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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Há 50 anos, Stoke vencia Chelsea e levava Copa da Liga, seu único caneco


Um dos clubes mais antigos da Inglaterra e um dos fundadores da Football League (cuja criação em 1888 nós contamos neste link), o Stoke City tem, no entanto, um histórico de conquistas bem modesto, inversamente proporcional ao seu tempo de estrada. Entre as três principais competições do país, os alvirrubros só venceram a Copa da Liga, e apenas uma vez, há exatos 50 anos. A equipe recheada de jogadores experientes, a começar pelo lendário Gordon Banks sob as traves, surpreendeu o Chelsea por 2 a 1 na final em Wembley, e fez sua torcida enfim soltar da garganta o grito de campeão.



O clube foi fundado na cidade de Stoke-on-Trent na década de 1860, a mesma em que se estabeleceram as regras originais do jogo. Sua importância para o futebol inglês também pode ser medida por ter sido, durante mais de 20 anos, o lar de um dos mais celebrados atletas do país na história: o ponta Stanley Matthews. Porém, como acontece com outros times ingleses, nem sempre isso se reverteu em conquistas: o Stoke nunca venceu a liga ou a FA Cup – embora tivesse chegado bem perto de ambas.


OS PONTOS ALTOS DE UMA LONGA HISTÓRIA

A maior chance de vencer o campeonato havia acontecido na temporada 1946-47, a primeira após a Segunda Guerra Mundial: para levantar o caneco, bastava uma vitória simples diante do Sheffield United fora de casa num jogo adiado. Mas, sentindo a ausência de Stanley Matthews (que acabara de ser vendido ao Blackpool pelo vaidoso técnico Bob McGrory), o time perdeu por 2 a 1, cedeu o título de bandeja ao Liverpool e acabou repetindo sua melhor colocação anterior: o quarto lugar de 1935-36.


Outras boas campanhas viriam em meados dos anos 1970. Por duas temporadas seguidas (1973-74 e 1974-75) o clube ficou em quinto, mas chegou a brigar de fato pelo título na segunda, numa das disputas mais acirradas e inusitadas da história da elite. A equipe inspirada pelo talentoso meia Alan Hudson, pelo goleiraço Peter Shilton e pelo veterano artilheiro Geoff Hurst chegou a ser líder no fim de novembro de 1974, mas saiu da briga na reta final e terminou a quatro pontos do campeão Derby County.


Já na FA Cup, o clube teve de esperar até 2011 para chegar à sua primeira final, na qual foi batido pelo Manchester City por 1 a 0, gol do marfinense Yayá Touré. Antes disso, havia parado por três vezes nas semifinais: primeiro em 1899 e depois consecutivamente em 1971 e 1972. Na terceira competição em importância no país – a Copa da Liga, instituída na temporada 1960-61 – o clube da região de Staffordshire chegou à decisão em 1964, então em jogos de ida e volta, ficando com o vice diante do Leicester.


E voltaria à final oito anos depois, quando o torneio já era decidido em partida única disputada no lendário palco de Wembley, assim como a FA Cup. Naquela ocasião, o Stoke era treinado pelo mancuniano Tony Waddington, de curta e discreta carreira como jogador no Crewe antes de ser admitido na comissão técnica dos Potters (apelido do Stoke, em referência ao grande número de olarias tradicionais na região) com apenas 28 anos de idade, em 1952, passando mais tarde a assistente do técnico Frank Taylor.


O TIME DOS “EXPERIENTES”


O Stoke vinha penando na segunda divisão no fim da década quando Taylor foi demitido e Waddington promovido ao posto principal em julho de 1960. Após evitar por apenas três pontos a queda para a terceirona em 1960-61, o novo comandante levou adiante uma reformulação no time para poder brigar pelo acesso e reconquistar a torcida. O grande trunfo para isso seria trazer de volta ao clube o antigo ídolo Stanley Matthews, recomprado ao Blackpool 14 anos depois de ter trocado os Potters pelos Tangerines.


Stanley Matthews volta ao Stoke, 1963 (Foto: Popperfoto/Getty Images)

Matthews já contava então com 46 anos de idade, mas ainda tinha lenha para queimar. Além do aumento significativo da média de público, o ganho em qualidade técnica fez o Stoke saltar da 18ª colocação em 1960-61 para a oitava em 1961-62 e logo para o título da categoria de acesso em 1962-63. Foi quando outros ilustres veteranos vieram aportar no Victoria Ground. Antes mesmo do “Mago do Drible”, o centroavante escocês Jackie Mudie (também ex-Blackpool) já havia chegado em março de 1961.


Depois viriam o atacante Dennis Viollet, ex-Manchester United (um sobrevivente do desastre aéreo de Munique); o lateral-direito sul-africano Eddie Stuart e o volante Eddie Clamp, da seleção inglesa, ambos campeões no Wolverhampton; e por fim o talentoso armador Jimmy McIlroy, que levara a Irlanda do Norte à Copa do Mundo em 1958 e o Burnley ao título da liga dois anos depois. Desenhava-se ali um perfil que acompanharia o clube durante toda a era Tony Waddington: o de equipe sempre recheada de nomes rodados.


E assim, mesclando veteranos ao talento formado no próprio clube, o Stoke foi conseguindo se manter na primeira divisão pelo resto daquela década, deixando para viver seu ápice na primeira metade do decênio seguinte. Antes das boas campanhas seguidas na liga, o clube experimentou um período “copeiro”, nas temporadas 1970-71 e 1971-72. Na primeira, os Potters deixaram pelo caminho Millwall, Huddersfield, Ipswich e Hull antes de chegarem à semifinal da FA Cup, tendo o Arsenal como adversário.


No confronto disputado no campo neutro de Hillsborough, o Stoke esteve muito perto da decisão ao sair para o intervalo vencendo por 2 a 0. Mas os Gunners descontaram no início da etapa final e chegaram ao empate dramático num pênalti no último minuto, levando a definição da vaga a um replay no Villa Park, dali a quatro dias. Nele, os londrinos resolveram fácil a parada, vencendo por 2 a 0. Sobrou aos Potters o consolo de uma insólita decisão de terceiro lugar, na qual bateram o Everton por 3 a 2 em Selhurst Park.


Na campanha seguinte, o roteiro foi bem semelhante na FA Cup: o Stoke superou Chesterfield, Tranmere Rovers, Hull e Manchester United antes de reencontrar o Arsenal na semifinal. No Villa Park, o empate em 1 a 1 (desta vez com os Gunners saindo na frente) levou a um novo replay em Goodison Park. E outra vez o Arsenal avançou, ao vencer por 2 a 1. Na decisão do terceiro lugar, disputada só em agosto, o Stoke perdeu do Birmingham nos pênaltis, método até então inédito na história da competição.


A COPA DOS REFLETORES


Entre uma boa campanha e outra na competição mais antiga do mundo, o Stoke também chegou longe – ou mais do que isso – no caçula dos principais torneios do país. A criação da Copa da Liga, em 1960, costuma ser atribuída a uma série de fatores. Mas pelo menos um deles é bem simples de entender: na segunda metade dos anos 1950 quase todos os clubes da Football League já haviam instalado refletores em seus estádios, o que abriu um filão a ser explorado: o dos jogos noturnos de meio de semana.


Jogadores do Stoke com o troféu original da Copa da Liga, na foto da capa da revista "Football League Review".

Uma explicação até um tanto prosaica, especialmente se levado em consideração o contexto de disputa de poder entre sua criadora, a Football League (responsável por organizar o Campeonato Inglês, da primeira à quarta divisões), e a Football Association (que cuidava, entre outras coisas, da tradicional e prestigiosa FA Cup). Ou ainda o surgimento de torneios continentais como a Copa dos Campeões, a Copa das Cidades com Feiras e a Recopa – que teria a edição inaugural naquela mesma temporada 1960-61.


Era, porém, um momento em que muitos dirigentes pediam a redução do número de clubes em cada divisão (e até a criação de uma outra categoria abaixo da quarta) na tentativa de racionalizar o calendário. O novo torneio, portanto, recebeu muitas críticas quando de sua criação justamente por caminhar na contramão dessa tendência, tendendo a superlotar as já escassas datas livres. E, nas primeiras edições, alguns dos principais clubes do país boicotaram a nova copa, centrando o foco em outras prioridades.


Aos poucos, porém, a competição foi ganhando atrativos. O título passou a valer vaga na Copa das Cidades com Feiras (e mais tarde em sua sucessora, a Copa da Uefa). E a partir da temporada 1966-67, a decisão deixou de ser em jogos de ida e volta para ser realizada em partida única, em Wembley. A perspectiva de se exibir no palco mais lendário do futebol britânico, o que antes só era possível na decisão da FA Cup, fez crescer o interesse de muitos clubes – tanto grandes quanto (principalmente) pequenos.


A edição de 1971-72 seria a primeira com participação compulsória dos 92 clubes que integravam as quatro divisões da Football League. Os 22 da primeira divisão e os 14 melhores colocados na segunda na temporada anterior tinham a vantagem de entrar só na segunda fase, quando a eles se juntavam os 28 classificados na etapa anterior. E o Stoke, um desses times da elite com vaga direta na segunda fase, teria como primeiro adversário o modesto Southport, oitavo colocado na quarta divisão em 1970-71.


Clube da região de Merseyside, o Southport fez parte da Football League entre 1921 e 1978, ano em que foi excluído dela pelo sistema então ainda vigente de votação entre os membros (o acesso e descenso automático entre a quarta divisão e as categorias inferiores, conhecidas como non-league, só seria adotado na temporada 1986-87). Para seu lugar seria admitido o Wigan. Naquele início da década, no entanto, o clube aurinegro vivia período importante, chegando a ser campeão da quarta categoria em 1972-73.


O COMEÇO DA CAMINHADA


Em seu estádio de Haig Avenue, o Southport até endureceu o jogo no dia 6 de setembro de 1971, mas o Stoke venceu por 2 a 1 com um gol em cada tempo (o zagueiro Denis Smith marcou na etapa inicial e o atacante Jimmy Greenhoff na final). O próximo adversário seria o Oxford United, equipe de meio de tabela na segunda divisão, quase um mês após o duelo anterior. O empate em 1 a 1 em Manor Ground (com Greenhoff de novo balançando as redes para os Potters) levou a um replay na casa do Stoke.


No Victoria Ground, em 18 de outubro, mesmo diante de um dos menores públicos do time na temporada (pouco menos de 12 mil espectadores presentes), o Stoke triunfou por um placar seguro: 2 a 0, com o atacante John Ritchie colocando a equipe na frente aos 30 minutos de jogo e o meia-armador reserva Sean Haslegrave ampliando a quatro minutos do fim. Já na quarta fase (equivalente às oitavas de final), os Potters enfrentariam pela primeira vez um colega da divisão de elite: o então líder Manchester United.


Programa do terceiro confronto com o United.

Os Red Devils já viviam uma era posterior a aquela sob o comando do lendário Matt Busby: seu treinador desde julho de 1971 era o irlandês Frank O’Farrell, ex-técnico do Leicester. Mas, pelo menos naquela primeira metade da temporada, a equipe ainda poderia contar com sua trinca de ases históricos: George Best, Bobby Charlton e Denis Law. O confronto em Old Trafford pela Copa da Liga, em 27 de outubro, seria o primeiro dos sete duelos contra os Potters o time faria naquela temporada – cinco deles por copas.


A ótima forma do Manchester United na ocasião (com dez vitórias, três empates e apenas uma derrota em 14 jogos pela liga) colocava a equipe como favorita diante do Stoke (que ocupava a décima posição). Mas o jogo terminou empatado em 1 a 1: Alan Gowling abriu a contagem para os donos da casa e John Ritchie deixou tudo igual para os visitantes no segundo tempo. Além de forçar um replay no Victoria Ground em 8 de novembro, o resultado dava certa injeção de confiança no time dos Potters.


Curiosamente o Victoria Ground já havia servido de casa para os Red Devils naquela temporada: punido pela liga no fim da campanha anterior depois que torcedores do clube arremessaram facas contra o setor de visitantes de Old Trafford, o United acabou obrigado a fazer seus dois primeiros jogos como mandante longe da cidade – e o fez em Anfield e no campo do Stoke. Agora, ao voltar para o replay da Copa da Liga, conseguiria segurar um 0 a 0 frustrante aos Potters após tempo normal e prorrogação.


Seria necessário então um segundo replay, que foi novamente marcado para o Victoria Ground, exatamente uma semana depois. Desta vez o Stoke se impôs em casa: marcou duas vezes nos 20 minutos finais com Peter Dobing e John Ritchie e venceu por 2 a 1 (George Best balançou as redes para o United). Depois desse duelo de peso, o oponente na etapa seguinte – o Bristol Rovers, da terceira divisão – daria menos trabalho, sendo derrotado com facilidade por 4 a 2 em seu antigo (e hoje extinto) estádio de Eastville.


O TIME-BASE


Naquele momento, a equipe-base do Stoke já havia se estabilizado, mantendo a velha mistura de juventude e experiência formulada há mais de uma década por Tony Waddington. Nesta equipe da temporada 1971-72, aliás, esta última característica se fazia mais marcante no setor ofensivo, enquanto na defesa a primeira nitidamente predominava. A exceção, nesse caso, ficava sob as traves, onde a equipe não só contava com um nome bastante rodado como também um dos maiores do mundo na posição.


Esse goleiro era ninguém menos que Gordon Banks, contratado do Leicester em abril de 1967, pouco menos de um ano após conquistar em casa a Copa do Mundo com a seleção da Inglaterra. Contando 33 anos de idade naquela primeira metade da campanha da Copa da Liga, Banks ainda estava em plena forma: como jogador dos Potters, havia brilhado no Mundial do México e seguia como titular do English Team. Buscava no atual clube o caneco o qual levantara com os Foxes exatamente sobre o Stoke, em 1964.


Nas laterais, o time contava com uma dupla de “pratas-da-casa”: o valente, combativo e ofensivo Jackie Marsh pela direita e o marcador vigoroso Mike Pejic (de ascendência sérvia) pela esquerda. Também era formada em casa a dupla de zaga, composta por Denis Smith – forte no jogo aéreo e cotado à seleção inglesa – e Alan Bloor – alto, forte e com gosto por se projetar ao ataque. O versátil Mike Bernard, mais um criado no clube, podia atuar em várias posições, mas na ocasião tinha se fixado como volante.


Desse quinteto, somente Bloor já ultrapassara os 23 anos de idade ao início da temporada (tinha 28). Já do meio para a frente, o padrão era a experiência: no ataque, o time-base contava com uma trinca de trintões, a começar pelo falso ponta-esquerda e autêntico meia-armador George Eastham, personagem notório do futebol inglês do período e que, aos 35 anos completados logo no início daquela campanha, era o jogador mais veterano da equipe (e o outro campeão mundial do elenco, junto com Banks).


Eastham se tornara célebre em 1959 pelo litígio com seu clube de então, o Newcastle, que mais tarde se desdobraria numa batalha jurídica de profundo impacto nas relações trabalhistas entre clubes e jogadores de futebol profissionais no país. O meia de fino trato com a bola seguiria para o Arsenal, onde ficaria por seis anos e chegaria à seleção inglesa, pela qual faria 18 partidas e dois gols, integrando o elenco em duas Copas do Mundo (1962 e 1966), embora não chegasse a entrar em campo em nenhuma delas.

O elenco do Stoke em foto da "Football League Review".

Seria após sua segunda Copa que ele aportaria em Staffordshire, já perto dos 30 anos, para servir ainda mais experiência ao elenco de Tony Waddington. No Stoke, ele passaria a atuar mais longe do gol, deixando a tarefa de balançar as redes a cargo de um quarteto que esbanjava ofensividade: o veterano meia-armador Peter Dobing, o arisco e driblador ponta-direita irlandês Terry Conroy, o versátil ponta-de-lança Jimmy Greenhoff e o goleador John Ritchie, centroavante especialista no jogo aéreo.


Dobing, 32 anos ao início da temporada, era um centroavante revelado no Blackburn (pelo qual anotou 104 gols em 205 jogos oficiais) e que teve passagem pelo Manchester City antes de aportar no Victoria Ground em 1963. No Stoke, ele seria recuado para o meio-campo por Tony Waddington, que apostou na qualidade de seu passe. Temperamental e de relacionamento um tanto turbulento com os torcedores ao longo de seu extenso período no clube, também era famoso pelo hábito de fumar cachimbo.


O outro veterano do ataque era Ritchie, 30 anos, que se tornaria o maior artilheiro da história do clube, somadas as suas duas passagens (de 1962 e 1966 e de 1969 e 1975): foram 176 gols em 347 jogos. Revelado pelo Kettering Town, de sua cidade natal (então na non-league), era um centroavante alto (1,88 metro), rápido para seu tamanho e típico finalizador. Vendido de maneira surpreendente ao Sheffield Wednesday em novembro de 1966, acabou recomprado em meados de 1969, para a alegria dos torcedores.


Conroy, rápido e driblador, irlandês ruivo e de longas costeletas que aprendera seus truques com a bola nas peladas de rua em Dublin, chegou ao Stoke antes de completar 20 anos, após atuar em seu país pelo Home Farm e pelo Glentoran. Completou 25 anos ao longo da temporada, mesma idade de Jimmy Greenhoff, ponta-de-lança habilidoso, tido como o melhor jogador inglês a nunca ter atuado pela seleção. Descartado pelo Leeds, clube que o revelou, veio para o Stoke após passagem rápida pelo Birmingham.


A SEMIFINAL ÉPICA


A equipe chegaria desfalcada para enfrentar o West Ham pela semifinal da competição, disputada em jogos de ida e volta. O zagueiro Denis Smith ficaria ausente das duas partidas originalmente previstas – a primeira no dia 8 de dezembro no Victoria Ground e a segunda em Upton Park, uma semana depois. O garoto Stewart Jump, de apenas 19 anos e promovido ao elenco principal só naquela temporada seria seu substituto no jogo de ida. Na volta, a opção seria pela experiência do veterano Eric Skeels, 33 anos.


Os Hammers haviam feito um caminho respeitável até aquela semifinal. Após alguma dificuldade para eliminar o Cardiff de saída, eles despacharam dois timaços em seguida: nada menos que o Leeds de Don Revie (vencendo em Elland Road) e o Liverpool de Bill Shankly. Já pela quinta fase (equivalente às quartas de final), arrasaram o Sheffield United – naquele momento o quarto colocado na primeira divisão – por 5 a 0 em Upton Park. Resultados que os colocavam na condição de favoritos contra o Stoke.


Até porque o time era muito bom. Além de preservar os já veteranos campeões mundiais Bobby Moore e Geoff Hurst, o clube assistia a uma nova geração emergir, revelando nomes como o defensor Billy Bonds, o lateral-esquerdo Frank Lampard (pai), o meia Harry Redknapp, o talentoso armador Trevor Brooking e o atacante bermudense Clyde Best (caso raro de jogador negro na liga inglesa naquela época). Outro nome de destaque era o goleador Bryan “Pop” Robson, contratado do Newcastle em fevereiro.


E a equipe sob o comando de Ron Greenwood, futuro técnico da seleção inglesa pareceu mesmo ter liquidado a fatura já no jogo de ida, ao vencer o Stoke em pleno Victoria Ground por 2 a 1. Os Potters marcaram com Dobing aos 14 minutos, mas Hurst (de pênalti) e Clyde Best deram a vitória aos londrinos, que esperavam confirmar a classificação em casa, numa fria e enevoada noite de inverno. Mas, apesar de criar inúmeras chances (Hurst, Brooking e Best perderam gols incríveis), o time não saía do zero.

Banks pega o pênalti de Hurst: a defesa da carreira, segundo o próprio goleiro.

Até que a rede balançou aos 28 minutos do segundo tempo. Mas quem marcou foi o Stoke: um cruzamento do capitão Peter Dobing foi escorado rasteiro para o gol por John Ritchie, igualando em 2 a 2 o placar agregado – o que, pela regra, levaria a decisão da vaga para a prorrogação. Só que a três minutos do fim, surgiu a chance de ouro para o West Ham enfim confirmar a passagem à final quando Banks derrubou Redknapp na área, e o pênalti foi marcado. E Geoff Hurst imediatamente pegou a bola para bater.


A tensão era tão grande naquele instante que alguns jogadores do West Ham viraram de costas para o lance, preferindo nem ver o desfecho. O chute de Hurst saiu forte como um coice. Talvez até furasse as redes. “Talvez” porque sequer chegou a cruzar a linha. Parou em Banks, que saltou para fazer a defesa a qual o goleiro considerou a mais importante de sua carreira. O tempo normal terminou mesmo 1 a 0 e nada aconteceu na prorrogação, nem no primeiro replay em Hillsborough, que ficou no 0 a 0 após mais 120 minutos.


Foi necessário então um segundo replay em Old Trafford – que, assim como o confronto de Upton Park, também ganharia contornos dramáticos. Logo aos 13 minutos, Terry Conroy escorregou na lama e colidiu com o goleiro Bobby Ferguson, dos Hammers, acertando-o na cabeça. O arqueiro teve de deixar o campo e descer aos vestiários para ser atendido. Na época, apenas um reserva (normalmente jogador de linha) ficava no banco. Mas o West Ham preferiu ficar temporariamente com dez e improvisar.


E quem foi para o gol? O capitão Bobby Moore, que não demoraria a ter de entrar em ação do jeito mais surreal possível. Aos 25 minutos (ou 32, se contados os sete de paralisação pelo atendimento a Bobby Ferguson), John McDowell, lateral-direito dos Hammers, errou ao tocar curto demais na tentativa de recuar uma bola e acabou cometendo pênalti sobre John Ritchie. Mike Bernard foi para a cobrança. Incrivelmente, Moore pulou no canto certo e defendeu o chute, mas teve o azar de dar rebote.


Bernard só teve o trabalho de correr em direção à bola na pequena área enlameada e mandar às redes, abrindo o placar para os Potters. Mas a sorte ainda sorriria ao West Ham naquele primeiro tempo: Billy Bonds cruzou a linha do meio-campo carregando a bola, passou por dois do Stoke e, da intermediária, arriscou um chute rasteiro que parecia não levar perigo. Só que no meio do caminho a bola desviou em Denis Smith (que voltara ao time no jogo anterior), subiu e encobriu Banks, empatando o jogo.


Ferguson conseguiu retornar a campo ainda na etapa inicial, e o West Ham voltou a contar com 11 jogadores. Animado, foi para cima e chegou à virada: Bonds ganhou uma disputa na ponta direita e cruzou à meia-altura para a área. Brooking, que vinha na corrida, acertou um chute cruzado, de sem-pulo, que entrou no canto oposto de Banks. O placar, porém, voltaria a ser mexido antes do intervalo: Eastham recebeu de Conroy na meia direita e entregou a Dobing, que bateu colocado, de fora da área, bem no canto: 2 a 2.


Ao empatar o jogo nos acréscimos do primeiro tempo, o Stoke conseguiu voltar com mais moral para a etapa final. E decidiu a parada logo aos quatro minutos. Marsh desceu pela direita e cruzou forte para a área. O centro foi rebatido pela defesa dos Hammers e voltou no pé de Conroy, que mandou de primeira, da linha da grande área, um bólido para definir o placar em 3 a 2. Depois de 420 minutos – sete horas – de futebol nas semifinais, o Stoke tomava o rumo de Wembley pela primeira vez em sua história.


A GRANDE FINAL


Os dois replays contra o West Ham foram disputados já após a virada do ano, nos dias 5 e 26 de janeiro de 1972. Com a entrada dos clubes das divisões principais na FA Cup e o adiamento de vários jogos pelas condições climáticas adversas devido ao inverno quase sempre rigoroso, aquele era tradicionalmente o momento em que o campeonato embolava e as campanhas tomavam outros rumos em função do calendário caótico – em outras palavras, era um verdadeiro “freio de arrumação” da temporada.


O Stoke não passou ileso por ele. O time que até o início de novembro de 1971 acumulara um bom saldo de oito vitórias, três empates e cinco derrotas em 16 partidas pela liga de repente ficou nove jogos sem vencer, em meio às batalhas da Copa da Liga. Em 22 de janeiro, quatro dias antes do consagrador triunfo sobre o West Ham em Old Trafford, os Potters bateram o Southampton por 3 a 1 no Victoria Ground pelo campeonato. Nos últimos 16 jogos da campanha, só venceriam mais um, contra o Manchester City.


Já o Chelsea fizera o caminho inverso: hesitante no começo da temporada, chegando a cair de maneira surpreendente na Recopa europeia diante dos suecos do Atvidabergs pelos gols fora de casa, o time de Dave Sexton se aprumou a partir do fim de outubro e reagiu, sofrendo apenas uma derrota (para o Derby County fora de casa no dia de Ano Novo) e somando 14 vitórias numa sequência de 24 jogos até superar o Leicester por 2 a 1 em Stamford Bridge em partida pela liga no dia 19 de fevereiro.


Para o campeonato, porém, parecia insuficiente naquela altura. Mesmo com a guinada favorável, os Blues ainda ocupavam o nono lugar após baterem os Foxes, oito pontos atrás do novo líder Manchester City (embora com um jogo a menos). E entre aquele triunfo e a decisão da Copa da Liga, o Chelsea cairia de maneira surpreendente na FA Cup diante do pequeno Leyton Orient (então chamado só de Orient), da segunda divisão. Assim, vencer o Stoke em Wembley ganhava ares de salvação da temporada.


Nada que mexesse tanto assim com os nervos dos cascudos adversários dos Potters, porém. Se o Stoke atravessava uma fase de resultados expressivos em copas, o Chelsea vivia momento ainda mais especial nos torneios de mata-mata: conquistara, pela primeira vez em sua história, a FA Cup em 1970 superando o Leeds numa decisão acirradíssima e emendaria o feito com o título da Recopa europeia no ano seguinte diante do Real Madrid. E tivera uma boa dose de sangue frio para chegar à final da Copa da Liga.


Após passarem sem maiores percalços pelo Plymouth Argyle na fase em que entraram no torneio, os Blues precisaram do replay para superar Nottingham Forest e Bolton. Neste segundo, de forma um tanto extremada: ao decepcionante empate em 1 a 1 dentro de Stamford Bridge contra um oponente que jogava a terceira divisão, o Chelsea respondeu triturando o adversário em seu estádio de Burnden Park por impositivos 6 a 0. Na fase seguinte, um magro 1 a 0 na visita ao Norwich bastou para se classificar.


Nas semifinais, os Blues passaram pelo Tottenham num confronto quase tão apertado quanto o entre Stoke e West Ham: venceram por 3 a 2 em Stamford Bridge e arrancaram um empate em 2 a 2 na volta em White Hart Lane graças a um gol quase casual do meia Alan Hudson no último minuto. Com isso, o Chelsea eliminava do torneio o então detentor do título – e, na verdade, impedia a possibilidade de um tricampeonato, já que os Spurs voltariam a conquistar a competição logo no ano seguinte.


O time de Dave Sexton chegava à decisão com time completo. O goleiro era Peter Bonetti, reserva de Banks na seleção nas duas últimas Copas. A linha de defesa trazia nas laterais o irlandês Paddy Mulligan e o duro capitão Ron Harris e na zaga outro irlandês, John Dempsey, e David Webb. No meio, o dinâmico John Hollins carregava o piano para o talentoso Alan Hudson, enquanto o escocês Charlie Cooke e Peter Houseman avançavam pelas pontas. Na frente, Peter Osgood era acompanhado por Chris Garland.


Peter Osgood, o matreiro camisa 9 do Chelsea, preocupa a defesa do Stoke (Foto: Football League Review).

Este último, de apenas 22 anos, era o mais novo reforço, contratado do Bristol City, da segunda divisão, em setembro para substituir Keith Weller (vendido ao Leicester no início da temporada) no posto de parceiro de ataque de Osgood, centroavante fisicamente forte, de boa técnica e um tanto “malandro”, além de especialista em marcar gols cruciais. Era o alvo de maior preocupação para o Stoke, que também levaria a campo todos os seus titulares, incluindo os mais experientes, para tirar a pressão dos demais.


O jogo começou com o Chelsea pressionando a saída de bola do Stoke, mas, assim que conseguiu se desafogar, o time de Tony Waddington abriu o placar: Dobing arremessou um lateral na área, Bonetti conseguiu socar para fora dela, mas o rebote voltou para os Potters, que de novo alçaram ao ataque. Dempsey bloqueou duas tentativas de finalização, mas não pôde fazer nada quando Conroy, na corrida, pegou todo mundo no contrapé com um toque sutil de cabeça, fazendo a bola entrar bem no canto.


Em desvantagem no placar, o Chelsea intensificou a pressão. Tentou duas vezes com Hollins em chutes de fora da área (um deles cobrando falta), outra com Cooke num rebote de escanteio e ainda outra – a mais perigosa – num lance em que Garland dominou uma bola alçada para a área, conseguiu girar sobre Denis Smith e chutar para defesa segura de Banks. Até que, faltando apenas segundos para o encerramento da primeira etapa, o abafa sobre a área do adversário enfim deu resultado e o empate veio.


Na meia direita, Charlie Cooke alçou a bola para a área buscando Osgood. O centroavante ganhou a disputa pelo alto e, mesmo um pouco desequilibrado, escorou de cabeça para o meio da área. A bola sobrou para Bloor, mas o zagueiro (que até ali cumpria atuação muito séria e correta) não conseguiu dominar por duas vezes. Webb se colocou no meio do caminho e conseguiu fazer a bola chegar outra vez a Osgood, que, mesmo caído no gramado, finalizou com força, à queima-roupa, sem chances para Banks.


Os Blues voltaram do intervalo com uma alteração, a entrada do meia-atacante Tommy Baldwin no lugar do lateral Paddy Mulligan, lesionado. Com isso, Ron Harris trocava de lado na defesa e o ponta Peter Houseman recuava para fazer a lateral esquerda. O Stoke não se impressionou. Até chegou a marcar de novo logo no início da etapa final, numa “tabelinha aérea” concluída por John Ritchie, mas o atacante estava em posição irregular e o gol foi prontamente anulado. Era, porém, uma espécie de prenúncio.


Aos 28 minutos, Dobing recebeu no meio-campo, viu Conroy descendo pela esquerda e acionou o irlandês, que driblou Webb, foi à linha de fundo e cruzou alto, na segunda trave. Ritchie escorou de cabeça para o meio e Greenhoff emendou um potente voleio, que Bonetti salvou, mas não conseguiu segurar. Eastham, na pequena área, só cutucou para dentro. Era o gol do título. Após o Stoke recuperar a vantagem, o Chelsea partiu para o abafa, especialmente pelo alto, mas Banks apareceu de modo brilhante.


Banks, um gigante em Wembley na decisão do último título da carreira. (Foto: Football League Review).

Nos minutos finais, mesmo quando a falta de pernas já se fazia nítida, os Potters ainda tiveram uma grande ocasião para ampliar o placar num escanteio, mas Houseman salvou sobre a linha a cabeçada de Ritchie. O Chelsea, por sua vez, ainda teve uma chance incrível para empatar num recuo mal executado por Bernard que levou Banks a quase sair da área para bloquear a tentativa de Garland. Para o alívio dos cerca de 30 mil torcedores que viajaram de Staffordshire a Wembley, o apito final veio logo depois.


Com o capitão Peter Dobing à frente, o time subiu as escadarias que levavam à tribuna de honra do estádio para receber a taça. Dobing, que em 1960 havia perdido a final da FA Cup ali mesmo em Wembley atuando pelo Blackburn contra o Wolverhampton, tinha agora seu momento de glória. Enquanto isso, nas arquibancadas, a torcida cantava “You’ll Never Walk Alone”, canção muito associada ao Liverpool, mas que naquele tempo era entoada por várias torcidas quando na iminência de grandes conquistas.


O título da Copa da Liga levaria o clube à Europa, já que a conquista valia, na época, uma vaga na Copa da Uefa. E na estreia o Stoke chegou a vencer os alemães-ocidentais do Kaiserslautern por 3 a 1 na partida de ida no Victoria Ground, mas o adversário reverteria o resultado com uma goleada por 4 a 0 na volta. De todo modo, a taça era o ponto alto do último período de campanhas realmente consistentes dos Potters no futebol inglês. E seria também simbólica por ser a última conquista da carreira de Gordon Banks.


Em outubro daquele ano, o goleiro sofreria o grave acidente automobilístico que lhe tiraria a visão do olho direito, encerrando sua carreira no futebol inglês. O Stoke – que em 1974, contrataria Peter Shilton, antigo sucessor de Banks no Leicester – também assistiria à sua sorte mudar (para pior) após um imprevisto: em janeiro de 1976, uma tempestade destruiu a cobertura de um dos setores de arquibancada do Victoria Ground, causando enormes prejuízos. O clube teve de saldar as dívidas se desfazendo do elenco.


Como era de se esperar, as campanhas pioraram sensivelmente. Em março de 1977, após uma derrota por 1 a 0 em casa para o Leicester, Tony Waddington pediu demissão pondo fim à sua era de 17 anos no comando do time. O Stoke acabaria rebaixado ao fim daquela temporada 1976-77. E embora retornasse à elite algumas vezes, inclusive na atual Premier League, nunca chegaria a viver momento tão especial quanto o que pôde experimentar naquela primeira metade da década de 1970.


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