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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Os 70 anos de Sir Trevor Brooking, elegante meia do West Ham e da seleção inglesa


Ao longo dos 17 anos em que Trevor Brooking defendeu o West Ham e dos oito em que ele vestiu a camisa da seleção inglesa, costumava-se dizer que ele flutuava em campo, tal a sua elegância. Quarto jogador a atuar mais vezes pelos Hammers na história e parte de um grupo bastante seleto de personalidades do futebol a receberem da realeza britânica o título de “Sir”, o meia-armador e lenda do esporte britânico chega aos 70 anos nesta terça.


Brooking não era um jogador veloz ou combativo e estava longe de ser um carregador de piano. Mas tinha o poder de controlar o meio-campo e ditar o ritmo do jogo usando a técnica, a inteligência e a visão de jogo. Podia iniciar a saída de jogo à frente da área ou, mais comum, aparecer no campo ofensivo com a bola dominada para dar um passe capaz de abrir buracos nas defesas adversárias. E embora não fosse habitual cabeceador, marcou gols importantes graças ao fundamento.


A trajetória clubística de Brooking é bastante semelhante à do também ex-Hammer, Frank Lampard “Senior”, cuja história foi contada aqui há duas semanas. Nascido apenas 12 dias depois do antigo companheiro de clube, o meia-armador também marcou presença nas grandes empreitadas copeiras as quais o West Ham vivenciou nos anos 70 e 80, relembradas no outro texto. Há, entretanto, duas diferenças notáveis entre suas carreiras.


A primeira é que Brooking era a figura de referência no time claret and blue durante praticamente toda a sua longa trajetória em Upton Park. Durante mais de uma década foi o dono da camisa 10.


A segunda é que a carreira do meia na seleção inglesa foi bem mais consistente do que a do lateral, atuando 47 vezes e participando de uma Copa do Mundo e uma Eurocopa, além de muitas vezes ter estendido seu papel de líder da equipe vivido no West Ham para o English Team.


O INÍCIO


Nascido em Barking, na região de Essex, Brooking era torcedor do West Ham desde criança. Em abril de 1958, aos nove anos, foi levado por seu pai para assistir aos Hammers empatarem em 1 a 1 com o Liverpool em Upton Park. Quando começou a levar a sério a ideia de uma carreira no futebol, chegou a treinar também no Tottenham e no Chelsea, que ofereceu a seus pais um bom dinheiro e um carro para que ele assinasse em definitivo. Mas, além da paixão clubística do garoto, a proposta do West Ham venceu a parada por ser a única que permitia a ele terminar seus estudos.


Embora um pouco mais jovem que Frank Lampard, Brooking estreou antes pelo time principal, em 29 de agosto de 1967, num empate em 3 a 3 com o Burnley no Turf Moor pela quarta rodada do campeonato, num jogo em que curiosamente os gols dos Hammers foram marcados por seus três campeões do mundo com a seleção (Martin Peters, Bobby Moore e Geoff Hurst). A ascensão do garoto foi rápida: nas duas primeiras temporadas, entrou em campo 65 vezes e marcou 17 gols somando todas as competições inglesas.


Uma fratura de tornozelo sofrida num jogo contra o Nottingham Forest em 27 de dezembro de 1969, no entanto, colocou a carreira do jovem meia em risco. Ele voltou ao time em fevereiro, contra o Coventry, mas seu retorno foi considerado precipitado: a lesão se agravou e ele não atuou mais naquela temporada. Chegou a pensar em pendurar as chuteiras aos 21 anos. Mas felizmente conseguiu voltar à forma para a temporada 1970-71. Mas aí seu desafio foi outro: disputar a posição com Tommy Taylor, trazido do Orient.


A AFIRMAÇÃO E A CHEGADA À SELEÇÃO


Sua ascensão, porém, era inexorável e seria confirmada na temporada 1971-72. Dono do meio-campo, atuou 54 vezes, sempre como titular, e marcou sete gols (um deles no duelo épico diante do Stoke em Old Trafford, vencido pelos Potters por 3 a 2, pelo segundo replay da semifinal da Copa da Liga). Coroando sua subida de patamar, foi escolhido o jogador do ano do clube. Na campanha seguinte, quando o West Ham terminou em sexto na liga (seu melhor resultado em 14 anos), Brooking ficou em segundo lugar na votação.


Em alta, passou a ser um jogador cobiçado. Brian Clough desejava contratá-lo para o Derby County. Bill Nicholson queria trazê-lo para o Tottenham. Mas nenhuma proposta foi aceita, e o meia seguiu em Upton Park. A recompensa viria no fim da temporada 1973-74, na qual seu futebol permaneceu acima de qualquer discussão mesmo com o West Ham se limitando a brigar contra o descenso: em abril de 1974, ele seria um dos debutantes na última partida de Alf Ramsey no comando da seleção inglesa, um 0 a 0 com Portugal em Lisboa.


Brooking enfrenta o italiano Marco Tardelli em Wembley, 1977: 42 partidas pelo English Team

No mesmo ano, ele também seria titular em quatro dos sete amistosos nos quais a seleção foi dirigida interinamente por Joe Mercer. Mas seria um dos que sofreriam com a falta de definição do time durante a conturbada passagem de Don Revie entre 1974 e 1977, emendando séries de jogos como titular a longas sequências sem ser convocado. Em 1975, por exemplo, apesar da boa fase no clube com o título da FA Cup, só faria um jogo pelo English Team no fim do ano.


Naquela campanha vitoriosa na taça, além de comandar o meio-campo e dar assistências para gols, Brooking também foi importante ao balançar as redes na difícil vitória por 2 a 1 sobre o Swindon Town fora de casa, no replay pela quarta fase do torneio. E no ano seguinte, durante a campanha que terminaria no vice-campeonato da Recopa europeia, o meia faria um de seus jogos mais memoráveis, contra o Eintracht Frankfurt.


Na partida de ida das semifinais, no Waldstadion, ele já havia feito uma assistência para o gol de Graham Paddon, mas os londrinos teriam dois gols anulados e sofreriam a virada (2 a 1) para a equipe dos campeões mundiais Jürgen Grabowski e Bernd Hölzenbein. Na volta, em 14 de abril de 1975, um dilúvio caiu sobre Upton Park e quase provocou o adiamento da partida, que acabou sendo realizada, mas com gramado bem prejudicado.


Após um insistente 0 a 0 no primeiro tempo, Brooking abriu o placar para o West Ham aos quatro minutos da etapa final com uma rara cabeçada, testando colocado um cruzamento de Lampard da esquerda. O segundo gol nasceu de uma bola recuperada pelo lateral que foi entregue a Brooking. O camisa 10 fez um lançamento primoroso para Keith Robson, que se atrapalhou no domínio, mas compensou com um chute incrível, ampliando a vantagem.


Aos 33, viria o terceiro gol, praticamente selando a classificação, numa linda jogada individual de Brooking. O meia recebeu lançamento de Tommy Taylor quando se infiltrava na defesa alemã, livrou-se do marcador com uma bonita finta de corpo e tocou na saída do goleiro. O Eintracht ainda descontaria, provocando um certo suspense nos minutos finais, mas o West Ham segurou o resultado e foi à decisão, na qual perderia para a forte equipe do Anderlecht em Heysel por 4 a 2.


Normalmente abstêmio, Brooking se rende a um brinde com uma taça de champanhe nos vestiários junto a Pat Holland pela vitória sobre o Eintracht Frankfurt e a passagem à final da Recopa de 1976.

DONO DA 10


A chegada de Ron Greenwood, seu ex-comandante no West Ham, para dirigir a seleção inglesa no segundo semestre de 1977 recolocou a carreira internacional de Brooking nos eixos, e ele passou a ser titular com bem mais frequência. E respondeu com grandes atuações, a começar por sua partida de retorno, após seis jogos de ausência, contra a Itália em Wembley pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1978.


O camisa 10 fez o cruzamento da direita para o gol de cabeça de Kevin Keegan que abriu o placar e depois, numa inversão de papeis, completou o marcador ao receber sozinho na área um passe de Keegan e tocar para as redes, tirando do alcance de Dino Zoff. Infelizmente para os ingleses, aquela vitória não foi o suficiente para obter a classificação para o Mundial, já que os italianos mais tarde derrotariam facilmente a seleção de Luxemburgo, terminando em primeiro no saldo de gols.



Mas Brooking se afirmaria e seguiria como titular durante as Eliminatórias para a Eurocopa de 1980, na qual a Inglaterra obteve a vaga de modo bastante tranquilo. Na fase decisiva, disputada na Itália, ele atuou na estreia, empate em 1 a 1 com a Bélgica, mas foi sacado do time para o duelo com os anfitriões, que venceriam por 1 a 0, deixando os ingleses já sem chance de passarem à final. Voltaria ao time na última rodada da fase de grupos, marcando um gol na vitória por 2 a 1 sobre a Espanha, ao completar com chute cruzado uma bola escorada de cabeça.


Se já era referência na seleção, no clube não seria diferente. Antes de seguir com o English Team para a Eurocopa, Brooking foi um dos artífices da campanha vitoriosa do West Ham na FA Cup de 1980. Além de ter balançado as redes no triunfo sobre um ótimo time do West Bromwich Albion no replay da terceira fase, ele foi o autor do gol do título, no 1 a 0 diante do Arsenal em Wembley, em outra rara cabeçada (assim como havia feito contra o Eintracht Frankfurt), desviando um chute de Stuart Pearson aos 13 minutos de jogo.



ÍCONE EM UPTON PARK


Na ocasião, o West Ham disputava a segunda divisão, o que não o impediu de deixar para trás quatro equipes da elite – além do West Brom, também foram batidos o Aston Villa nas quartas, o Everton nas semifinais e o Arsenal – até a conquista da taça. Os três anos em que os Hammers passaram na segundona, entre as temporadas 1978-79 e 1980-81, aliás, serviram para reforçar a identificação de Trevor Brooking com o clube de Upton Park.


“Nunca pensei em sair do West Ham, pois isto seria difícil e doloroso. Estou lá desde menino e sempre resisti a propostas para jogar em clubes mais capazes de conquistar títulos. Desfruto muito do futebol que jogo lá e prefiro isto a troféus”, declarou em 1982 numa entrevista à revista brasileira Placar, que o apresentava como o “Professor”, apelido que recebera dos colegas de clube, por seu estilo articulado, disciplinado e sereno.


A seleção inglesa na Eurocopa de 1980, na Itália: Brooking é o último em pé, da esquerda para a direita.

Naquele momento, Brooking se preparava para enfim disputar uma Copa do Mundo, tendo sido decisivo para a classificação que levou a Inglaterra de volta a um Mundial após 12 anos. O time de Ron Greenwood passou por maus bocados nas Eliminatórias quando esteve sem o meia, que atuou em quatro das oito partidas da fase preliminar. Sem ele, a equipe somou apenas uma vitória (em casa, diante da Noruega, time mais fraco do grupo) e três derrotas (para Romênia, Suíça e a mesma Noruega, em Oslo, num resultado tido como vexatório).


ENFIM, EM UMA COPA DO MUNDO


Com Brooking vestindo a 10, porém, o desempenho inglês foi radicalmente diferente. A equipe bateu a Suíça e empatou com a Romênia em Wembley, mas carimbou mesmo o passaporte nas duas vitórias sobre a Hungria (que terminaria como líder da chave), nas quais o meia teve papel fundamental. Em Budapeste, ele abriu o placar e marcou também o segundo gol após o empate húngaro, antes de Keegan fechar a vitória em 3 a 1. Já em Wembley, na última rodada, foi dele o chute que Paul Mariner desviou para marcar o 1 a 0 final que valeu a vaga.



Na Copa, no entanto, Brooking lamentavelmente pouco pôde mostrar de seu jogo. Lesionado no amistoso contra a Finlândia em Helsinque, última parada da seleção antes do Mundial, chegou sem as melhores condições físicas à Espanha (assim como o outro astro do time, Kevin Keegan) e foi poupado para entrar em campo somente a partir da segunda fase. Acabou jogando apenas 30 minutos da última partida do triangular daquela etapa, no qual a Inglaterra empatou sem gols com a anfitriã, num resultado que eliminou ambas as equipes.


Aos 33 anos, aquela seria sua despedida da seleção. Dali em diante, passaria a se dedicar somente ao West Ham. Porém, disputaria apenas uma partida da temporada seguinte à Copa, ainda às voltas com a lesão na virilha que reduzira sua participação na Espanha. Recuperado após cirurgia, voltou a liderar os Hammers em campo em um ótimo início de temporada 1983-84, com direito a ocupar o topo da tabela por várias semanas e golear o Bury por 10 a 0 em Upton Park pela Copa da Liga, com dois gols seus.


A RETA FINAL DA CARREIRA


A reta final, porém, foi decepcionante: o time venceu apenas um dos seus últimos 12 jogos e caiu para a nona posição. Na penúltima partida, diante do Nottingham Forest em Upton Park no dia 12 de maio, Brooking, havia recebido das mãos de Brian Clough, técnico do adversário, uma tigela de vidro em homenagem a sua carreira. Dois dias depois, viveria outro momento curioso após o jogo com o Everton, que marcou sua despedida.


Os Hammers haviam decepcionado a torcida ao perderem por 1 a 0 dentro de Upton Park. Mas o público não arredou o pé do estádio – não para protestar, mas aguardando para homenagear Brooking. Enquanto isso, nos vestiários, o técnico John Lyall expressava com fúria sua insatisfação com o comportamento da equipe e a chance perdida de conseguir uma vaga na Copa da Uefa. Até que Brooking, já de roupa trocada, foi chamado pelo presidente do clube Len Cearns: “O público não vai sair até que você volte e se despeça”.


O meia rapidamente colocou de novo o uniforme, saiu e deu uma volta completa pelo gramado sob os aplausos e cânticos dos torcedores, que arremessavam cachecóis ao gramado em tributo a aquela lenda que completara ali 643 jogos pelo clube e que naquela temporada receberia pela quinta vez o prêmio de jogador do ano dos Hammers. Um jogador que simbolizava um estilo elegante, quase aristocrático, de futebol refinado.



Brooking ainda faria algumas partidas, como convidado, pelo time amador Newcastle Blue Star e pelo Cork City, da liga irlandesa. Mas já depois de pendurar as chuteiras em Upton Park, passou a exercer uma nova função, a de comentarista para a BBC, cobrindo partidas de Copa do Mundo e Eurocopa, além de aparecer frequentemente para opinar em programas como o clássico “Match Of The Day”, na mesma emissora.


Em 2003, ele retornaria ao West Ham em duas rápidas passagens como técnico interino. Mais tarde, seria homenageado novamente ao batizar um setor de arquibancadas do hoje demolido estádio de Upton Park. Mas suas condecorações transcenderiam o clube: depois de receber a medalha de Membro da Ordem do Império Britânico em 1981, foi alçado a Comendador da Ordem em 1999 e finalmente a Sir Trevor Brooking em 2004.

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