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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Ipswich 1962: os 60 anos do campeão inglês mais surpreendente da história


O time-base da conquista histórica. Em pé: Compton, Carberry, Baxter, Bailey, Elsworthy e Nelson. Agachados: Stephenson, Moran, Crawford, Phillips e Leadbetter.

É possível dizer sem medo de errar que o título do Ipswich em 1962 é o maior conto de fadas do futebol inglês, superando até o Nottingham Forest em 1978 e o Leicester em 2016. Primeiro por se tratar não só de um recém-promovido, mas de um estreante na categoria de elite. Além disso, a vitória do modesto clube de Suffolk veio, por ironia, num momento em que o país começava a retirar algumas barreiras financeiras que de certa forma haviam equilibrado a disputa até ali. E, como tempero, havia as soluções táticas propostas pelo técnico – um certo Alf Ramsey – que desnortearam os concorrentes e levaram um elenco com pouca experiência de primeira divisão a uma conquista memorável.


TEMPO DE MUDANÇAS


O futebol inglês viveu dias agitados em janeiro de 1961. Liderada pelo articulado e carismático Jimmy Hill, meia-atacante do Fulham, a Associação de Jogadores Profissionais (PFA) organizou uma mobilização para exigir mudanças da parte de clubes e federação nas relações de trabalho para a categoria. O alvo principal era o antiquado “maximum wage”, ou teto salarial, que limitava os ganhos semanais dos atletas a módicas 20 libras ao longo da temporada (caindo para apenas £17 durante a pausa de verão).


Mas havia mais contra o que protestar. Por exemplo, a cláusula conhecida como “retain-and-transfer”, regulando a liberdade de contrato dos jogadores. Se um clube fizesse proposta inferior de renovação e a Football Association desse o aval, o jogador era obrigado a aceita-la. Do mesmo modo, se um jogador quisesse se transferir e a FA não considerasse suas razões aceitáveis, seu clube poderia retê-lo indefinidamente sob contrato. Na prática, os direitos eram todos dos clubes. Aos atletas, sobravam os deveres.


A inspiração à PFA vinha da batalha travada desde 1959 pelo meia George Eastham contra seu clube, o Newcastle, que além de ter se negado a aceitar o pedido de transferência feito pelo jogador, suspendera seus salários e se recusara a negociá-lo. Mesmo após o clube ter aceitado vende-lo ao Arsenal em outubro de 1960, Eastham (que chegou a se mudar de cidade e trabalhar vendendo cortiça durante o tempo em que ficou inativo) manteve a ação na Justiça, cujo veredito favorável ao jogador sairia em 1963.


Jimmy Hill (de barba), jogador e líder sindical: articulador de uma importante transformação.

A mobilização começou a surtir efeito quando a Football Association aboliu o “maximum wage” em 9 de janeiro de 1961. Mas houve a ameaça de greve, com os jogadores se recusando a entrar em campo na rodada da liga marcada para o dia 21. Na última das horas, no entanto, a FA recuou e decidiu acatar as demais reivindicações dos atletas. Um efeito imediato foi o gatilho salarial: o meia Johnny Haynes, também do Fulham, recebeu um reajuste que o tornou o primeiro jogador do país a ganhar £100 por semana.


Aquele era, portanto, o despertar de uma nova realidade. Como escreveria Scott Murray em seu brilhante livro The Title – The Story of the First Division, “o gênio dos salários nunca mais voltaria para dentro da garrafa”. A perspectiva natural era a de que os clubes que pudessem gastar mais ofereceriam os contratos mais polpudos, atrairiam os melhores jogadores e se consolidariam no topo da pirâmide, passando a concentrar as disputas de todos os títulos. Mas o futebol também sabia ser sutilmente irônico.


No começo da temporada 1961/62, a primeira após o fim do “maximum wage”, as previsões sempre apontavam Tottenham e Burnley, os dois últimos campeões, como os grandes favoritos à liga. E embora os Spurs se aproveitassem do fim da barreira salarial para repatriar do Milan o goleador Jimmy Greaves, as chances dos Clarets talvez fossem um pouco maiores, já que o rival teria de conciliar disputas domésticas com a da Copa dos Campeões. Por outro lado, na parte de baixo da tabela havia um nome certo ao descenso.


O ESTREANTE DE EAST ANGLIA


A cidade de Ipswich é a principal do condado de Suffolk, região predominantemente agrária e um tanto isolada do leste da Inglaterra, como também é a vizinha e rival Norfolk. Os dois condados, junto com o de Cambridgeshire, formam a região conhecida como East Anglia. Fundado em 16 de outubro de 1878, o Ipswich Town se tornou em 1936 o primeiro – e ainda hoje o único – clube de futebol profissional de Suffolk, sendo admitido na Football League dois anos depois e fazendo sua estreia na temporada 1938/39.


Na época ainda não havia sido criada a quarta divisão, e a terceira era regionalizada e dividida em Norte e Sul – e seria nesta última que o Ipswich entraria. Porém, aquela seria a última temporada completa antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, que interromperia as competições oficiais no país. Mas tanto antes quanto nos primeiros anos após o conflito, o clube participava discretamente da categoria: seu melhor momento, o acesso à segunda divisão em 1953/54, foi logo seguido pelo descenso de volta.


E foi logo após essa queda de volta da segunda divisão para a terceira (sul) que os dirigentes decidiram por uma mudança no comando. Por uma porta saía Scott Duncan, o escocês que vinha dirigindo a equipe desde antes de sua entrada na Football League. Pela outra entrava um ex-lateral de Southampton, Tottenham e seleção inglesa (pela qual disputara a Copa do Mundo de 1950, no Brasil), que acabara de pendurar as chuteiras e embarcar em seu primeiro trabalho como treinador. Chamava-se Alf Ramsey.


Como jogador dos Spurs, o novo comandante havia feito parte do célebre time dirigido por Arthur Rowe notabilizado pelo estilo de bola no chão, passes curtos e tabelas rápidas conhecido como “push-and-run”. Dele, Ramsey preservaria como treinador o gosto pelo futebol objetivo. E após terminar em terceiro na sua primeira temporada à frente do Ipswich, na seguinte ele já levaria o time de volta à segunda divisão. Nela, o clube precisou de três anos para se estabilizar antes de buscar – e conseguir – o feito maior.


Alf Ramsey em seus tempos de Ipswich: revolucionando o clube.

O acesso inédito à categoria de elite do futebol inglês veio com o título da segunda divisão, exatos 100 gols marcados e 59 pontos ganhos, um a mais que o Sheffield United, também promovido. Em terceiro, sete pontos atrás do clube de Suffolk e sem obter o acesso, vinha o Liverpool. E em quarto lugar, com exatos dez pontos de diferença, vinha o Norwich – que detinha o mesmo status do Ipswich de único clube profissional de seu condado, em Norfolk. E que, exatamente por isso, era (e é) seu maior rival regional.


O Ipswich se tornava assim o primeiro clube de toda a região de East Anglia a disputar a primeira divisão inglesa, embora outros (como o próprio Norwich) já fizessem parte da Football League há mais tempo. A presença do clube na elite, no entanto, era vista pela maior parte da comunidade futebolística como uma excentricidade que duraria pouco. Antes do pontapé inicial daquela temporada, o Ipswich era tido como o grande favorito ao rebaixamento. Até por manter o mesmo elenco vindo da segunda divisão.


A única contratação feita por Alf Ramsey havia sido o meia-atacante escocês Doug Moran, trazido do Falkirk (com o qual havia conquistado a Copa da Escócia em 1957) por 12 mil libras, valor mais alto pago pelo clube em sua história – para efeito de comparação, ainda era menos de um oitavo das £99.999 que o Tottenham pagaria por Jimmy Greaves em outubro, a transferência recorde da temporada e do futebol inglês até aquele momento. Moran chegava para uma posição sem titular certo na campanha anterior.


O TIME-BASE E A NOVIDADE TÁTICA


Naquela temporada 1961/62, no entanto, todas as posições tiveram seus titulares bem definidos, ainda que alguns alcançassem aquele status com a campanha já iniciada. O Ipswich só utilizaria 16 jogadores em suas 42 partidas, e todos os 11 titulares disputaram no mínimo 37 jogos (já os cinco reservas, somados, atuaram 16 vezes). Três deles, incluindo o recém-contratado Moran, disputaram todas as partidas. Sempre como titulares, vale lembrar, afinal na época não eram permitidas substituições, nem por lesão.


E quem eram esses titulares? O goleiro era Roy Bailey, dono da posição praticamente desde sua chegada ao clube, proveniente do Crystal Palace em março de 1956. Tempos depois, seu filho Gary Bailey viria a ser o dono da camisa 1 do Manchester United entre 1978 e 1987 e reserva de Peter Shilton na seleção inglesa na Copa do Mundo de 1986. À sua frente no time do Ipswich, Roy tinha uma defesa cujo posicionamento ainda trazia resquícios do sistema WM, já em transição para a formação com quatro zagueiros.


Os laterais eram Larry Carberry, pela direita, e John Compton, pela esquerda. Carberry, embora passasse pelas categorias de base do Everton, profissionalizara-se no Ipswich. Compton, por sua vez, viera do Chelsea e era médio-esquerdo de origem, tendo sido reserva (atuou apenas em três jogos) na campanha anterior. No entanto, com a lesão do antigo dono da posição – o veterano Ken Malcolm – logo no terceiro jogo da temporada 1961/62, ele foi deslocado por Alf Ramsey para preencher aquela lacuna e se firmou.


Pensando no desenho tático do WM, o zagueiro central era Andy Nelson, que tinha à sua frente a dupla de médios defensivos formada pelo escocês Billy Baxter e pelo galês John Elsworthy. Na prática, porém, Baxter já recuava com frequência para compor o miolo de zaga numa linha de quatro defensores, com Elsworthy mais adiantado fazendo o papel de apoiador. A imprensa da época, entretanto, mostrava-se um tanto defasada, ainda descrevendo o trio como uma “linha média” do já superado sistema 2-3-5.


Jogador mais jovem do elenco (22 anos ao início da campanha), Baxter ainda se dividia entre o Ipswich e o serviço militar naquela temporada. Embora fosse um dos mais baixos da defesa, havia começado a carreira como zagueiro central e, sendo assim, não estranhava a função de compor o centro do setor ao lado de Nelson, capitão do time e vindo do West Ham em meados de 1959. Já Elsworthy, apelidado “Gigante Gentil” por seu 1,90 metro de altura, era um dos mais antigos do elenco, vindo do Newport em 1949.


Se no desenho da defesa o Ipswich se mostrava conectado a seu tempo, era na frente que o time surpreendia os adversários. A linha de ataque trazia, nominalmente, Roy Stephenson e Jimmy Leadbetter como pontas e o trio Ted Phillips, Ray Crawford e Doug Moran por dentro. Porém, o posicionamento fugia do convencional, já que nenhum dos ponteiros buscava a linha de fundo em velocidade – Leadbetter, então, era particularmente lento – para então cruzar na cabeça de algum dos homens de frente.


A mecânica ofensiva do time de Alf Ramsey era desconcertante para o futebol da época porque, em vez de atuarem abertos, de maneira aguda, Stephenson e Leadbetter recuavam para armar no meio-campo, onde o segundo compensava sua lentidão com uma precisão extraordinária no passe. E nesse processo, confundiam a marcação do outro lado: sem saber o que fazer, os laterais adversários acabavam abandonando a posição para perseguirem os falsos pontas, deixando um enorme espaço às costas a ser explorado.


Tratava-se, grosso modo, do mesmo esquema 4-4-2 que Ramsey apresentaria ao mundo com a seleção da Inglaterra na Copa de 1966: uma linha de quatro homens na defesa e um meio-campo também com quatro formando um losango (ou “diamante”), sendo um volante diante da defesa, dois meias armando pelos lados e um ponta-de-lança atuando atrás dos dois homens de frente, que tinham alguma mobilidade para explorar os flancos da defesa adversária. Eram os “Wingless Wonders” precedidos em alguns anos.


Ou seja, o posicionamento de Elsworthy era o mesmo de Nobby Stiles (ainda que este fosse um jogador de perfil diferente). Já Stephenson e Leadbetter antecipavam Alan Ball e Martin Peters, respectivamente. Enquanto isso, Doug Moran executava o mesmo trabalho de Bobby Charlton, vindo de trás para acompanhar e municiar Phillips e Crawford – o Hurst e Hunt daquele Ipswich. Num tempo em que a informação não corria tão fácil, ainda mais em se tratando de um time “de segunda divisão”, a novidade fez estragos.


Escocês de Edimburgo, Leadbetter era o mais veterano do time titular (já contava seus 33 anos de idade ao longo da campanha). Profissionalizado no Chelsea, onde atuou pouco, teve passagem pelo Brighton antes de chegar a Portman Road em 1955. Stephenson, por outro lado, foi um dos últimos a se juntar ao elenco, contratado do Leicester em julho de 1960 depois de já ter defendido Burnley, Rotherham e Blackburn. Por fim, além do já citado Doug Moran, os dois homens de área também tinham diferentes origens.


Ray Crawford havia se profissionalizado em outubro de 1956 no Portsmouth – clube que, no início daquela década, ainda tinha a memória recente de seu bicampeonato da liga em 1949 e 1950. E o atacante era tido como promessa pelo técnico Eddie Lever, que acabaria demitido pelo Pompey no meio de 1958. Diz a lenda que, ao sair, Lever deixou a recomendação: “O que quer que vocês façam, não vendam Ray Crawford”. Freddie Cox, o novo técnico, não deu ouvidos: um de seus primeiros atos no cargo foi negociá-lo.


Ray Crawford e Ted Phillips: a dupla de goleadores do Ipswich.

Melhor para o Ipswich. Em Portman Road, ele faria dupla histórica com Ted Phillips, único jogador do elenco oriundo das redondezas de Suffolk, mais precisamente do vilarejo de Gromford, pouco mais de 30 quilômetros distante da principal cidade da região. No clube desde 1953, Phillips era um jogador forte e de chute ainda mais poderoso (“o mais forte que já vi no futebol”, comentou certa vez Matt Busby, técnico do Manchester United). Conta-se que chegou a provocar lesões em alguns goleiros que tentaram detê-lo.


Na campanha do acesso, a dupla havia marcado nada menos que 70 dos 100 gols anotados pelo Ipswich no campeonato da segunda divisão – Crawford balançou as redes 40 vezes e Phillips, 30 (ambos em 42 partidas). Eram números para fazer qualquer time da elite ficar atento. No entanto, o discreto início de campanha dos Blues tratou de despistar os demais competidores. A se julgar pelos três primeiros resultados, o estreante Ipswich parecia procurar confirmar suas credenciais de favorito destacado ao descenso.


APÓS INÍCIO DISCRETO, A PRIMEIRA GRANDE SURPRESA


O time estreou na elite bem longe de casa, em Lancashire, empatando em 0 a 0 com o Bolton. E seguiu na região para a partida seguinte, diante do Burnley. O Ipswich chegou a buscar por três vezes o empate diante de um dos favoritos ao título, mas acabou derrotado por 4 a 3 (Ted Phillips, cabeceando um centro de Leadbetter, marcou o primeiro gol da história do clube na primeira divisão inglesa). Somente na terceira rodada, no dia 26 de agosto de 1961, é que viria o primeiro jogo em casa, em Portman Road.


Antes do início da temporada, o Ipswich reformara um dos setores de arquibancadas. Afinal, pela primeira vez representaria a cidade e a região na primeira divisão e não queria fazer feio. Nos programas (as revistas comumente vendidas nos estádios antes dos jogos com informações sobre a partida), os anúncios de estabelecimentos locais como lavanderias, açougues, tabacarias e joalherias, além da cerveja fabricada por seu presidente, John Cobbold, davam a medida do caráter provinciano do clube.


O primeiro jogo em seu estádio foi aguardado com grande expectativa e os ingressos esgotaram. O Manchester City, que investira para trazer reforços interessantes e vinha embalado pelos bons resultados recentes, seria o primeiro visitante do Ipswich como clube da elite. O time de Suffolk de novo saiu atrás e chegou a buscar o empate por duas vezes. Mas dois gols sofridos quase em sequência nos minutos finais decretaram mais uma derrota, agora por 4 a 2. O clube somava só um ponto em seus três primeiros jogos.


A tabela dos jogos do Campeonato Inglês daquele tempo era bastante aleatória. Era comum que rodadas se repetissem, com mandos invertidos, uma seguida da outra ou em intervalos curtos. O conceito de turno e returno clássicos, com todos os times se enfrentando uma vez para só então fazerem as partidas de volta, nunca foi muito difundido no país. Assim, logo em sua quarta partida da campanha, o Ipswich voltaria a medir forças com o Burnley, a quem havia enfrentado logo na segunda rodada em Turf Moor.


Tomando-se os prognósticos iniciais para ambos os times (os locais, favoritos ao rebaixamento, e os visitantes, candidatos sérios ao título), a expectativa era a de que os torcedores em Portman Road deixassem o estádio novamente frustrados ao fim do duelo daquela noite de terça-feira, 29 de agosto. Porém, se os resultados haviam sido ruins, o futebol jogado pelo Ipswich até ali era promissor. Faltava só um pouco de sorte, diriam alguns. E foi com essa vontade de provar seu valor que o time entrou em campo.


Com John Compton deslocado para ser o novo titular da lateral esquerda no lugar do lesionado Ken Malcolm, o Ipswich jogou com fúria desde o início e marcou aos três minutos com Crawford. Aos 10, porém, Jimmy McIlroy empatou. A igualdade não durou muito: Brian Miller desviou um chute de Stephenson contra as próprias redes e recolocou o Town na frente. E pouco antes do intervalo, Doug Moran marcou seu primeiro gol pelo clube aproveitando passe de Crawford e ampliando a vantagem.



No segundo tempo, o Ipswich seguiu esmagando o então invicto Burnley: Phillips, Crawford e Leadbetter chegaram às redes desenhando a goleada histórica e surpreendente. No fim, o time visitante ainda conseguiu descontar graças a um gol contra de Elsworthy, ao tentar bloquear um chute de John Connelly. O placar de 6 a 2 – que poderia ter sido maior, tamanha a imposição do jogo do Ipswich, humilhando os favoritos Clarets – assombrou o país. Seria só a primeira peça pregada pelos estreantes na elite.


Mesmo sem exibir o mesmo brilhantismo da goleada no Burnley, mas com muita objetividade, o Ipswich também venceu seus três jogos seguintes: 3 a 1 na visita ao West Bromwich Albion, 2 a 1 no Blackburn e 4 a 1 no Birmingham, demonstrando que suas pretensões de permanecer na elite eram bastante factíveis. De quebra, o time de Alf Ramsey deu o troco no Manchester City na Copa da Liga, devolvendo os 4 a 2 em seu primeiro jogo no torneio. A má noticia era a lesão na coxa sofrida pelo goleiro Roy Bailey.


Seu reserva, Wilf Hall, contratado do Stoke em 1960, não era um mau goleiro, longe disso. Só não teve, ao que parece, muita sorte. Naquela temporada ele atuaria cinco vezes, quatro delas nessa sequência em que Bailey ficou de fora em setembro, no início da temporada. E nos cinco jogos em que ele guardou a meta do Ipswich, o time perdeu três, vencendo apenas um. O primeiro foi para esquecer: na visita a um Everton desfalcado, mas ainda forte, ele fez boas defesas. Mas não bastou para evitar a goleada de 5 a 2.


Dois dias depois, o time foi a Ewood Park e empatou com o Blackburn em 2 a 2 num jogo em que poderia ter vencido, dadas as inacreditáveis chances desperdiçadas. No sábado seguinte, de volta a Portman Road, o time voltou a ser derrotado por um Fulham inspirado pelo meia Johnny Haynes (o jogador de £100 por semana, lembram?). O placar de 4 a 2 não dava margem a dúvidas. Porém, no último sábado do mês, o Ipswich retomaria o rumo das vitórias com um 4 a 1 sobre um bom Sheffield Wednesday em Hillsborough.


MAIS UMA GRANDE VITÓRIA SOBRE OUTRO FAVORITO


Com uma campanha de tantos altos e baixos, a equipe de Alf Ramsey terminava o primeiro mês completo da temporada na sexta colocação, com cinco vitórias, dois empates e quatro derrotas em seus 11 jogos. Somava os mesmos 12 pontos do Tottenham (que, no entanto, tinha um jogo a menos). Mas muito distante do Burnley, líder disparado do campeonato com 19 pontos ganhos em 22 possíveis, nove vitórias nos mesmos 11 jogos e apenas uma derrota – aquela mesma por 6 a 2 em Portman Road.


O mês de outubro começou com a volta de Roy Bailey ao gol e uma boa vitória em casa sobre o West Ham (que incluía os jovens Bobby Moore e Geoff Hurst – atuando como médio!) por 4 a 2. Mas seguiu tão oscilante quanto os anteriores. Entre as decepcionantes visitas ao Sheffield United (derrota por 2 a 1 no fim) e ao Blackpool (empate em 1 a 1 num fogo fraco), o Ipswich arrancou outra grande vitória em Portman Road numa atuação memorável contra mais um dos favoritos ao título, desta vez o Tottenham.


O jogo contra o atual detentor da liga e da FA Cup foi assistido por 28.778 espectadores, batendo o recorde histórico de público do estádio até ali. Com seis homens de seleção entre seus titulares, o Tottenham saiu na frente aos 20 minutos, quando Cliff Jones escorou de cabeça um cruzamento de John White. Mas aos 36, Leadbetter adiantou uma bola a Crawford, que passou para Phillips concluir de pé esquerdo e empatar. Mas antes do intervalo, Jones recolocou os Spurs na frente, outra vez de cabeça.


Na etapa final, a pressão inicial foi dos visitantes, mesmo em vantagem. Mas quem marcaria seria o Ipswich com Crawford aos nove minutos, depois de a defesa londrina bloquear as finalizações de Stephenson e Phillips. E rapidamente o time da casa passaria à frente pela primeira vez no jogo, de novo com Crawford, um dos grandes nomes da partida, após receber de Stephenson. No fim, o Tottenham foi para o abafa, mas a resiliência defensiva do Ipswich se impôs, e o placar de 3 a 2 ficou para a história.


O mês de novembro largou com uma discreta vitória de 1 a 0 em casa sobre o Nottingham Forest. Porém, logo adiante, o Ipswich teria de encarar no espaço de uma semana os dois grandes papões do futebol inglês na década anterior: o Wolverhampton de Stan Cullis e Manchester United de Matt Busby. Embora ainda contassem com bons times, incluindo remanescentes dos esquadrões vencedores, os dois viviam momento de baixa na tabela de classificação daquela temporada (um em 18º e o outro em 14º lugar).


O Ipswich, fiel à sua trajetória até ali, obteve resultados díspares: jogando mal, foi derrotado pelos Wolves no Molineux por 2 a 0. Mas, no dia 18, conquistou mais um excelente resultado diante de sua torcida – e do técnico da seleção inglesa, Walter Winterbottom, presença ilustre nas tribunas de Portman Road – ao golear os Red Devils por 4 a 1. O nome do jogo foi Ray Crawford, com duas assistências para Ted Phillips marcar, com seu chute poderoso, os dois primeiros gols e ele próprio anotando o terceiro. Elsworthy fez o outro.


Crawford na seleção: primeiro jogador do Ipswich a vestir a camisa dos Three Lions.

A grande atuação do atacante não passou despercebida, e ele ganhou uma chance na seleção inglesa para a partida contra a Irlanda do Norte em Wembley, válida pelo Campeonato Britânico. Tornava-se assim o primeiro jogador da história do Ipswich a ser convocado pelos Three Lions. E ele honraria o chamado, fazendo a assistência para Bobby Charlton marcar o gol inglês no empate em 1 a 1 no dia 22 de novembro. Aquele era o último jogo da Inglaterra em 1961, mas o atacante seguiria nos planos de Winterbottom.


MAIS PERTO DA LIDERANÇA


Mesmo porque ele continuava a ser muito importante para a ascendente campanha do Ipswich, que teria pela frente outra sequência curiosa, enfrentando os dois clubes que seriam rebaixados naquela temporada. O Cardiff, então no meio da tabela, foi derrotado com facilidade no Ninian Park por 3 a 0 (Ted Phillips abriu o placar com um gol incrível, um chute forte de longe e sem ângulo). E o Chelsea, já vagando pelas últimas posições, acabou batido por 5 a 2 num duelo movimentado em Portman Road.


A vitória sobre os galeses levou o Ipswich à vice-liderança pela primeira vez na temporada, lugar em que continuaria após bater os londrinos. Mas daquele início de dezembro até o de fevereiro, o time oscilaria de maneira curiosa, vencendo os quatro jogos em casa e perdendo os três como visitante. Caiu fora de casa para Aston Villa, Manchester City (ambos por 3 a 0) e Birmingham (3 a 1), vencendo em Portman Road o Bolton (2 a 1), o Leicester (1 a 0), o West Bromwich Albion (3 a 0) e o Everton (4 a 2).


Os destaques dessa sequência foram a virada nos minutos finais, e empurrada pela torcida, sobre um Bolton que bateu muito e usou de todo tipo de expediente para gastar tempo após ter saído na frente e, sem dúvida, a vitória categórica sobre um Everton que vinha uma posição à frente do Ipswich, e logo depois da derrota em Birmingham pela liga e da eliminação na FA Cup por obra do arquirrival Norwich com derrota diante de sua torcida, em Portman Road. Foi o resultado de reafirmação do time de Alf Ramsey.


Ted Phillips, alvo de boatos sobre sua barração antes da partida, abriu a contagem logo aos seis minutos. Billy Bingham empatou para o forte time do Everton, mas o Ipswich retomou a frente em dois lances de bola parada iniciados por Roy Stephenson: primeiro, Doug Moran marcou de cabeça após escanteio cobrado pelo ponta. Depois, John Elsworthy mandou às redes uma falta levantada para a área. Já na etapa final, Ray Crawford ampliou quase sem ângulo, antes de os Toffees diminuírem no fim.


Além de dar o troco da derrota por 5 a 2 sofrida diante do mesmo adversário em Goodison Park no confronto de ida, em setembro, a brilhante vitória reposicionaria o Ipswich na vice-liderança (ultrapassando o próprio Everton e o Tottenham, que perdera em Wolverhampton) e iniciaria a grande arrancada da equipe de Alf Ramsey, pouco antes de adentrar o terço final do campeonato. Daquele mês de fevereiro de 1962 em diante, o time somaria dez vitórias, cinco empates e só uma derrota até o fim do certame.


Roy Bailey salta para afastar de soco um ataque do West Ham em Upton Park.

Ainda naquele mês, o Ipswich deu o troco no Fulham, que o havia derrotado em Portman Road em setembro, ao vencer os londrinos por 2 a 1 no Craven Cottage. E no jogo seguinte pela liga, duas semanas depois, arrancou um empate em 2 a 2 com o bom time do West Ham, então quinto colocado, em Upton Park. Com esses resultados, o time fechou fevereiro na terceira colocação, com 36 pontos em 29 jogos. O Tottenham vinha em segundo com 37 em 30. E o Burnley seguia disparado na liderança.


Mesmo tendo perdido o derby local de Lancashire para o Blackburn por 2 a 1 na casa do rival no fim de fevereiro, os Clarets seguiam como favoritos destacados à conquista do título. No começo de março, ao esmagar o West Ham por 6 a 0 em seu estádio de Turf Moor, a equipe abriu quatro pontos de vantagem para o segundo colocado – o próprio Ipswich, que goleara o Sheffield United por 4 a 0 – com um jogo a menos, além de alcançar a espantosa marca de 90 gols anotados em 29 partidas (mais de três por jogo).


CRESCENDO NA HORA CERTA


E o favoritismo era natural pela maneira como a temporada vinha se desenrolando: o Burnley ocupava a liderança há cerca de seis meses, quase sempre com uma boa folga de pontos em relação aos perseguidores. “Os lancastrianos podem começar a se preparar para a Copa dos Campeões na temporada que vem”, escreveu Geoffrey Green no jornal The Times. “Exceto por algum terremoto, o título da liga deve ser deles pela segunda vez em três anos”. Mas não é que o tal terremoto acabou vindo?


O Burnley seria vítima do próprio calendário. Apesar de ter cumprido menos jogos ao longo da temporada que seus principais rivais, já que – ao contrário do Ipswich – declinou de participar da Copa da Liga (então em sua segunda edição) e – ao contrário do Tottenham – não tinha nenhuma copa europeia para disputar, o time de Lancashire sonhava com sua própria dobradinha de liga e FA Cup e acabou acumulando seus jogos atrasados da primeira e a reta final da segunda justo na mesma altura da campanha.


Já os comandados de Alf Ramsey, ao contrário, cresceram exatamente nesse momento, quando passaram a ter só a liga para disputar. A goleada sobre o Sheffield United (que havia subido junto com o Ipswich e também vinha fazendo campanha notável) evidenciava a consistência da equipe. Doug Moran e Jimmy Leadbetter abriram a vantagem no primeiro tempo e Ray Crawford, em atuação de gala, fez mais dois para fechar os 4 a 0 que encerravam uma série invicta de 16 jogos dos Blades em liga e copa.


E depois de arrancar a quatro minutos do fim uma vitória de virada sobre o Sheffield Wednesday por 2 a 1 em casa, o Ipswich iria a Londres para um jogo memorável diante do Tottenham, quando deixaria claro que brigaria pelo título até o fim. Os Spurs, então detentores da dobradinha e às vésperas de disputarem as semifinais da Copa dos Campeões, jogavam em White Hart Lane suas últimas fichas por mais um título da liga e contariam dessa vez com seu recém-contratado goleador Jimmy Greaves.


O Ipswich, por sua vez, esteve ameaçado de não poder contar com o médio Billy Baxter, primeiro por suspeita de fratura na perna sofrida no jogo com o Sheffield United (que felizmente não se confirmaria) e depois por ter sido chamado para atuar em uma partida pelo time do exército (do qual ele conseguiria ser liberado). Assim, o time de Alf Ramsey seguiria completo a Londres, onde, além de um adversário direto e fortíssimo, teria pela frente o maior público em jogo envolvendo o clube de Suffolk na temporada.


Mas o Town não se intimidaria: aos oito minutos, Crawford superou o zagueiro Maurice Norman e bateu para vencer o goleiro Bill Brown, abrindo o placar para os visitantes. Porém, o sempre oportunista Jimmy Greaves empatou logo depois ao receber passe de Danny Blanchflower. Perto do fim da primeira etapa, o Ipswich voltou à frente: Stephenson apanhou uma bola mal afastada pela defesa dos Spurs, foi à linha de fundo e cruzou alto. Ted Phillips subiu acima da defesa local e testou firme para as redes.


Ted Phillips: após a má fase, o goleador teve sua redenção contra os Spurs.

O jogo seguiu emocionante na etapa final, com chances claras de lado a lado. Mas seria o Ipswich que definiria o placar pouco depois dos 20 minutos, quando Crawford encontrou Ted Phillips com um passe por entre a defesa dos Spurs, e o atacante bateu sem ângulo – desta vez colocado, em vez de seu tradicional chute forte – para fechar o placar de 3 a 1. Para Phillips, que vinha passando por um momento de baixa na temporada depois de anotar aos borbotões no início da campanha, seus dois gols eram uma redenção.


A ARRANCADA ATÉ O TOPO


Houve ainda certa hesitação quando o time ficou no empate em 1 a 1 diante do Blackpool jogando em casa (os Tangerines igualaram no último minuto) e com o Nottingham Forest no City Ground. Mas antes do fim do mês a equipe se reabilitou com um convincente 2 a 0 no Leicester em Filbert Street (em partida originalmente marcada para dezembro) e, três dias depois, um 3 a 2 na raça sobre o Wolverhampton em casa, com Doug Moran se esticando para fazer o gol da vitória a dois minutos do fim do jogo.


A vitória catapultou o Ipswich pela primeira vez à liderança do campeonato, com 48 pontos, dois a mais que o Burnley – que, no entanto, tinha quatro jogos a menos (32 contra 36 da equipe de Alf Ramsey). Em terceiro, distanciando-se da briga pelo título, vinha o Tottenham com 40 pontos em 34 partidas. Everton e Sheffield United com 39 e o West Ham com 38 pontos completavam as seis primeiras colocações. Era nessa situação que os ponteiros adentrariam o mês de abril, decisivo no campeonato.


E embora o Ipswich ocupasse o topo da tabela, era o Burnley que prosseguia sendo apontado como o favorito ao título no início daquele mês. Até porque, logo após assumir a liderança isolada, o Town foi goleado por 5 a 0 pelo Manchester United em Old Trafford, placar que deixa poucas dúvidas sobre a quem pertenceu a superioridade no desenrolar da partida. Três dias depois, os Clarets recuperavam a ponta, mas os mais observadores percebiam que sua forma vinha sendo inferior à do Ipswich.


O cenário para a equipe de Lancashire também não era favorável: o clube faria nada menos que 11 partidas dentro de 28 dias naquele mês e, desde que goleara o West Ham por 6 a 0, empatara quatro de suas cinco partidas. Deixando pontos pelo caminho, o Burnley queimava a reserva de gordura que acumulara durante o campeonato justo no período mais pesado da tabela, tendo ainda que dividir suas atenções e seus esforços com a campanha na FA Cup, precisando do replay nas semifinais para ir à decisão.


O Ipswich se refez da debacle em Old Trafford (sua primeira derrota após dez jogos, sendo sete vitórias e três empates) derrotando o ameaçado Cardiff por 1 a 0 em Portman Road, resultado que valia para retomar o fôlego. E no intervalo entre esse jogo e a partida seguinte do Town, contra o Arsenal em casa, o Burnley havia sofrido duas derrotas seguidas no Turf Moor para os vizinhos Manchester United e Blackburn. Com o Ipswich ainda na frente, a diferença no número de jogos caía para apenas um.


Curiosamente, aquela seria a primeira vez que o Ipswich enfrentaria o Arsenal na temporada – já na 39ª de suas 42 partidas pela liga. O estádio de Portman Road recebeu seu recorde de público naquela campanha, superando pela primeira e única vez os 30 mil espectadores (com muitos torcedores tendo de ficar do lado de fora). Depois de cinco jogos seguidos tendo desfalques aqui e ali, o Ipswich voltava a contar com o time titular completo e almejava uma grande vitória para se manter na liderança.


O Arsenal, porém, parecia ter outras ideias: depois de um primeiro tempo pouco movimentado, os Gunners saíram na frente com John McLeod na sequência de um escanteio. E ampliaram a vantagem com um golaço de George Eastham, o melhor jogador em campo, que valeu aplausos até da torcida local. Quatro minutos depois, porém, a reação do Ipswich começou num pênalti convertido por Ted Phillips e resultou no empate em 2 a 2, obtido na marra por Jimmy Leadbetter, já perto do fim da partida.


A RETA FINAL, UMA PROVA DE RESISTÊNCIA


Começava ali uma pequena maratona, em que tanto Ipswich quanto Burnley fariam três jogos em apenas quatro dias. O time de Alf Ramsey, que recebera o Arsenal no dia 20, viajaria a Londres para enfrentar o Chelsea no dia seguinte e de novo os Gunners no dia 23. Os Clarets, por sua vez, haviam enfrentado e vencido o Blackpool em casa no dia 20, e em seguida sairiam para pegar o Sheffield United no dia 21 e então novamente os Tangerines no dia 23. Tudo isso antes do último fim de semana da liga.


Contra o Chelsea em Stamford Bridge, assim como no jogo anterior diante do Arsenal, o Ipswich outra vez se viu tendo de buscar o empate em 2 a 2 após sair em desvantagem de dois gols. Mas se este não foi exatamente um bom resultado para o Town, foi pior ainda para os Blues, que tiveram seu rebaixamento matematicamente confirmado. Apesar da má atuação, o ponto ganho em Londres bastou para a equipe de Alf Ramsey recuperar a liderança graças à derrota do Burnley em Bramall Lane no mesmo dia.


Veio então a partida contra o Arsenal em Highbury, a penúltima do Ipswich naquela campanha. E com ela uma atuação memorável do Town. Era o primeiro confronto entre os dois clubes no estádio na história, mas não a primeira vez do Ipswich ali: naquela mesma temporada, em janeiro, a equipe goleara o Luton por 5 a 1 em um replay em campo neutro pela FA Cup. As lembranças, portanto, eram bastante agradáveis – e continuariam sendo por um tempo após aquele inesquecível 23 de abril de 1962.


Diante de quase 45 mil torcedores (sendo cerca de cinco mil visitantes), o time da casa começou pressionando, mas o Ipswich logo marcou duas vezes, após cruzamentos de Roy Stephenson. O primeiro, alto, foi concluído de cabeça por Ted Phillips, encobrindo Jack Kelsey no gol dos Gunners antes de tocar o travessão e quicar dentro do gol. Já o segundo – rasteiro, na segunda trave – teve Phillips fazendo o corta-luz até a bola chegar a Ray Crawford, que tocou quase sem ângulo para ampliar a vantagem.


No segundo tempo, um golaço de Crawford fecharia o placar em 3 a 0: o atacante recebeu uma cobrança de lateral pelo lado direito do ataque, passou por John Petts e Billy McCullough, jogou a bola por entre as pernas de Terry Neill e chutou forte para vencer Kelsey. A vitória convincente ainda deixava o Ipswich sonhar com o título, já que o Burnley ficou no empate em 1 a 1 na visita ao Blackpool. O time de Suffolk teria de vencer sua última partida e torcer por outro tropeço dos Clarets em um de seus dois jogos.


TARDE DE GLÓRIA


No último sábado regular da temporada, 28 de abril, o Ipswich receberia o Aston Villa, enquanto o Burnley jogaria também em casa contra o lanterna e já rebaixado Chelsea. Dali a dois dias, os Clarets encerrariam sua tabela viajando para enfrentar o Sheffield Wednesday em Hillsborough numa partida adiada. Com vantagem no critério do goal average, o time de Lancashire dependia apenas de si: se vencesse ambos os jogos, seria campeão. Mas se perdesse ponto em algum deles, deixaria a porta aberta ao Ipswich.


O Villa, porém, trataria de dificultar ao máximo a tarefa dos comandados de Alf Ramsey, fechado na defesa, bloqueando os espaços e deixando os oponentes com frequência em impedimento. O jogo seguiria sem gols para além da metade do segundo tempo. Até que aos 27 minutos, Baxter sofreu falta no lado direito do ataque. Roy Stephenson cobrou lançando para a área e a cabeçada de Elsworthy acertou o travessão. No rebote, Crawford mergulhou também de cabeça e mandou a bola às redes, abrindo a contagem.


Perto do título: torcedores invadem o campo para comemorar o gol de Crawford contra o Aston Villa.

Em desvantagem, o Aston Villa partiu todo para o ataque e se abriu. Aos 31 minutos, o Ipswich conseguiu sair da pressão ligando um contra-ataque com Ray Crawford. No mano a mano com o jovem zagueiro John Sleeuwenhoek, do Villa, ele travou um duelo que foi quase da linha divisória até a área, onde o artilheiro do Ipswich conseguiu ganhar a disputa e livrar-se também do goleiro Nigel Sims, contornando-o e tocando para as redes, fechando a vitória por 2 a 0 e encerrando as chances de um tropeço em casa.


O delírio do público local foi ainda maior ao fim do jogo quando ficou-se sabendo que o Burnley havia parado no empate em 1 a 1 em casa diante do Chelsea. Nem seria preciso mais aguardar pelo resultado do último jogo dos Clarets em Hillsborough: o Ipswich era campeão ali, naquele momento, diante de sua torcida. E com champanhe providenciado por Kenneth Wolstenholme, lendário narrador e apresentador da BBC – aliás, o homem que popularizou a expressão que batiza este site.


Em uma aposta feita na época do Natal, Wolstenholme havia prometido entregar uma dúzia de garrafas de champanhe caso o Ipswich, então em quarto lugar, conquistasse o título. Dito e feito. Enquanto Alf Ramsey e o elenco brindavam a conquista saboreando a bebida, o técnico declarava à imprensa que “o campeonato foi vencido pelos jogadores, não por Alf Ramsey. Tive a sorte de contar com atletas inteligentes que pensam em futebol e conversam sobre futebol”, afirmava num arroubo de modéstia.


Um vídeo raro com a comemoração do título, uma entrevista de Alf Ramsey e os melhores momentos da partida na transmissão original da BBC pode ser assistido neste link.


A campanha do Ipswich refletia um campeonato ainda bastante disputado, com 24 vitórias, oito empates e dez derrotas em 42 partidas, totalizando 56 pontos ganhos (contra 53 do Burnley, 52 do Tottenham e 51 do Everton). A equipe contou com o segundo melhor ataque da competição, balançando as redes 93 vezes (só atrás dos fantásticos 101 anotados pelo Burnley). Já a defesa deixou passar 67, mesmo número dos Clarets, mas pior que o de outras cinco equipes. O Town teve, porém, o artilheiro do campeonato.


Ausente de apenas uma partida, Ray Crawford anotou 33 gols pela liga, terminando no topo da tabela de artilheiros empatado com Derek Kevan, do West Bromwich Albion. Somando todas as competições, ele também seria o goleador da temporada, com 37 tentos, um a mais que o total de Ted Phillips (autor de 28 pelo campeonato). Crawford também voltaria a defender a Inglaterra pouco antes do fim da temporada, balançando as redes nos 3 a 1 sobre a Áustria em Wembley em amistoso no dia 4 de abril.


Embora se consagrasse o artilheiro da temporada e tivesse bom desempenho nos dois jogos pela seleção e também nas partidas que disputou pelo combinado da liga inglesa, Crawford acabaria de fora da Copa do Mundo do Chile, disputada na sequência. Em vez de levar o atacante que havia marcado 33 gols pela primeira divisão, o comitê selecionador optou por convocar em seu lugar Alan Peacock, do Middlesbrough, autor de 24 gols pela segunda divisão – critério que ajuda a explicar o fiasco dos Three Lions.


Os campeões de 1962 desfilam em carro aberto pelas ruas da cidade de Ipswich.

Na temporada seguinte, no entanto, todo mundo já sabia como anular o jogo do Ipswich, e o time terminou num para lá de modesto 17º lugar. O título ficaria com o Everton e seu elenco caro que ficaria conhecido como o “time do talão de cheques”, fazendo contraste escancarado com seu antecessor na galeria de campeões. Alf Ramsey não ficou até o fim da campanha: em 1º de maio de 1963, ele deixava o clube para se concentrar no comando da seleção inglesa, preparando o time para a Copa do Mundo em casa dali a três anos.


Antes da saída de Ramsey – que seria substituído pelo ex-jogador Jackie Milburn, antigo craque do Newcastle e da seleção – houve ainda a estreia do clube nas copas europeias, participando da Copa dos Campeões. Na primeira fase, o Ipswich aniquilou o modesto Floriana, de Malta, fazendo 14 a 1 no placar agregado (em Portman Road, o time venceu por 10 a 0 com cinco gols de Ray Crawford), antes de ser eliminado pelo Milan, futuro campeão, nas oitavas de final de maneira bastante honrosa.


Derrotado por 3 a 0 em San Siro (com o brasileiro Dino Sani marcando um dos gols dos rossoneri), o Ipswich deixou o torneio de cabeça erguida ao vencer por 2 a 1 de virada na partida de volta em Portman Road, no dia 28 de novembro de 1962. O Town saiu atrás já na metade da etapa final, mas reagiu com gols de Ray Crawford e do médio escocês Bobby Blackwood, contratado para aquela temporada. O clube só retornaria ao cenário europeu dali a 11 anos, disputando a Copa da Uefa na temporada 1973-74.


Com Jackie Milburn no comando, o Ipswich rapidamente seguiu o caminho de volta à segunda divisão. Se o perfume da novidade já havia se esvaído na temporada 1962-63, a equipe se tornaria mera caricatura do time campeão em 1963-64, sendo rebaixada como lanterna, com apenas nove vitórias em 42 jogos e sofrendo absurdos 121 gols – a pior marca vista na primeira divisão desde os 125 levados pelo Blackpool em 1930-31 – numa campanha que incluiu derrotas por 10 a 1 para o Fulham e 9 a 1 para o Stoke.


Nessa época, a reformulação do elenco já estava a todo vapor. Ray Crawford havia puxado a fila ao ser vendido para o Wolverhampton em setembro de 1963. E nada menos que oito titulares da temporada do título fariam sua última partida pelo clube ao longo do ano de 1964. Com a saída de Jimmy Leadbetter, em meados de 1965, apenas Billy Baxter permaneceu. Crawford chegaria a retornar para uma segunda passagem entre março de 1966 e março de 1969, quando o clube já entrava numa nova era.


Após passar quase todo o resto da década de 1960 no mesmo limbo da segunda divisão em que figurara nos seus primeiros tempos na Football League, o Ipswich seria resgatado pelo técnico Bobby Robson – jogador do West Bromwich Albion na temporada 1961-62 – para um período até mais duradouro de campanhas consistentes na elite entre 1973 e 1982, vencendo ainda a FA Cup em 1978 e a Copa da Uefa em 1981. Mas o título da liga bateria na trave por duas vezes, nos vice-campeonatos de 1980-81 e 1981-82.

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