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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Sunderland 1987-88: A outra vez no calvário da terceirona


No último fim de semana, o Sunderland – que no ano passado já havia descido da Premier League para a Championship – amargou novo rebaixamento, agora para a League One, a terceira divisão inglesa. Não é um fato comum: em 128 anos de presença no campeonato profissional do país, será apenas a segunda vez que os Black Cats estarão fora das duas primeiras categorias da liga nacional. A primeira foi há 30 anos, na temporada 1987-88, após uma sucessão de fiascos inacreditáveis. Mas não durou muito: com campanha irretocável, a equipe logo deixou o pesadelo para trás – o que a torcida espera ver acontecer outra vez.


Seis vezes campeão inglês (a última, no longínquo ano de 1936), o Sunderland entrou para a liga em 1890, numa época em que só havia a primeira divisão, e só deixou a elite 68 anos depois, rebaixado com um time muito jovem ao fim da temporada 1957-58. Retornou em 1964 para novamente cair em 1970. Disputou mais uma campanha na divisão maior em 1976-77, antes de voltar a fixar residência na máxima categoria em 1980. Mas lá pelo meio da década, experimentaria seu momento mais baixo.


TEMPOS DIFÍCEIS


Marcados pela crise econômica, hooliganismo e, consequentemente, queda de público, os anos 1980 foram cruéis com vários clubes tradicionais. Naquele período, muitos cavaram buracos um pouco mais fundos em sua história na liga. Em 1989, o Birmingham foi rebaixado pela primeira vez para a terceira divisão. O Derby County – duas vezes campeão na década anterior, uma delas sob o comando de Brian Clough – também foi parar na terceirona (em 1984), assim como o Middlesbrough (em 1986).


Outros clubes tradicionais desceram mais ainda, até à quarta divisão, pela primeira vez em suas histórias: Blackpool, Sheffield United (ambos 1981), Burnley, Preston North End (ambos 1985), Wolverhampton (1986) e Bolton (1987). Muitos deles amargando quedas consecutivas. O Swansea, que chegou a brilhar em seu primeiro período na elite no início da década, caiu para a segunda divisão em 1983 e três anos depois também já estava na última categoria da Football League.


A inserção do Sunderland neste grupo teve suas peculiaridades. Para contar o começo da história, voltemos à temporada 1984-85. Enquanto brigava na metade de baixo da tabela, com esporádicas incursões à parte de cima, o Sunderland vinha brilhando na Copa da Liga. Havia deixado pelo caminho o Crystal Palace, o Nottingham Forest, o Tottenham, o Watford e o Chelsea até chegar à decisão em Wembley, no dia 24 de março, contra o Norwich – outro clube que lutava contra a degola no campeonato.



Uma semana antes da final, os Black Cats derrotaram o rival pela liga por 3 a 1, subindo para a 16ª posição. Em Wembley, porém, a oportunidade de completar a trinca de títulos nacionais – além da liga, o clube já havia vencido a FA Cup duas vezes – foi embora num lance casual: o zagueiro Gordon Chisholm desviou contra as próprias redes um chute do escocês Asa Hartford, marcando o único gol do jogo. O Sunderland ainda teve grande chance num pênalti, desperdiçado por Clive Walker. E a taça ficou com os Canários.


Duas semanas depois, após empatar sem gols em casa no derby de Tyne and Wear com o Newcastle, o Sunderland entrou pela primeira vez na zona de rebaixamento naquela temporada. A queda de rendimento foi avassaladora: nos últimos oito jogos da campanha, a equipe venceu apenas um. Em 6 de maio, na penúltima rodada, o time perdeu fora para o Leicester por 2 a 0, dois gols de Gary Lineker, e teve a queda decretada – e curiosamente teria a companhia do Norwich, algoz na Copa da Liga, além do Stoke.


A DECEPÇÃO COM McMENEMY


Apesar do descenso, o clube faz uma aposta alta para a temporada 1985-86: o técnico Len Ashurst dá lugar a Lawrie McMenemy, que havia acabado de encerrar sua passagem de quase 12 anos pelo comando do Southampton, o qual levara primeiro ao título da FA Cup de 1976 (como um clube da segunda divisão e derrotando o Manchester United na final) e depois ao vice-campeonato inglês em 1984, melhor posição do clube em sua história na liga. Em 1980, entre um feito e outro, havia ainda repatriado o atacante Kevin Keegan, maior estrela do futebol inglês do período, trazido do Hamburgo.


Badalado e caro, Lawrie McMenemy não trouxe o retorno esperado.

No Sunderland, mesmo na segunda divisão, McMenemy se torna o técnico mais bem pago do país. E tem à sua disposição um elenco caro, repleto de jogadores experientes e por isso apontado como um dos favoritos ao acesso. Além disso, é reforçado: chegam o goleiro Seamus McDonagh (ex-Bolton, Everton e seleção da Irlanda), os laterais George Burley (ex-Ipswich), Frank Gray (ex-Leeds e Nottingham Forest) – ambos presentes à Copa do Mundo de 1982 com a Escócia – e Alan Kennedy (ex-Liverpool e Newcastle) e os atacantes Eric Gates (também ex-Ipswich) e Dave Swindlehurst (ex-Crystal Palace e West Ham).


Apesar do elenco tarimbado, a campanha é desastrosa: o time perde os cinco primeiros jogos da liga sem marcar um gol sequer, e até ensaia uma reação entre o fim de outubro e o de janeiro, mas em seguida volta a acumular resultados fracos, só escapando do rebaixamento graças a duas vitórias em casa por 2 a 0 contra Shrewsbury e Stoke nas duas últimas rodadas. A má campanha provoca a saída de alguns dos destaques jovens da equipe, como o meia Nick Pickering, vendido ao Coventry, e o defensor Barry Venison, que pede para ser negociado e acaba acertando com o Liverpool.


O começo da temporada 1986-87, no entanto, parece sinalizar que o time vai entrando nos eixos, pronto para a briga pelo acesso. No fim de setembro, já ocupa a sexta posição, com apenas uma derrota nos seis primeiros jogos (ainda que este revés seja uma goleada de 6 a 1 para o Blackburn). Já no fim de outubro, após 12 jogos, os Black Cats já ocupam uma posição acima, em quinto lugar, dentro da zona de playoffs de acesso, após baterem o Birmingham por 2 a 0 em casa.


A fase começa a virar nos dois últimos meses do ano: em novembro e dezembro, o time entra em campo dez vezes pela liga e só vence um jogo (curiosamente, dá o troco no Blackburn, fazendo 3 a 0). De janeiro até o meio de março, o time oscila, intercalando quatro vitórias e quatro derrotas. Mas a derrocada começa exatamente na quarta derrota dessa sequência, diante do Stoke. Nela e nos seis jogos que se seguiram, o time soma apenas um ponto, despencando para a vice-lanterna.


O DRAMA DOS PLAYOFFS DE DESCENSO


Manchete do jornal "Sunderland Echo" após a derrota nos playoffs que selou a queda.

McMenemy pede demissão do cargo, e o clube apela para sua história: Bob Stokoe, técnico que levou o time ao título da FA Cup de 1973 como completo azarão diante do Leeds, é convocado para a tentativa de salvação. Num último impulso, o time ainda vence o Shrewsbury fora e o Crystal Palace em casa, ambos por 1 a 0. Na última rodada, o time recebe o Barnsley e abre 2 a 0 com dois gols em sequência, aos 28 e 30 minutos. O resultado é o suficiente para salvar os Black Cats, empurrando o Birmingham para a queda.


Perto do fim da primeira etapa, no entanto, o Barnsley desconta. Na volta do intervalo, o atacante Roger Wylde – que passara pelo Sunderland na última temporada na elite – empata aos 20 minutos. E logo depois, Gwyn Thomas decreta a virada dos visitantes, que já não tinham mais pretensões no campeonato. O time do nordeste inglês sente o baque e não tem forças para reagir. A derrota deixa o clube na antepenúltima posição da tabela. Mas, por sorte, o regulamento ainda deixa uma esperança.


Aquela temporada 1986-87 foi marcada pela introdução de playoffs de acesso e descenso em todas as divisões da Football League. Entre a segunda e a terceira divisões, dois times cairiam e outros dois subiriam automaticamente (em vez de três, como vinha sendo a regra). E haveria ainda uma repescagem a ser disputada entre o 20º colocado da segundona e o terceiro, o quarto e quinto da terceirona – no caso, a equipe da categoria superior enfrentava a de posição mais abaixo na inferior, enquanto os dois intermediários se cruzavam.


Coube ao Sunderland enfrentar o Gillingham, que superou o Bristol City por um ponto para terminar na quinta colocação da terceira divisão e garantir a última vaga nos playoffs (no outro confronto, os mais regulares Swindon e Wigan brigariam pela outra vaga na decisão desta repescagem). O jogo de ida é em Gillingham em 14 de maio de 1987. Os Black Cats chegam a abrir o placar com gol de pênalti do meia Mark Proctor, mas o centroavante irlandês Tony Cascarino anota um hat-trick para os donos da casa. No fim, Proctor ainda desconta, dando a esperança de reversão do resultado na partida de volta.



Só que o Sunderland sai atrás no segundo jogo logo aos três minutos. Reage, porém, rapidamente: Eric Gates balança as redes duas vezes antes dos 25 e vira o marcador para 2 a 1, resultado que garante a salvação. Em seguida, ambos os times perdem pênaltis. Mas, no rebote da cobrança desperdiçada pelos visitantes, Tony Cascarino torna a empatar no começo da etapa final, e o desespero toma conta da torcida no Roker Park. Um gol do zagueiro Gary Bennett a dois minutos do fim representa um alívio temporário: com o novo 3 a 2, o jogo vai para a prorrogação.


No tempo extra, porém, outra vez Cascarino aparece para empatar, balançando as redes pela quinta vez nos dois jogos. Agora, nem mesmo o quarto gol do Sunderland, marcado por Keith Bertschin no início da segunda etapa, adianta: o time vence por 4 a 3, mas quem passa adiante nos playoffs foi o Gillingham, no critério dos gols como visitante. A eliminação representa a queda para o time do nordeste inglês.


No fim das contas, a vaga da repescagem acabou ficando com o Swindon. Mas os danos para os Black Cats já eram incontornáveis: pela primeira vez em seus 97 anos de Football League, o clube desceria abaixo da segunda categoria. Bob Stokoe deixa o comando, e o clube aponta Denis Smith, treinador do York (da terceira divisão) para o posto, após uma longa e turbulenta negociação com os Minstermen.


MUDANÇA DE PERFIL PARA GARANTIR O ACESSO


Marco Gabbiadini: reforço crucial para o acesso.

Com a chegada do novo comandante, alguns veteranos deixam o clube. O jovem meia Mark Proctor, um dos que se salvaram em meio à campanha frustrante, é vendido ao Sheffield Wednesday, da elite. Mas apenas reforços pontuais são contratados, incluindo o raçudo lateral-direito John Kay (do Wimbledon) e dois jogadores que haviam trabalhado com Smith em seu antigo clube: o zagueiro John McPhail (então no Bristol City) e o rápido atacante Marco Gabbiadini.


Em sua estreia na terceira divisão, novamente o Sunderland é apontado como favorito – ainda que tenha a companhia de Brighton, Notts County e Bristol City, todos vindos de passagem pela elite naquela mesma década. E desta vez a campanha começa bem: na quarta rodada, a equipe já é alçada à liderança. Em setembro, três empates seguidos por duas derrotas derrubam temporariamente a campanha, fazendo os Black Cats despencarem para a 12ª posição. Mas é uma oscilação temporária.


Uma série de 15 vitórias em 19 partidas entre o fim de setembro e o de janeiro leva o time a uma situação folgada na ponta da tabela. É natural: naquela categoria, o maior investimento e qualidade técnica dos jogadores em relação aos adversários fazem a diferença. E desta vez, com o perfil dos reforços trazidos por Denis Smith, há também um grupo mais disposto a suar a camisa. O auge da sequência vem em 3 de novembro, quando o Sunderland arrasa o Southend por 7 a 0 com quatro gols de Eric Gates.


Uma cochilada durante fevereiro e março – quando a equipe vence apenas dois jogos em dez e chega a ser goleada por 4 a 0 na visita ao Bristol Rovers – provoca a perda temporária da liderança para o Notts County. Mas dentro de pouco tempo tudo seguirá como antes: o time entra em abriu com três vitórias seguidas, e lá pelo dia 30, ao vencer o Port Vale fora de casa por 1 a 0 com gol de Eric Gates, celebra a confirmação matemática do acesso, ainda com duas rodadas pela frente.


O zagueiro Gary Bennett celebra com o troféu da terceira divisão.

O fim do calvário é celebrado com os torcedores do Sunderland esgotando todo o estoque de champanhe de um supermercado localizado próximo ao estádio de Vale Park. Dois anos depois, a comemoração seria a do acesso à elite: o clube perderia a final dos playoffs de acesso para o Swindon em Wembley, mas os Robins seriam barrados por irregularidades financeiras, e os Black Cats herdariam a vaga.


Ficariam apenas uma temporada na elite, a de 1990-91, e também mais tarde, em 1996-97, já na era Premier League. Mas na virada do milênio, conseguiram se firmar na primeira divisão (com esporádicas passagens pela segunda) até 2017. E agora, se veem na mesma situação de 30 anos atrás, esperando que o sofrimento seja novamente breve.


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