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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Quando Manchester United e Wolves davam as cartas no futebol inglês


Billy Wright e Duncan Edwards: símbolos de uma fase gloriosa de Wolverhampton e Manchester United.

Rivais em um dos confrontos pelas quartas de final da FA Cup a ser disputado neste sábado, Wolverhampton e Manchester United viveram juntos um período marcante de suas histórias ao longo da década de 1950, quando dividiram o domínio do futebol inglês. Cada qual valorizando um estilo, mas com muitas coincidências e traços em comum. Se os dois clubes cumpriram trajetórias distintas desde então, o duelo atual faz evocar aquele período em que concentraram em Old Trafford e Molineux parte significativa do poder e das taças.


Para começar, basta dizer que os dois clubes foram os maiores campeões da liga naquela década: se o United triunfou em 1952, 1956 e 1957, os Wolves responderam levantando ali seus três títulos ingleses (1954, 1958 e 1959). Na FA Cup, por outro lado, tiveram seus melhores resultados justamente nas margens daquele período: o Wolverhampton conquistou a taça em 1949 e 1960, enquanto os Red Devils foram vitoriosos em 1948, além de finalistas em 1957 e 1958.


Histórias entrelaçadas


Mesmo quando se transcende as ilhas britânicas e se fala no pontapé inicial para a criação e popularização das copas continentais, é obrigatório mencioná-los. Afinal, foi a lendária série de amistosos promovidos pelos Wolves contra equipes da Europa e da América do Sul, aproveitando seus recém-instalados refletores em Molineux, bem como seu subsequente e autoproclamado “título mundial” simbólico que motivou a criação da Copa dos Campeões. E foi o Manchester United o primeiro time inglês a se aventurar (e chegar longe) no torneio.


Os dois também foram comandados por treinadores históricos do futebol inglês: Matt Busby no Manchester United e Stan Cullis no Wolverhampton. Cada um ao seu estilo: Busby preferia um futebol mais envolvente, enquanto Cullis pregava um jogo mais direto, de bola longa – antecipando o que se tornaria comum no futebol inglês dali em diante – ainda que não abrisse mão da qualidade de jogadores como Peter Broadbent, meia-direita habilidoso e ídolo de infância de um torcedor dos Wolves e futuro astro dos Red Devils: George Best.


Peter Broadbent, meia-direita habilidoso, ídolo de George Best.

Mas o que mais distinguia o time de Matt Busby naquele período era preferência pelos talentos jovens formados no próprio clube, os chamados “Busby Babes”, graças à estrutura oferecida pelo Manchester United Junior Athletics Club, fundado por professores locais durante a Segunda Guerra e voltado para receber e abrigar esses garotos. Como um certo Duncan Edwards, nascido em Dudley, a poucos quilômetros do estádio dos Wolves, time pelo qual torcia, mas que estava destinado a se tornar uma lenda em Old Trafford.


Outro tema em que as histórias dos dois clubes se cruzam diz respeito aos jogadores de futebol como celebridades – e aqui, a primazia cabe aos Wolves. Muitas décadas antes de David Beckham e mesmo tempos antes do próprio George Best transporem o noticiário esportivo e se estabelecerem como astros midiáticos, houve Billy Wright, zagueiro central e capitão do time de West Midlands e também da seleção inglesa.


Jogador que vestiu unicamente a camisa do Wolverhampton por toda a sua carreira de 20 anos (entre 1939 e 1959), primeiro no mundo a completar 100 partidas por sua seleção e segundo lugar na Bola de Ouro da revista France Football em 1957 (atrás apenas de Alfredo Di Stéfano), Wright casou-se em 1958 com a cantora Joy Beverley, do então famoso trio vocal inglês Beverley Sisters, levando seu cotidiano para as revistas de celebridades.


O duopólio na liga


Antes de se alternarem na conquista do título inglês, Manchester United e Wolverhampton bateram na trave algumas vezes. Nas cinco primeiras temporadas da liga os Red Devils ficaram com o vice-campeonato em quatro. Na outra, foi a vez dos Wolves. Assim, o duelo mais decisivo desse período acabou vindo na FA Cup, nas semifinais da edição de 1948-49, quando o Wolverhampton venceu o replay em Goodison Park por 1 a 0, gol de Sammy Smith a quatro minutos do fim, e avançou para levantar a taça na final contra o Leicester.


Na semifinal da FA Cup de 1949, os Wolves superaram os Red Devils no replay.

Três anos depois, o United enfim saiu de uma fila de 41 anos e conquistou a liga pela terceira vez em sua história. Naquela temporada, os Wolves fizeram campanha para lá de modesta e ficaram em 16º lugar, sendo facilmente derrotados nos dois confrontos, ambos por 2 a 0. O principal rival dos Red Devils foi o Arsenal, que acabou goleado por 6 a 1 em Old Trafford na última rodada, numa rara decisão em confronto direto na liga inglesa.


Na temporada seguinte, porém, foi a vez do Manchester United decepcionar ao defender seu título, ficando apenas em oitavo lugar, com saldo de gols negativo. Em parte, aliás, devido às duas pesadas derrotas sofridas diante dos Wolves, que ficaram em terceiro, perseguindo os ponteiros Arsenal e Preston. Em Molineux, no início de outubro de 1952, o time de Stan Cullis sapecou um 6 a 2 sobre os Red Devils, arrematado com um 3 a 0 em pleno Old Trafford, quatro meses depois.


O primeiro título dos Wolves viria na temporada 1953-54, na qual superariam na reta final os rivais locais do West Bromwich Albion, dirigidos por Vic Buckingham e líderes por grande parte da campanha. Já no ano seguinte, o time de Stan Cullis oscilou demais e acabou superado pelo Chelsea – um time até ali mais cotado ao meio de tabela e que cerca de um ano e meio antes havia sido arrasado pelos Wolves por 8 a 1 num jogo da liga em Molineux.


Os Wolves que levantaram sua primeira liga, em pôster da revista Charles Buchan's Football Monthly.

Mesmo assim, o Wolverhampton seria apontado como sério candidato a recuperar seu título na temporada seguinte, a de 1955-56. Porém, vinha tendo um começo de campanha um tanto acidentado até o início de outubro, quando foi a Old Trafford. Com um time renovado em relação aos campeões de 1952, o Manchester United era considerado muito jovem para brigar pela taça e também apresentava resultados irregulares até ali.


Naquele 8 de outubro, porém, os Red Devils bateram os Wolves num jogo épico, que redefiniu sua rota: os comandados de Stan Cullis chegaram a estar vencendo por 2 a 1 e depois por 3 a 2. Mas o United reagiu, empatou novamente e, a dois minutos do fim, chegou à virada antológica numa cabeçada poderosa de Tommy Taylor após escanteio. O time alcançou a liderança na virada do ano e não olhou mais para trás, levantando o título com dois jogos por fazer.


O Wolverhampton terminaria em terceiro, com os mesmos 49 pontos do vice Blackpool – mas 11 atrás do campeão Manchester United, que faria campanha ainda melhor na temporada seguinte. Nem mesmo as disputas paralelas da FA Cup (na qual chegaram à final) e da Copa dos Campeões (quando foram semifinalistas) atravancaram a azeitada máquina dos Red Devils na corrida pelo título: o time perdeu apenas seis de seus 42 jogos e marcou 103 gols, terminando oito pontos à frente de Tottenham e Preston – e 16 acima dos Wolves, que ficaram em sexto.


O Manchester United, bicampeão inglês em 1956 e 1957.

Após o bi dos Red Devils, o bi dos Wolves


Com a conquista, o United se tornava o segundo time inglês a conquistar a liga em anos consecutivos desde o fim da Segunda Guerra (o primeiro havia sido o Portsmouth em 1949 e 1950). Desde então e até 2018, apenas três outros clubes conseguiram repetir o feito. Um deles seria justamente os Wolves nas duas temporadas seguintes. A primeira delas, porém, marcada pela tragédia: o desastre aéreo de Munique, que dizimou o elenco mancuniano.


O time de Matt Busby começou arrasador, com cinco vitórias elásticas e um empate nas seis primeiras partidas. Mas logo depois começou a tropeçar com assiduidade preocupante, e disto se aproveitou o Wolverhampton, que enfileirou uma sequência invicta de 18 jogos entre meados de setembro e a rodada de Boxing Day. No meio dela, uma vitória de 3 a 1 sobre os Red Devils em Molineux, com gols de Norman Deeley (dois) e Dennis Wilshaw.


Em janeiro, o United já mostrava sinais de recuperação, diminuindo a desvantagem para os Wolves de dez para seis pontos. E após uma rodada eletrizante em 1º de fevereiro, em que os Red Devils bateram o Arsenal em Highbury por 5 a 4 e o Wolverhampton goleou o Leicester em casa por 5 a 1, a tabela marcaria para dali a uma semana o segundo confronto direto entre os dois, agora em Old Trafford. Dois dias antes, porém, houve a tragédia.


Depois de perder a maioria de seu elenco no desastre aéreo em Munique e ter de levar a campo um time emergencial para completar seu calendário, o Manchester United venceu apenas uma de suas 14 partidas restantes pela liga. Quando o confronto com os Wolves, remarcado para 21 de abril, finalmente foi realizado já não havia mais nada em jogo: o time de Stan Cullis havia acabado de assegurar o título – e venceu por 4 a 0.


Naquela temporada, os Wolves igualariam os 103 gols marcados pelo Manchester United na campanha anterior e iniciariam uma sequência de quatro campeonatos superando a marca de 100 gols anotados, sublinhando a força ofensiva mesmo com seu estilo de jogo mais objetivo do que atrativo. E este poder de fogo seria novamente o diferencial na campanha do título de 1959, o terceiro e último do clube em sua história na liga.


O Manchester United, de modo surpreendente e pelo menos por aquela temporada, conseguiu se reerguer e se candidatou a brigar pelo caneco no terço final da campanha, chegando a derrotar o Wolverhampton por 2 a 1 em Old Trafford em fevereiro. Os Wolves também cresceram ao longo da temporada, assumindo a liderança na rodada de Boxing Day após começo oscilante – no qual um ponto alto havia sido os 4 a 0 sobre os Red Devils.


Da metade de janeiro até o fim da temporada, o time de Stan Cullis perdeu apenas um jogo – justamente aquele para o Manchester United – e acumulou nada menos que 13 vitórias em 17 partidas, não dando chance aos perseguidores. E marcou 110 gols sofrendo apenas 49, o ataque mais positivo e a defesa menos vazada da competição, na última temporada em que contou com o capitão Billy Wright comandando sua retaguarda.


Os Wolves vencem a FA Cup de 1960, último título daquele período glorioso.

A última conquista dos Wolves no período – seu segundo título da FA Cup, batendo o Blackburn por 3 a 0 em Wembley – viria na temporada 1959-60, quando equipe quase faria a dobradinha, então inédita no século, depois de disputar palmo a palmo o título da liga numa briga a três com Tottenham e Burnley (os Clarets seriam os campeões surpreendentes). Na campanha seguinte, o time de Stan Cullis ainda alcançaria um bom terceiro lugar, atrás dos Spurs, campeões, e do Sheffield Wednesday.


Daí em diante, os dois clubes experimentariam um rápido declínio, até a temporada 1964-65, que marcaria decisivamente a história de ambos: enquanto o Manchester United conquistaria o título, alicerçando uma base formada por nomes como Nobby Stiles e a chamada “Santíssima Trindade”, George Best, Bobby Charlton e Denis Law, que mais tarde o levaria ao título europeu, os Wolves seriam rebaixados, encerrando uma longa permanência de 32 anos na elite.

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