida muito movimentada. A derrota não impediu, no entanto, que o goleiro fosse mais uma vez eleito para a seleção da temporada, repetindo o feito no ano seguinte, num momento em que o clube já começava a experimentar um declínio competitivo.


O fundo do poço quase veio em 1994, quando o clube só escapou do rebaixamento e da perda de seu status de equipe da elite depois de 40 anos na última rodada, com uma virada espetacular diante do Wimbledon (3 a 2). Um ano depois, o êxtase viria com mais um título da FA Cup, numa campanha irretocável: o Everton (e Southall) só sofreu um gol, de pênalti, ao longo de toda a caminhada. Na final, a equipe derrubou o favorito Manchester United, vencendo por 1 a 0.


Southall faz grande defesa em chute de Ryan Giggs em duelo com o Manchester United.

Além de suportar a pressão dos Red Devils durante toda a partida, os Toffees contaram com outra atuação magistral de seu goleiro: Southall fez milagre ao segurar uma cabeçada de Gary Pallister e depois ao parar dois chutes seguidos de Paul Scholes. Naquele mesmo verão de 1995, Southall foi homenageado em um amistoso contra o Celtic e também condecorado com a Ordem do Império Britânico, recebendo sua insígnia das mãos da Rainha Elizabeth.


Em dezembro de 1997, Southall encerraria sua história como goleiro em Goodison Park, seguindo para o Southend por empréstimo. Dali em diante, passaria por Stoke, Doncaster e Torquay, entre outros clubes, encerrando a carreira em meados de 2001, aos 42 anos. Pouco antes de deixar o Everton, também faria seu último jogo pela seleção galesa, em agosto, contra a Turquia. Em 15 anos no time nacional, acumularia 92 partidas – recorde ainda hoje – com momentos de brilho, como nas vitórias de 1 a 0 sobre a Alemanha campeã do mundo e o Brasil em 1991.


Pela seleção galesa, desviando um chute do alemão Rudi Völler na célebre vitória de 1991.

Sua personalidade também rendeu várias histórias que perfazem um capítulo à parte. Totalmente avesso à badalação e ao glamour que envolvem o mundo do futebol, abstêmio desde o início da carreira e bastante reservado em sua vida pessoal, Southall sempre foi visto como ermitão, excêntrico ou um tipo “complicado”, de atitudes raras e insólitas no meio esportivo. Como a recusa inflexível a um brinde com bebida alcoólica oferecido pelo técnico Howard Kendall quando da assinatura de seu primeiro contrato com o Everton.


Outro caso sempre lembrado é o que o goleiro protagonizou na rodada de abertura da temporada 1990-91, quando o Everton perdeu em casa para o Leeds. Insatisfeito com sua própria atuação, Southall resolveu não descer para os vestiários. Em vez disso, sentou ao pé da trave para refletir – o que chegou a ser interpretado como um protesto, um pedido de saída do clube ou um gesto de pura excentricidade, tudo negado pelo camisa 1.


Seu desprendimento e desinteresse pelas confraternizações também foi lembrado na ocasião em que faltou a um jantar oferecido pelo clube logo após uma conquista da FA Cup, preferindo ir embora de Wembley dirigindo seu próprio carro até sua casa. Ao deixar o clube, resolveu aceitar o empréstimo ao Southend sem mesmo saber sequer onde ficava aquela cidade.


Hoje, Southall trabalha como educador numa escola galesa e voltou a ganhar espaço na mídia graças a sua conta do Twitter, na qual se posiciona sobre pautas sociais e combate os mais variados tipos de preconceito, incluindo diversos temas tabus no mundo do futebol, conferindo caráter ainda mais sui generis a sua personalidade dentro do jogo.



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