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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Outros 44 dias: A curta passagem do lendário Jock Stein pelo Leeds


Elland Road, agosto de 1978: Jock Stein chega para assumir o comando do Leeds.

A curta e tempestuosa passagem de Brian Clough pelo comando do Leeds em 1974 virou até filme, o aclamado “The Damned United” (ou “Maldito Futebol Clube”, no Brasil). Mas ele não foi o único relâmpago em Elland Road. Outro célebre treinador britânico, o escocês Jock Stein, lendário comandante do Celtic, também permaneceu nos Whites por exatamente os mesmos 44 dias no início da temporada 1978-79, ainda que seu período no cargo tenha provocado emoções bastante distintas.


Cloughie havia sido o primeiro técnico do Leeds após a saída de Don Revie, o homem que colocou o clube de Yorkshire no mapa do futebol inglês e europeu – ainda que para muitos através de métodos duvidosos. A passagem turbulenta do ex-treinador do Derby é tida como o início da derrocada dos Whites, ainda que seu substituto, o antigo auxiliar Jimmy Armfield, tenha levado a equipe a sua única decisão da Copa dos Campeões, perdida para o Bayern de Munique, no Parque dos Príncipes de Paris, em 1975.


Antes de sair para assumir o comando da seleção inglesa, Revie entregou o Leeds campeão inglês em 1974. Pela décima temporada consecutiva, o clube havia terminado o campeonato entre os quatro primeiros colocados. Desde então, os Whites tiveram de amargar um nono lugar em 1974-75, um quinto em 1975-76, um décimo em 1976-77 e outra vez um nono em 1977-78. E ainda carregavam a mancha da suspensão de quatro anos em competições europeias imposta pela Uefa após os atos de hooliganismo durante e após a final da Copa dos Campeões.


Jock Stein é apresentado pelo presidente do Leeds, Manny Cussins (à direita).

Para tentar estancar o declínio, o clube demitiu Armfield em meados de 1978 e foi à procura de um sucessor, alguém que retomasse do ponto vitorioso onde Revie (então já fora da seleção e com a reputação nacionalmente destroçada) havia deixado. O clube sondou alguns nomes como Lawrie McMenemy, Ron Saunders e Don Howe. O irlandês Johnny Giles, ex-meia do clube e que recentemente havia ocupado o cargo de jogador-técnico do West Bromwich Albion, também foi especulado, mas os dirigentes vetaram seu retorno a Elland Road.


Assim, na partida de estreia da temporada (um empate em 2 a 2 com o Arsenal em Highbury), o time foi comandado interinamente pelo ex-auxiliar Maurice Lindley. Enquanto isso, os contatos com um treinador prosseguiam. Do outro lado da linha, havia um gigante do futebol britânico que, como o Leeds, já havia conhecido melhores dias. E se encontrava frustrado com a maneira a qual seu clube de então o havia tratado. Era o escocês Jock Stein, recém-saído do Celtic.


Jock Stein com a "orelhuda" em 1967: maestro de um grande Celtic.

Stein levara os Bhoys a se tornarem o primeiro clube britânico a conquistar a Copa dos Campeões, em 1967. Em seus 13 anos no comando do clube de Glasgow, levantou nada menos que dez títulos da liga escocesa, oito FA Cups daquele país e seis Copas da Liga. Ao fim da temporada 1977-78, na qual o time não foi bem, os cartolas do Celtic lhe convenceram a deixar o comando do time em troca de um cargo administrativo no clube. Stein pensou que entraria para o conselho diretor. Mas acabou realojado no setor de loterias do clube.


Sentindo-se humilhado em vista do que havia feito pelo clube, Stein preferiu não se aposentar e continuar no jogo, mas em outro clube. Foi dele que o presidente do Leeds, Manny Cussins, se aproximou numa última cartada para assumir o comando do clube. De modo surpreendente, já que jamais havia demonstrado interesse em trabalhar no futebol inglês, Stein aceitou a proposta e fez sua estreia dirigindo a equipe já na segunda rodada da liga, em 23 de agosto.


O grande time do Leeds que acumulara títulos entre o fim dos anos 60 e meados dos anos 70 já havia sido quase totalmente dissolvido. Dois ídolos do clube, a propósito, haviam saído precisamente para o Manchester United, adversário daquele dia em Elland Road. Mas, mesmo sob as vaias de seus antigos fãs, o zagueiro Gordon McQueen e o centroavante Joe Jordan levaram a melhor e venceram o jogo por 3 a 2.


O elenco dos Whites para a temporada 1978-79: tentando reviver os anos gloriosos.

Mas, de qualquer forma, ainda havia um certo número de remanescentes dos dias de glória, como o goleiro David Harvey, os laterais Trevor Cherry e Frank Gray, o curinga Paul Madeley e o ponteiro Eddie Gray. Somados a eles, boas contratações, como o zagueiro Paul Hart, os meias Tony Currie e Bryan Flynn, o centroavante Ray Hankin e o ponteiro Arthur Graham, além de jovens da base, como o zagueiro Byron Stevenson e o ponta Carl Harris.


Nos dois jogos seguintes pela liga, os efeitos da chegada encorajadora de Stein já eram bem mais nítidos: o time fez 3 a 0 no Wolverhampton em casa e no Chelsea em Stamford Bridge, pulando da 14ª para a quinta posição na tabela. Enquanto isso, seguia para um terceiro jogo contra o West Bromwich Albion pela Copa da Liga após dois empates sem gols em Elland Road e em Hawthorns. Mas as oscilações não demoraram a retornar.


Em 9 de setembro, foi a vez de o time perder por 3 a 0 na visita ao Manchester City em Maine Road. Uma semana depois, recebendo o Tottenham, mais uma derrota, agora por 2 a 1 – e o time voltou a ocupar a 14ª colocação. Um empate sem gols com o Coventry fora de casa antecedeu a terceira vitória na liga, 3 a 0 sobre o Birmingham no dia 30. Foi um alento. Mas não por muito tempo, em vista das notícias que vinham de Glasgow.


Em Maine Road, o primeiro duro revés: 3 a 0 para o Man City, dois gols de Roger Palmer (de braços erguidos).

Após a decepção vivida na Copa do Mundo da Argentina, quando a seleção da Escócia embarcou em meio a um clima de otimismo geral para retornar humilhada com a eliminação na primeira fase, o técnico Ally MacLeod balançava no cargo. No dia 20 de setembro, em seu primeiro jogo após o Mundial, os escoceses estrearam nas Eliminatórias para a Eurocopa com derrota por 3 a 2 para a Áustria em Viena. Pressionado, MacLeod pediu demissão seis dias depois.


Era a deixa para Jock Stein mais uma vez tentar retomar um sonho alimentado desde os tempos de Celtic: dirigir o Tartan Army – o qual já havia comandado durante as Eliminatórias para a Copa de 1966, dividindo a tarefa com seu trabalho no clube. Naquela ocasião, Stein havia sido criticado pela imprensa local, e agora via novamente a chance de fazer na seleção um trabalho à altura de suas credenciais erguidas ao longo de sua trajetória nos Bhoys.


Não foi preciso nem mesmo a imprensa começar a especular por conta própria a possibilidade de Stein assumir o comando da seleção: nos bastidores, o treinador se antecipou, fomentando as suspeitas. Segundo o apresentador da BBC escocesa Archie Macpherson (mais tarde, biógrafo do treinador), Jock Stein teria, numa conversa reservada com ele, admitido sua insatisfação e pedido que espalhasse a ideia de que o técnico gostaria de assumir a seleção da Escócia, e que faltaria apenas um movimento neste sentido por parte da federação.


Ray Hankin escapa de Terry Yorath, no 0 a 0 com o Coventry: perto do fim da curta Era Stein.

Quando a notícia veio a público, Stein negou os boatos e minimizou a história. Mas o alarme soou na federação, que começou a entrar em contato com o técnico. Manny Cussins, presidente do Leeds, rapidamente se apressou em rechaçar a ideia de saída do treinador, embora o contrato de três anos de Stein com o clube tivesse sido acertado apenas verbalmente e nunca tenha sido assinado de fato. As probabilidades de nova troca no comando dos Whites cresciam.


No dia 2 de outubro, o Leeds enfim venceu o West Bromwich por 1 a 0 no terceiro jogo entre as duas equipes pela Copa da Liga. Seria a décima e última partida de Jock Stein no comando. Os jogadores já sentiam que o técnico não estava mais ali. Mas Cussins tentaria uma última cartada, oferecendo um substancial aumento de salário e até mesmo uma casa luxuosa para que ele pudesse trazer sua esposa para morar. Mas para Stein a questão não era dinheiro.


Três dias depois de sua última partida à frente dos Whites, Jock Stein finalmente era anunciado como o novo treinador da Escócia. Quanto ao Leeds (que voltaria a ser dirigido pelo interino Maurice Lindley), ele era todo arrependimento. Na véspera, dissera à imprensa que aquela havia sido a decisão mais difícil que tivera de tomar em sua carreira no futebol. “Esse é um dos piores momentos da minha vida”, afirmou. “Sinto que desapontei as pessoas aqui”.


Jock Stein no banco: dias solitários em Elland Road.

O clube recebera o escocês de braços abertos e ele retribuíra o carinho. Stein também trouxe motivação aos jogadores, mas isso – ficava evidente agora – eles não poderiam tê-lo dado de volta, e não porque não quisessem: simplesmente a cabeça e o coração do técnico estavam em outro lugar. Por mais que todos os envolvidos (treinador incluso) se esforçassem para o sucesso de Stein no clube, não havia da parte dele a sensação de pertencimento, morando sozinho num hotel, a centenas de quilômetros de sua velha Glasgow.


Lindley comandaria o Leeds por algumas semanas, até a contratação de Jimmy Adamson, antigo ídolo do Burnley como jogador e técnico e vindo de dirigir o Sunderland. Na liga, o time seguiria irregular até meados de novembro, quando iniciou uma fantástica série de 16 jogos sem perder até meados de março, o que o alavancou na classificação, fazendo saltar do 14º para o quarto lugar. Na reta final, novamente voltaria a oscilar, caindo uma posição, mas fazendo o suficiente para beliscar uma vaga na Copa da Uefa, sua última classificação europeia até 1992.


O declínio dos Whites, entretanto, seria inevitável: Adamson deixaria o posto em outubro de 1980 e o ex-atacante Allan Clarke, ídolo da equipe de Don Revie, assumiria o comando, sem conseguir salvar a equipe do traumático rebaixamento em maio de 1982. O Leeds passaria o resto da década na segunda divisão, saindo somente para um breve período glorioso coroado com a conquista de seu último título, na temporada 1991-92. Mas sem nunca voltar a ser a potência que era sob o comando de Revie entre meados das décadas de 1960 e de 1970.


Jock Stein, por sua vez, não conseguiria levar a Escócia à Eurocopa de 1980, mas faria campanha tranquila num grupo complicado das Eliminatórias para a Copa de 1982. No Mundial, brigaria com a União Soviética pela segunda vaga na chave do Brasil de Telê Santana, mas acabaria eliminada no saldo de gols. Três anos mais tarde, encaminharia também a classificação escocesa à Copa do México, mas não assistiria ao desfecho do jogo-chave, contra o País de Gales em Cardiff. À beira do campo, perto do túnel, sofreu um infarto e veio a falecer logo depois no estádio aos 62 anos.


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