top of page
  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Os dias esquecidos de Sir Alf Ramsey à frente do Birmingham City


Personagem singular do futebol inglês tanto como jogador quanto como treinador, Sir Alf Ramsey completaria seu centenário de nascimento nesta quarta. Lateral inteligente e ousado no Southampton, Tottenham e seleção inglesa, conduziu como técnico o pequeno Ipswich Town da terceira para a primeira divisão conquistando o título na temporada de estreia do clube na elite. Dali, partiria para levar a Inglaterra a levantar a Copa de 1966.


Para celebrá-lo, poderíamos ter escolhido trazer um panorama geral de sua trajetória, ou mesmo colocar a lupa sobre qualquer momento entre os citados acima. Mas preferimos resgatar uma época quase completamente esquecida de sua carreira: o desfecho dela, quando Sir Alf aceitou o convite para dirigir o Birmingham City após um mau começo naquela temporada 1977-78. Seria o adeus do lendário comandante.



A CHEGADA A ST. ANDREW'S


Afastado do futebol desde a sua demissão do comando da seleção inglesa, que só veio em abril de 1974, seis meses após a queda da Inglaterra diante da Polônia nas Eliminatórias para a Copa do Mundo da Alemanha Ocidental, Ramsey retornou um tanto discretamente ao jogo em janeiro de 1976, assumindo um cargo de consultor no Birmingham City, clube que apontara meses antes o escocês Willie Bell, de apenas 38 anos, como seu treinador.


Foto oficial do elenco para a temporada 1977-78, ainda com o técnico Willie Bell (sentado, ao centro).

Nos dois anos em que Bell – em sua primeira empreitada como treinador, após longa carreira como lateral-esquerdo de clubes escoceses e ingleses – esteve no comando, os Blues se limitaram a fazer o de sempre: brigar contra o rebaixamento. Em 1975-76, a equipe terminou na primeira posição acima da zona da degola. Já na campanha seguinte, acabou em 13º, mas a apenas quatro pontos dos condenados Sunderland e Stoke.


Quando a temporada 1977-78 começou e o time perdeu seus quatro primeiros jogos, além de ser eliminado na Copa da Liga logo na primeira fase e com derrota em casa para o Notts County, da segunda divisão, o alarme soou. Em 5 de setembro, dois dias após perder por 1 a 0 para o Liverpool em St. Andrew's pela liga, Bell seria demitido. Após muita conversa, três dias depois o Birmingham anunciaria que Alf Ramsey comandaria o time interinamente.



“Só ficarei neste cargo até que seja contratado um treinador efetivo. Porque não há muito futuro para mim aos 57 anos”, afirmou o técnico campeão do mundo em sua improvisada coletiva de apresentação. Por ainda seguir no cargo de conselheiro do clube, acumulando funções, ele não receberia salário, já que no futebol inglês de então os dirigentes eram proibidos de serem remunerados. Mas a deferência em relação a seu nome seguia intacta.


Quando apresentado ao elenco, Ramsey deixou isso bem claro ao comentar sobre os termos comumente usados pelos jogadores ingleses para tratar os treinadores: “Não gosto das palavras ‘boss’ (‘chefe’) ou ‘gaffer’ (algo como ‘patrão’). Elas me soam a chão de fábrica. E ‘Alf’ é familiar demais. Mas se vocês me chamarem de ‘Sir Alf’, podemos nos dar muito bem”, explicou o novo técnico dos Blues, fazendo questão de mostrar quem era.


Ramsey, de todo modo, colocaria à prova sua reputação, embora o elenco que tinha às mãos não era tão ruim quanto o desastroso início de temporada fazia crer. Havia, por exemplo, o goleiro Jim Montgomery, que em 1973 realizara uma das atuações mais magistrais de um jogador da posição que Wembley já viu ao empreender uma série de milagres para dar ao Sunderland o título da FA Cup diante do favorito Leeds.


E além de contar com a experiência de nomes como os meias Tony Towers (ex-Manchester City) e Terry Hibbitt (ex-Leeds e Newcastle), o Birmingham ostentava também o jogador mais cobiçado do futebol inglês naqueles tempos: o atacante Trevor Francis, que com apenas 23 anos de idade, já se aproximava de uma centena de gols marcados em jogos oficiais pelo clube e em fevereiro daquele ano de 1977 estreara pela seleção inglesa.



A BOA ESTREIA FORA DE CASA


E Francis seria o destaque da partida de estreia de Alf Ramsey no comando do Birmingham, uma visita ao Middlesbrough no velho estádio de Ayresome Park. O Boro era dirigido por um antigo comandado de Sir Alf: Jack Charlton, o “zagueiro-zagueiro” da seleção campeã mundial em 1966. E tinha na equipe um certo Graeme Souness, que voltará a ser citado mais adiante neste texto. Mesmo assim, os Blues venceram por 2 a 1, dois gols de Trevor Francis.


O primeiro triunfo, naquela tarde de 10 de setembro, já ajudou a equipe a deixar a lanterna do campeonato. E seria seguido por outro, agora em casa: um categórico 3 a 0 sobre o Newcastle. Derrotado por 3 a 1 na visita ao bom time do West Bromwich, o Birmingham de Sir Alf se recuperou da melhor forma possível, vencendo o derby da cidade contra o Aston Villa na casa do rival, em 1º de outubro. O atacante Keith Bertschin anotou o único gol.


A vitória no Villa Park seria o ápice da boa sequência inicial de trabalho de Alf Ramsey. A equipe ainda venceria o Queens Park Rangers, o Derby County e o Wolverhampton em casa, somando seis triunfos nos dez primeiros jogos sob o comando do treinador, além de dois empates e duas derrotas. E, em 2 de novembro, Ramsey finalmente aceitaria ser efetivado no cargo de treinador, agora dedicando-se exclusivamente ao posto.


O resultado positivo contra os Wolves, três dias após a confirmação de Ramsey no comando do time, levaria o Birmingham ao 11º lugar na tabela. Mas precederia uma queda de rendimento. Uma semana depois, a derrota por 2 a 1 para o vice-líder Everton em Goodison Park iniciaria uma sequência de sete jogos sem vitórias, que incluiria um revés dentro de casa para o líder (e futuro campeão) Nottingham Forest de Brian Clough por 2 a 0.


Durante a sequência ruim, derrota por 3 a 0 para o Manchester City em Maine Road.

O sétimo jogo do jejum viria na rodada de Boxing Day, uma derrota para o West Ham pelo placar mínimo em Upton Park. Apenas 24 horas depois, o time voltaria a campo, agora em casa, diante do Bristol City. E enfim venceria, até com certa facilidade, por 3 a 0 – resultado que não mudou a posição do clube naquela rodada (18º colocado), mas também pôs fim a outra seca: o time não havia balançado as redes nas últimas cinco partidas.


AS VITÓRIAS INESQUECÍVEIS


A equipe não voltaria a vencer jogos consecutivos com Ramsey no comando. Com efeito, o time embarcaria numa série de resultados beirando o aleatório. Nas três partidas seguintes jogando em seus domínios, perderia para o Chelsea por um bizarro 5 a 4, para o Leeds por 3 a 2 e para o Middlesbrough por 2 a 1. Mas naquele interim, ainda conquistaria três vitórias memoráveis com o velho campeão do mundo sentado no banco de reservas.


A primeira viria em Old Trafford, no dia 2 de janeiro, diante de um Manchester United que na primeira rodada havia surrado os Blues em St. Andrew's por 4 a 1 – resultado que levou a imprensa a preconizar uma briga pelo título aos Red Devils. Agora, porém, a história era outra: o time de Dave Sexton ocupava um modesto 14º lugar. O que não diminuía a grande vitória do Birmingham por 2 a 1, gols de Kevin Dillon e, para variar, Trevor Francis.



A segunda aconteceria em outro palco lendário do futebol inglês, Anfield Road, onde os Blues não derrotavam o Liverpool desde outubro de 1935. Naquele 21 de janeiro de 1978, os campeões da Europa orgulhosamente promoviam a estreia diante de sua torcida de seu novo contratado, o meia escocês Graeme Souness, por quem haviam desembolsado £352 mil ao Middlesbrough, quebrando o recorde de transferências do futebol inglês.


Para a frustração da lendária Kop, o primeiro tempo terminara sem gols. Com o armador Gary Emmanuel escalado no lugar do ponta John Connolly, Alf Ramsey conseguira segurar o ímpeto do time da casa. E prepararia nova armadilha para a etapa final. Tudo aconteceu de frente para a famosa arquibancada de Anfield: aos nove minutos, a jogada trabalhada por Trevor Francis e Keith Bertschin foi concluída por Emmanuel, abrindo o placar.


Três minutos depois, Francis trocou passes com Tony Towers e a bola sobrou para a finalização de Bertschin, ampliando a contagem. Atônita, a Kop ainda assistiu, aos 22 minutos, ao tranco de Phil Thompson em Trevor Francis dentro da área, que originaria o terceiro gol dos visitantes, no pênalti cobrado e convertido pelo próprio Francis. O placar de 3 a 0 em favor do Birmingham não mentia, nem era injusto: os Blues controlavam o jogo.


Na segunda metade da etapa, o Liverpool foi para cima tentar diminuir o prejuízo. Conseguiu um gol com Phil Thompson aos 29 minutos e outro, já a três do fim, com Kenny Dalglish. Perto do apito final, ainda houve tempo para Jim Montgomery repetir suas proezas de Wembley 1973 e deter um chute de Jimmy Case, assegurando a vitória mágica. Os Reds só voltariam a perder em seu estádio dali a três anos, ou impressionantes 85 jogos depois.


O último triunfo, em 25 de fevereiro, aconteceria em casa e seria igualmente especial: o time voltou a bater o rival Aston Villa, completando a dobradinha de vitórias sobre os Villains naquela edição da liga e chegando a cinco resultados positivos seguidos no Second City Derby, recorde do clube que perdura até hoje. Quem marcou o único gol do jogo? Trevor Francis, naturalmente. O craque, porém, tornaria-se o pivô da saída de Alf Ramsey.


Cortejado pelo Arsenal desde o início da temporada e pelo Leeds – que chegou a oferecer a ele um cheque em branco – desde a virada do ano, Francis era uma mina de ouro da qual a diretoria do Birmingham relutava em se desfazer. Quando o jogador se manifestou sobre a proposta dos Whites, foi multado pelo treinador, que ironizou: “Francis deu sua opinião, sua esposa deu sua opinião, agora estou esperando a do cachorro”.



OS ATRITOS E A SAÍDA


A imprensa comentava com certo pesar a provável venda do atacante: “Francis deve ficar. O Birmingham cometeria o crime do século no futebol se considerasse voluntariamente vende-lo. A joia de St. Andrew's não tem preço”, lamentou o Birmingham Mail. Sir Alf, no entanto, sabia que seria quase impossível segurá-lo em um clube de ambições modestas como os Blues, embora condenasse o assédio constante dos interessados no jogador.


O treinador então recomendou a venda de Francis à diretoria, que aceitou e depois voltou atrás. Três dias após a vitória sobre o Villa, o atacante voltaria a balançar as redes, mas o time perderia em casa para o West Bromwich Albion por 2 a 1. No dia 4 de março, o Birmingham visitaria o Coventry, sétimo colocado, e voltaria com uma derrota por 4 a 0, com três gols sofridos ainda no primeiro tempo. Eliminado nas copas, estacionava em 18º na liga.


Sir Alf Ramsey durante a coletiva em que anunciou sua saída do Birmingham, em 6 de março de 1978.

Irritado com a péssima atuação e desgastado pela queda de braço com a diretoria no caso de Francis, Sir Alf pediria demissão dois dias depois, cortando todos os laços com o clube. A torcida chegou a protestar contra a saída do lendário treinador na partida seguinte em casa, diante do Arsenal, em 21 de março. Mas naquele momento, o Birmingham já tinha novo comandante: Jim Smith, vindo do Blackburn, assinara contrato no dia 12.


Os Blues até viveriam bom momento sob o comando de Smith naquela reta final, chegando a ficar oito jogos sem perder e sofrendo só uma derrota até o fim da temporada, terminando em 11º lugar. Mas na seguinte fariam campanha desastrosa, com apenas seis vitórias em 42 jogos, sendo rebaixados com várias rodadas de antecedência. No meio dela, Trevor Francis seria enfim vendido ao Nottingham Forest por um milhão de libras.


Alf Ramsey, por sua vez, nunca mais treinaria uma equipe. Em seu único trabalho no exterior, teria apenas uma breve passagem como diretor técnico no Panathinaikos, então dirigido pelo inglês Ronnie Allen, em 1979. Poucos meses depois, voltaria à Inglaterra, aposentando-se e indo morar em Ipswich com a esposa. Em 28 de abril de 1999, já sofrendo do mal de Alzheimer e de câncer na próstata, Sir Alf morreria de infarto aos 79 anos.

321 visualizações0 comentário
bottom of page