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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

O Sheffield United, sua história na liga e a última grande campanha na elite


O elenco dos Blades para a temporada 1974-75: com a bola, o craque Tony Currie.

Cumprindo campanha surpreendente na atual temporada da Premier League, o Sheffield United tem história que remonta aos primeiros anos da Football League. Disputou 61 vezes a primeira divisão, conquistou um título e fez algumas boas campanhas. A última de destaque veio há 45 anos, em 1974-75, quando ficou em sexto, perto de se classificar para a Copa da Uefa. Trazemos aqui um panorama histórico do clube no Campeonato Inglês e contamos em detalhes como foi aquela última grande participação dos Blades.

A ERA DE OURO E O PRIMEIRO DECLÍNIO

Conhecida por sua produção de aço, a cidade de Sheffield, na região de Yorkshire, é um dos berços do futebol tal qual nós o conhecemos. Ali foi fundado o Sheffield FC, reconhecido como o primeiro clube praticante do jogo no mundo e ainda hoje em atividade nas divisões amadoras da Inglaterra. Também lá aconteceu a primeira partida de futebol entre clubes da história, entre o próprio Sheffield FC e o Hallam, em 26 de dezembro de 1860.


Fundado em 1889, ano seguinte ao da criação da Football League, o Sheffield United teve sua filiação aceita pela entidade em 1892, entrando na segunda divisão e obtendo o acesso logo na primeira temporada. No fim daquela década, o clube viveria sua era de ouro na história do Campeonato Inglês, levantando seu único título em 1898 e ficando com o vice em 1897 e 1900 – em ambas as vezes atrás do Aston Villa.


O destaque do time naqueles tempos era o goleiro William “Fatty” Foulke, um paredão quase intransponível de 1,93 metro de altura e 133kg de peso. Para levantar o único caneco da elite em sua história, os Blades – que, no caminho para o título, aplicaram 4 a 0 no Liverpool em Anfield – tiveram que superar a perseguição primeiro do Villa e mais tarde do Sunderland, selando a conquista com uma rodada de antecipação.


O gigantesco William "Fatty" Foulke, herói do único título na liga.

Um ano após vencer a liga, o clube conquistou a primeira de suas quatro FA Cups ao golear o Derby County por 4 a 1 no extinto estádio de Crystal Palace (sem relação com o time de mesmo nome). O Sheffield United voltaria a levantar a taça em 1902 (contra o Southampton), 1915 (diante do Chelsea) e 1925 (superando o Cardiff). Mas nesse momento, já começava a ser eclipsado pelo seu arquirrival local, The Wednesday.


Os Owls, que já haviam conquistado a FA Cup em 1896, levantaram logo um bicampeonato da liga em 1903 e 1904 – feito que só havia sido alcançado então pelo Preston e pelo Aston Villa. E antes da pausa provocada pela Primeira Guerra Mundial, ainda marcariam presença no pódio mais duas vezes, com dois terceiros lugares em 1906 e 1913. Logo depois do fim do conflito, o time foi rebaixado em 1920, só retornando em 1926.


Enquanto isso, o Sheffield United se acostumara a campanhas de meio de tabela para baixo na primeira divisão. Mas no fim dos anos 1920, seu orgulho seria ferido ao ser obrigado a assistir, desta vez, à era de ouro do rival: o Wednesday se salvou do rebaixamento de maneira espetacular em 1928. No ano seguinte, levantou seu terceiro título da liga. E em 1930, já renomeado Sheffield Wednesday, completaria outro bicampeonato.


Enquanto o rival se estabelecia como uma das grandes forças do país, terminando por quatro vezes em terceiro lugar num período de cinco anos (1931, 1932, 1933 e 1935) e levantando mais uma FA Cup também em 1935, o Sheffield United amargaria seu primeiro rebaixamento em 1934, pondo fim a uma série de 37 participações consecutivas na elite. Retornaria em 1939, mas a temporada acabaria interrompida pela Segunda Guerra.


O time quinto colocado em 1962, uma rara colocação de destaque no pós-Segunda Guerra.

Nas 28 temporadas da liga disputadas entre o retorno das atividades após o fim do conflito, em 1946-47, e a de 1973-74, os Blades empreenderam apenas duas campanhas dignas de nota: logo na primeira, quando terminaram na sexta colocação, oito pontos atrás do campeão Liverpool, e em 1961-62, ao ficarem em quinto, a nove pontos do Ipswich. Por outro lado, amargaram três rebaixamentos, somando 12 anos fora da elite.


A ÚLTIMA GRANDE TEMPORADA


No início dos anos 70, o clube enfrentava dificuldades financeiras, já que vinha construindo um novo setor sul de arquibancadas no estádio de Bramall Lane. Para a temporada 1974-75 tinha, portanto, um elenco modesto, com apenas dois nomes de seleção: o zagueiro Eddie Colquhoun, que defendera a Escócia na Taça Independência (ou Minicopa) disputada no Brasil em 1972, e o meia Tony Currie, um dos maiores ídolos de sua história.


Currie era mais um de uma longa lista de jogadores “rebeldes” que marcaram aquele período do futebol inglês. Meia ofensivo de futebol impetuoso, grande visão de jogo, exuberante qualidade técnica individual, ótimo nos lançamentos e alheio a esquemas rígidos, fez 17 jogos pela Inglaterra, sendo convocado mesmo quando jogava a segunda divisão. Era quem dava o toque de brilho a uma equipe de resto praticamente anônima.


Tony Currie, o maior jogador da história do clube.

O goleiro era o escocês Jim Brown, que em junho de 1975, após o fim da temporada, chegaria a fazer uma partida pela seleção de seu país. Nas laterais, havia os ofensivos Len Badger e Ted Hemlsey. No centro da defesa, o antigo meia recuado Colin Franks e John Flynn se revezavam ao lado de Colquhoun. No meio-campo, Keith Eddy e Mick Speight assessoravam Tony Currie, tendo ainda David Bradford como um reserva bastante utilizado.


Já no ataque, o ponta-direita Alan Woodward, prata-da-casa e um dos jogadores com mais tempo de clube, era um dos ídolos. Dono de chute forte, era o responsável pelas jogadas de bola parada. Pelo meio, havia o centroavante Tony Field. E na esquerda, o ponteiro Billy Dearden. O técnico era Ken Furphy, que assumira o comando em dezembro de 1973 e trouxera alguns atletas dos dois últimos clubes que dirigira, Blackburn e Watford.


Visto com os olhos de hoje, aquele campeonato de 1974-75 provoca alguns sustos. A começar pela ausência do Manchester United, então na segunda divisão, trilhando seu caminho de volta à elite após o dramático rebaixamento sofrido na temporada anterior. Além disso, o trio londrino Arsenal, Tottenham e Chelsea se envolveu em briga acirrada (e que foi levada ao pé da letra nas arquibancadas) contra a queda – os Blues desceram.


E a própria disputa pelo título foi uma das mais surpreendentes e imprevisíveis daquela década. Basta dizer que no começo de abril, mês do encerramento do certame, nada menos que cinco clubes seguiam com chances reais de conquista-lo: Derby County (que, no fim das contas, ficaria com o caneco), Everton, Ipswich Town, Liverpool e Stoke City. Logo abaixo desse quinteto, fechando o “G-6” daquele ano, veio o Sheffield United.


Na primeira metade da temporada, os Blades oscilaram demais. O time estreou empatando em casa com o Queens Park Rangers em 1 a 1 e só obteve a primeira vitória na quarta rodada ao bater o Newcastle, também em Bramall Lane, por 2 a 1. Aquele triunfo iniciou uma série de quatro resultados positivos seguidos, que alçaram o time da 15ª para a quinta posição. Logo em seguida, porém, o time foi goleado pelo Leeds por 5 a 1.


Ainda houve tempo para recuperação, e o time fechou o mês de setembro batendo o Liverpool – num dos primeiros jogos da era Bob Paisley no clube – por 1 a 0 em casa e retornando à quinta colocação. O que se seguiu, porém, foi um novo declínio, com apenas um ponto somado nas próximas quatro partidas. E um pesado 3 a 0 sofrido diante do Leicester fez os Blades descerem para a 13ª posição. Mas a gangorra não pararia por ali.


Uma nova sequência positiva com três vitórias e um empate em casa diante do Burnley (2 a 2) conduziram de novo o time ao quinto lugar em meados de novembro. Mas dali até o fim do ano, nos últimos seis jogos, foram quatro derrotas e só um triunfo. Batido pelo Middlesbrough por 1 a 0 em Ayresome Park na rodada de Boxing Day, o Sheffield United descia agora ao 14º lugar, com o mesmo número de vitórias e derrotas acumuladas: nove.


O time terminou o ano de 1974 empatando em 1 a 1 em casa com o Arsenal e repetiu o resultado em seu primeiro jogo de 1975 pela liga, contra o Manchester City. Dali em diante, começaria a encaminhar a reação no campeonato. O pontapé inicial veio em White Hart Lane, com a boa vitória de 3 a 1 sobre o Tottenham. Uma semana depois, os Blades seriam eliminados da FA Cup com goleada de 4 a 1 para o Aston Villa, da segunda divisão.


Fora de ambas as copas (na da Liga, já havia caído em novembro para o Norwich, também da segundona), o Sheffield United teria calendário bem mais folgado, o que favoreceu bastante sua recuperação. Nas 18 partidas entre a virada do ano e o fim da temporada, o time somaria nove vitórias, sete empates e só duas derrotas. E depois de bater o Carlisle fora de casa (1 a 0) e o Chelsea (2 a 1) em fevereiro, começaria a escalar na tabela.


Os dois últimos meses da campanha – março e abril – seriam aqueles em que o clube mais jogaria. Foram seis partidas disputadas em cada um. Se, mesmo com as boas sequências, o fato de ter jogos a menos havia impedido voos mais altos na classificação em janeiro e fevereiro, agora não haveria mais como deter a guinada para cima. Três vitórias (sobre Ipswich, Wolves e West Ham) e um 0 a 0 em Anfield com o Liverpool levaram ao oitavo lugar.


A ARRANCADA FINAL


Uma ligeira estagnada na virada dos meses, quando o time empatou com o Coventry fora (2 a 2), perdeu para o Arsenal em Highbury (1 a 0) e ficou no 1 a 1 com o Leeds em Bramall Lane ainda conteve um pouco a ascensão. Mas, logo depois, uma vitória por 2 a 0 sobre o Stoke – que tiraria as chances de título dos Potters – e um expressivo 3 a 2 sobre o Everton em Goodison Park ajudaram a dar um gás novo e encaminhar a ótima sequência final.


No dia 23 de abril, os Blades foram a Londres e empataram em 1 a 1 com o Chelsea, praticamente condenando os Blues à queda. Três dias depois, na última rodada completa, o golearam o Leicester por 4 a 0, dando o troco da derrota sofrida em outubro. E no dia 29, em partida adiada, um 0 a 0 com o Birmingham em St. Andrew’s serviu para suplantar em um ponto o Middlesbrough e pular para o sexto lugar.


O Sheffield United terminou a campanha com 18 vitórias, 13 empates e 11 derrotas, somando 49 pontos. Ficou a apenas um do quarto colocado Everton, que garantiu a última vaga inglesa na Copa da Uefa pela liga. O empate dos Blades diante do Birmingham no jogo adiado de 29 de abril parece soar como uma ótima chance perdida, mas não foi bem assim, em vista do critério de desempate ainda adotado na época: o goal average.


O critério nada mais era que a divisão do número de gols marcados pelos sofridos. O Everton anotara 56 e levara 42, o que dava uma média de 1,333. Já o Sheffield United – que tivera ataque mais positivo que os Toffees (58 gols), mas defesa bem mais vazada (51 gols) – chegava com a média de 1,137. Para ultrapassar o time de Merseyside na tabela, a vitória mínima que os Blades precisavam em Birmingham era um improvável 10 a 0.


Aparentemente sem resultados chamativos, a campanha revela um dado interessante quando observamos o contexto daquela temporada: o ótimo desempenho dos Blades contra as cinco equipes acima dele na tabela. Exceção feita ao campeão Derby, para quem o time perdeu ambos os jogos (2 a 0 no Baseball Ground e 2 a 1 em Bramall Lane), os resultados contra Ipswich, Liverpool, Everton e Stoke foram favoráveis.


Contra o Ipswich, vice-campeão, os Blades venceram os dois jogos – o que, sem dúvida, ajudou a decidir o campeonato: 3 a 1 em Bramall Lane no fim de agosto e 1 a 0 em Portman Road, gol de Alan Woodward, no começo de março. Já diante do Liverpool, terceiro colocado, houve uma vitória em casa em setembro (1 a 0, também decidido por Woodward, no último minuto) e um empate sem gols em Anfield, em meados de março.


O Everton, que terminou em quarto, conseguiu sair com um ponto de Bramall Lane num empate por 2 a 2 em outubro. Mas foi derrotado dentro do Goodison Park, já na reta final da competição, em uma virada histórica: perdendo por 2 a 0 no intervalo, o Sheffield United reagiu na etapa final com gols de Keith Eddy e Billy Dearden, antes de Tony Currie aproveitar cruzamento de Len Badger para dar a vitória aos Blades a cinco minutos do fim.


Já o Stoke, quinto colocado, chegou a derrotar o Sheffield United no Victoria Ground por 3 a 2 no início de outubro. Mas o troco dos Blades, na vitória por 2 a 0 em Bramall Lane no dia 12 de abril, foi mais dolorido para os Potters, que saíram da briga pelo título com aquele resultado. Por outro lado, o time pouco tropeçou nos rebaixados (Luton, Chelsea e Carlisle). O único resultado mais imperdoável foi o 1 a 1 em casa diante dos Hatters.


O NOVO (E MAIOR) DECLÍNIO E O RETORNO À ELITE


Na temporada seguinte, porém, o embalo havia se perdido. Para se ter uma ideia, antes do Natal o time somava aterradoras 18 derrotas em 22 jogos, cinco pontos ganhos em 44 disputados. O rebaixamento seria confirmado já no fim de março, ainda com seis jogos por fazer, após a goleada de 5 a 0 para o Tottenham em White Hart Lane. Naquela altura, a equipe já não era mais dirigida por Ken Furphy, demitido no início de outubro de 1975.


O treinador emigrou então para os Estados Unidos, onde foi dirigir o New York Cosmos de Pelé, Franz Beckenbauer e Giorgio Chinaglia na North American Soccer League (NASL). No ano seguinte, ele comandaria o selecionado da liga local que enfrentou Brasil, Inglaterra e Itália no torneio comemorativo do bicentenário da independência estadunidense. Logo depois, os ex-Blades Keith Eddy e Tony Field se juntariam a ele no Cosmos.


O declínio do Sheffield United seria rápido e acentuado. Em 1981, o clube desceria pela primeira – e até hoje única – vez em sua história à quarta divisão. Levando o resto da década para escalar de novo toda a pirâmide até a categoria de elite. Antes disso, no fim dos anos 70, aproveitaria a recente abertura dos portos a jogadores estrangeiros no país para importar o meia argentino Alejandro Sabella – e recusar o jovem Diego Maradona.


Brian Deane, do United, encara Carlton Palmer, do Wednesday, no Steel City Derby da semifinal da FA Cup de 1993.

A volta à elite nos anos 90 durou quatro temporadas, entre 1990-91 e 1993-94. Embora voltasse a ser eclipsado pelo rival Wednesday, ainda conseguiu pelo menos um bom nono lugar em 1991-92, na última temporada antes da criação da Premier League. E no ano seguinte, disputaria uma semifinal marcante e histórica contra os Owls na FA Cup – em derby vencido pelo adversário por 2 a 1 na prorrogação em Wembley.


Entre 1994 e 2019, o Sheffield United disputou apenas uma temporada na Premier League, a de 2006-07, sendo rebaixado na última rodada pelo saldo de gols após uma vitória controversa do West Ham sobre o Manchester United com gol de Carlos Tévez. Agora de volta à elite, o clube tenta o que ainda não conseguiu e que esteve perto em 1975: classificar-se pela primeira vez para uma competição europeia.

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