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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

A saga dos Wallace: Há 30 anos, o Southampton escalava três irmãos no mesmo time


Laços de parentesco não são exatamente raros no futebol inglês. Mas o caso protagonizado pelo Southampton em 22 de outubro de 1988, há exatos 30 anos, foi sem dúvida bastante incomum. O time que entrou em campo para a partida daquele dia contra o Sheffield Wednesday pela liga reunia três irmãos – Danny, Rodney e Ray Wallace –, algo que não acontecia na primeira divisão do país desde 1920 e não voltou a acontecer desde então. Contamos aqui a história da partida, de cada um dos três irmãos e também do clube enquanto contou com o trio em seu elenco.

CAMINHO ABERTO


Mais velho dos três irmãos, Danny Wallace nasceu em Greenwich, sudoeste londrino, em 21 de janeiro de 1964. Ainda garoto, acabou se juntando à base do Southampton, embora atraísse o interesse de clubes da capital. Sua estreia no time de cima dos Saints viria ainda como amador, aos 16 anos, substituindo nada menos que Kevin Keegan, então o maior astro do futebol do país, num empate em 1 a 1 com o Manchester United em Old Trafford em novembro de 1980.


A partida lhe valeria ainda um recorde: tornaria-se o jogador mais jovem a defender o time numa partida oficial, até ser desbancado por Theo Walcott em 2005. Profissionalizado em janeiro de 1982, Danny Wallace foi evoluindo aos poucos dentro do time. Baixinho (1,63m), muito ágil, driblador, dava bons passes e marcava bonitos gols. Era um tormento para as defesas adversárias e uma grande revelação do futebol inglês dos meados de anos 80.


Em 1983-84, o ponteiro ambidestro foi um dos grandes nomes do time do Southampton que chegaria em segundo lugar na liga, a melhor colocação da história do clube. Em março de 1984, marcaria duas vezes na vitória sobre o Liverpool, líder e futuro campeão. O primeiro deles, anotado numa bicicleta espetacular, valeu o prêmio de gol da temporada pela BBC. Em abril, fez um hat-trick no massacre dos Saints por 8 a 2 sobre o Coventry.


Danny Wallace enfrenta a defesa egípcia em sua única partida pela Inglaterra, janeiro de 1986.

Depois de mais de uma dezena de partidas pela seleção inglesa sub-20, ele finalmente ganharia uma chance no time principal em janeiro de 1986, num amistoso contra o Egito no Cairo, parte da preparação do time de Bobby Robson para a Copa do Mundo daquele ano, no México. Embora tenha marcado um gol no que seria sua única partida pelo English Team, ele acabou preterido não só do Mundial como também de futuras convocações.


OS OUTROS DOIS IRMÃOS


Entretanto, seguia intocável no clube, recebendo a companhia dos irmãos, que haviam chegado à base dos Saints naquele mesmo ano. Ray e Rodney eram gêmeos, nascidos na região londrina de Lewisham em 2 de outubro de 1969. E dos dois, Rodney foi o primeiro a estrear: o atacante muito rápido e com faro de gol, que podia atuar tanto pelas pontas quanto pelo centro, fez seu primeiro jogo pelo clube aos 17 anos, entrando numa derrota para o Newcastle no St. James’ Park em setembro de 1987. E rapidamente conquistou um lugar no time titular.


Naquela tarde de 22 de outubro de 1988 era a vez de Ray Wallace, profissionalizado em abril, vestir pela primeira vez a camisa do Southampton num jogo oficial. O time entrava em campo em busca de sua reabilitação na liga: depois de um bom começo, com três vitórias nos primeiros três jogos (West Ham, Queens Park Rangers e Luton), o time dirigido pelo norte-irlandês Chris Nicholl já estava há quatro jogos sem triunfar. Em seu jogo anterior pelo campeonato, 14 dias antes, havia sido goleado pelo Everton por 4 a 1 em Goodison Park.



Assim, com 11 pontos ganhos em sete jogos, os Saints vinham em sexto numa tabela um tanto inusitada – como às vezes acontece em início de campeonato. O Norwich liderava, seguido pelo recém-promovido Millwall e pelo Coventry, e só então vinha o atual campeão Liverpool e o Manchester United, ambos com a mesma pontuação dos Saints. Já o Sheffield Wednesday ocupava um mais modesto décimo lugar, ainda que só um ponto atrás e com uma partida a menos.

O JOGO HISTÓRICO


O time que os Saints levaram a campo tinha o rodado goleiro John Burridge, com Ray Wallace na lateral direita e Derek Statham (ex-West Brom e com passagem pela seleção) na esquerda. No miolo de zaga, Russell Osman (ex-Ipswich e também seleção) fazia dupla com Kevin Moore. Na faixa central do meio-campo, Graham Baker e Glenn Cockerill combinavam, respectivamente, força e técnica, enquanto Rod e Danny Wallace davam o ritmo veloz nas pontas. E no ataque, Paul Rideout (ex-Aston Villa e Bari) se juntava ao norte-irlandês Colin Clarke, que defendera sua seleção no Mundial do México, dois anos antes.


No velho estádio de The Dell, o Southampton abriu o placar em cobrança de pênalti. Rod Wallace recebera passe de peito e invadira a área, sendo derrubado por Mel Sterland. Na marca da cal, o experiente lateral-esquerdo Derek Statham deslocou o goleiro Chris Turner e colocou os donos da casa em vantagem. Mas ainda antes do intervalo, os visitantes empataram num chute cruzado de Imre Varadi, após assistência do meia Gary Megson.


Os Saints voltaram para o segundo tempo sem Danny Wallace, substituído por lesão, e sofreriam o segundo gol, o da vitória do Wednesday, quando Varadi desceu pela ponta esquerda e foi à linha de fundo para cruzar certeiro na cabeça do jovem atacante David Reeves. Não foi uma partida feliz para o trio de irmãos. A derrota fez o Southampton descer para a décima posição, enquanto o adversário subiu para o quinto lugar.



No entanto, a recuperação viria logo no jogo seguinte. Novamente com os três em campo, o time bateria o Tottenham por 2 a 1 em sua visita a White Hart Lane, iniciando uma sequência de seis jogos sem perder pelo campeonato, o que o levaria a encerrar o mês de novembro na sexta posição. Paradoxalmente, os dois empates registrados ao fim desta série invicta dariam início a uma impressionante sequência de 17 jogos sem vencer, entre 12 de novembro e 1º de abril, que derrubou o clube para a zona de rebaixamento.

UMA TEMPORADA OSCILANTE


Na reta final, entretanto, a equipe se recuperou: venceu quatro e perdeu apenas um de seus últimos nove jogos, salvando-se da degola na 13ª posição, seis pontos acima do Middlesbrough, antepenúltimo colocado. Rod Wallace seria o destaque individual da temporada: atuou em todos os jogos dos Saints na liga e terminou como o artilheiro da equipe com 14 gols, somando todas as competições. Naquela campanha, os irmãos também figuraram juntos na equipe que disputou o Guinness Soccer Six, curioso torneio indoor disputado em Manchester em dezembro.



Os três irmãos Wallace seguiriam no elenco dos Saints para o início da temporada 1989-90, com Ray e Danny mantidos no time titular e Rod, apesar de ter sido o goleador da campanha anterior, saindo com frequência do banco. Foi assim nas três primeiras partidas. Na segunda, uma visita a Maine Road para enfrentar o Manchester City, Rod acabou decidindo: marcou os dois gols na vitória por 2 a 1. No quarto jogo – outro triunfo pelo mesmo placar, agora em casa contra o Aston Villa – o trio já começava jogando junto.


Em 9 de setembro de 1989, o Southampton foi a Carrow Road jogar contra o Norwich, vice-líder após quatro rodadas, e alinhou os três irmãos pela última vez em um jogo eletrizante. Os Saints saíram na frente numa cabeçada de Paul Rideout, mas os Canários empataram num chutaço de Robert Rosario (que seria eleito o gol da temporada pela emissora ITV). Até que Danny Wallace foi lançado na ponta e cruzou de trivela para Rod Wallace colocar o time de novo na frente.


No segundo tempo, foi a vez de Rod ser lançado num contragolpe rápido, arrancar em velocidade e limpar o zagueiro antes de chutar vencendo o goleiro Bryan Gunn. O Norwich descontou numa cabeçada de Tim Sherwood, mas Paul Rideout aproveitou bobeada da defesa para fazer 4 a 2 para o Southampton. Antes do fim, porém, ainda houve tempo para os Canários igualarem em duas jogadas aéreas, que terminaram num desvio de Robert Fleck e num chute de Robert Rosario, decretando um incrível empate em 4 a 4.



O TRIO SE SEPARA


Incomodado com a queda de competitividade do time naquela segunda metade da década, Danny manifestou vontade de sair para uma equipe maior. Foi quando recebeu proposta do Manchester United, assinando com o clube em setembro de 1989 por 1,2 milhão de libras, maior quantia já recebida até então pelos Saints em uma transferência. Em Old Trafford, o ponteiro integraria a equipe que levantou as duas primeiras taças sob o comando do técnico escocês Alex Ferguson: a FA Cup de 1990 e a Recopa em 1991.


Danny, porém, não mostraria em Manchester o mesmo futebol que exibira no Southampton, e aos poucos perderia lugar no time para o jovem ponta-esquerda Lee Sharpe. Sofrendo ainda com lesões constantes, foi emprestado ao Millwall e finalmente vendido ao Birmingham em outubro de 1993. De novo sem se firmar, passou ao Wycombe em 1995, onde, no ano seguinte, foi diagnosticado como portador de esclerose múltipla, doença degenerativa que originara seus problemas físicos e o obrigaria a encerrar a carreira.


O elenco do Southampton para a temporada 1989-90, com os irmãos Wallace destacados.

Após a saída de Danny, Rod passou a formar um tridente ofensivo com outros dois promissores jovens revelados pelo clube: Matthew Le Tissier e Alan Shearer. Na temporada 1989-90, quando novamente esteve em todos os jogos do clube na liga, anotou 18 gols na competição, seu recorde pelo clube. Já a de 1990-91, em que marcaria 14 gols pela liga, seria sua última pelo Southampton: atacante cobiçado, acabaria assinando com o Leeds em junho de 1991, que buscava se reforçar para brigar na parte de cima da tabela após ter retornado à elite no ano anterior.


Em sua primeira temporada em Elland Road, Rod Wallace já seria um dos principais artífices da conquista do título inglês de 1991-92, o último caneco levantado até hoje pelos Whites, numa história já contada aqui. Dessa forma, conquistaria imediatamente o posto de ídolo no clube. Suas atuações naquela temporada valeram uma convocação para a seleção inglesa de Graham Taylor. Chamado para o amistoso de setembro de 1992 contra a Espanha em Santander, acabou cortado por lesão e não voltou a ser chamado, sendo impedido de repetir o feito do irmão Danny.


Rod Wallace comemora um gol do Leeds ao lado de Eric Cantona na vitoriosa temporada 1991-92.

Depois do título, Rod permaneceria no Leeds por mais seis temporadas, sem conquistar novos canecos. Chegaria perto na Copa da Liga de 1996, mas os Whites foram derrotados pelo Aston Villa por 3 a 0 em Wembley. Mas sua segunda melhor temporada individual pelo clube foi a de 1993-94, quando marcou 17 gols em 37 jogos pelo campeonato – um deles, contra o Tottenham, eleito o mais bonito da temporada pela BBC. Em julho de 1998, deixaria o futebol inglês para atuar por três anos no escocês, defendendo o Rangers.


Nas três temporadas na Escócia, Rod levantaria todos os títulos nacionais e também se tornaria ídolo, ao marcar o gol contra o rival Celtic que daria o caneco da FA Cup escocesa de 1999 aos Gers. Em setembro de 2001, ele voltaria à Inglaterra para defender o Bolton na Premier League por um ano, antes de seguir para o Gillingham, onde atuaria por dois anos antes de pendurar as chuteiras em 2004, aos 34 anos, em meio a seguidas lesões.


Ray foi, por sua vez, o irmão com carreira mais discreta. Naquela que seria sua temporada de estreia no time de cima do Southampton, ele até conseguiu se estabilizar como titular da lateral-direita (sendo às vezes utilizado também por aquele lado do meio-campo), atuando em 34 partidas, somando-se os jogos do campeonato e das copas. Chegou ainda a ser convocado para a seleção sub-21 da Inglaterra, fazendo quatro jogos. Mas logo perderia o posto para outro novato, Jason Dodd – que se tornaria nome longevo nos Saints.


Ray Wallace viveu a melhor fase de sua carreira no Stoke City.

Transferido para o Leeds junto com Rod em junho de 1991, não conquistou seu espaço em Elland Road, jogando apenas sete vezes em três temporadas, sendo ainda emprestado ao Swansea e ao Reading. A estabilidade na carreira viria finalmente a partir de 1994, com sua chegada ao Stoke, então na Division One (atual Championship). Por lá, ele foi quase sempre titular nos cinco anos em que esteve no clube, fazendo um total de 211 partidas (muitas delas no meio-campo), e sendo ainda eleito o jogador do ano dos Potters em 1995.


Deixaria o Stoke em 1999, dispensado pelo técnico Brian Little a alguns meses de completar 30 anos e em seguida teria passagens curtas por clubes escoceses, irlandeses e da non-league, antes de se aposentar em 2002. Dois anos depois, em maio de 2004, os três irmãos se reencontrariam no novo estádio do Southampton, o St. Mary’s, para um evento em homenagem a Danny. Na ocasião, Rodney e Ray atuaram por um time de veteranos do clube contra um combinado que incluía vários ex-companheiros do irmão mais velho no Manchester United.



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