top of page
  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Há 40 anos, Nottingham Forest à prova de crises era bicampeão da Europa


Levantado há exatos 40 anos, em 28 de maio de 1980, o segundo título do Nottingham Forest na Copa dos Campeões acabou um tanto eclipsado pelo primeiro, vencido no ano anterior e considerado o ponto culminante da trajetória de conto de fadas vivenciada pelo time de Brian Clough. Não é, porém, um mero bônus: o bicampeonato rendeu ótimas histórias, até por ter sido vencido em contexto bem distinto do primeiro.


Se em 1979 havia uma espécie de aura favorável – daquelas que perpassam as sagas que pedem para ser contadas – levando o Forest adiante mesmo com todos os obstáculos, no ano seguinte o título veio em meio a dissonâncias, crises, abalos, baixas. Em vez de simbolizar a subida ao olimpo, foi na verdade a salvação da temporada. Assim, só poderia ser concluído com uma verdadeira prova de resiliência na final contra o Hamburgo.



ENTRE ATRITOS E MUDANÇAS


Quando nada porque, já ao início da temporada, as relações entre Clough e seu elenco vinham em rápido processo de deterioração. Insatisfeito por ter sido sacado do time da final da Copa dos Campeões contra o Malmö para dar lugar a Trevor Francis (que faria ali sua estreia no torneio), o meia Archie Gemmill, titular importante, brigou com o técnico e foi logo vendido ao Birmingham – por ironia, o clube de onde Francis viera.


O próprio Trevor Francis, astro do time e contratado pela soma recorde de um milhão de libras em fevereiro de 1979, penou um bocado com Clough no início da campanha seguinte. Em agosto, o atacante teve seus salários suspensos pelo treinador após voltar dos Estados Unidos – onde defendera o Detroit Express na NASL (liga norte-americana) durante o recesso de verão do futebol inglês – sofrendo de uma distensão na virilha.



Clough até chegara a trazer outro jogador para preencher o lugar de Archie Gemmill no elenco, o armador Asa Hartford, companheiro do ex-meia do Forest na seleção da Escócia na Copa do Mundo de 1978 e contratado do Manchester City em junho por £500 mil. Sua passagem pelo City Ground, porém, seria relâmpago: após fazer apenas três partidas pelo novo clube, ele seria revendido ao Everton já no fim de agosto.


Outra mudança, no entanto, seria definitiva: com a aposentadoria do veterano lateral-esquerdo Frank Clark, 36 anos, logo após a conquista da Copa dos Campeões diante do Malmö, o clube teve de se mexer para contratar um substituto, já que o reserva imediato Colin Barrett sofrera lesão séria e nem chegaria a jogar naquela campanha. O escolhido foi Frank Gray, eficiente escocês de 25 anos vindo do Leeds também por £500 mil.


A chegada de Frank Gray era analisada pela revista Soccer Monthly em novembro de 1979.

Com tudo isso, e apesar dos conflitos na pré-temporada, a manutenção da base azeitada das duas temporadas anteriores fez com que o time navegasse em águas tranquilas naquelas primeiras semanas, alcançando rapidamente a liderança da liga, emparelhado com o Manchester United dirigido por Dave Sexton e um surpreendente Crystal Palace, no qual se destacava o jovem goleador Clive Allen, de apenas 19 anos.



Houve ainda o pontapé inicial rumo ao tri da Copa da Liga, na qual o Forest despachou com certa facilidade o Blackburn (então na terceira divisão) e o Middlesbrough. Foi nesse momento que o time estreou na nova campanha europeia. Numa grande coincidência, ou talvez como simbologia de continuidade da história, a caminhada começou como a anterior havia terminado: diante do campeão sueco – mas em vez do Malmö, o Östers.


PARTINDO EM BUSCA DO BI EUROPEU


O clube da cidade de Växjö tinha certa tradição em seu país como força intermediária e vivia bom momento: conquistaria três dos quatro títulos suecos entre 1978 e 1981. Mas nem de longe era tão representativo ou vencedor como o Malmö, uma das potências locais. Seus jogadores mais notáveis eram o goleiro Goran Hagberg, reserva de Ronnie Hellström nas Copas de 1974 e 1978, e o meia Mats Nordgren, também da seleção.


No Forest, com Francis lesionado, o time da estreia quase repetia aquele mais frequente na campanha vitoriosa de 1979: Peter Shilton no gol, Viv Anderson apoiando forte pela lateral direita, Larry Lloyd e Kenny Burns na zaga, o reforço Frank Gray na lateral esquerda, John McGovern e Ian Bowyer no centro do meio-campo, Martin O’Neill na meia direita, John Robertson na ponta esquerda e, na frente, Garry Birtles e Tony Woodcock.


Na partida disputada no City Ground em 19 de setembro de 1979, a equipe obteve uma vitória segura por 2 a 0, com dois gols de Bowyer na etapa final. Já na volta, no Estádio Värendsvallen, em Växjö, a classificação chegou a ficar ameaçada depois que Nordgren abriu o placar no início do segundo tempo. Mas a dez minutos do fim, Woodcock aproveitou a saída em falso de Hagberg no cruzamento e cabeceou para as redes.


A primeira fase registrou algumas surpreendentes eliminações de favoritos. O Liverpool mais uma vez parou em seu primeiro adversário – desta vez o Dinamo Tbilisi, campeão soviético, que aplicou um categórico 3 a 0 na volta após ter sido batido em Anfield por 2 a 1. Também causaram surpresa as quedas do Milan, perdendo em casa para o Porto, e do Austria Viena, semifinalista na edição anterior, para o dinamarquês Vejle.


O segundo adversário do Forest era outra vez um clube que não estava entre as principais forças históricas de seu país, mas vivia prolongado bom momento: o Arges Pitesti, duas vezes campeão romeno ao longo da década de 1970, quando foi liderado em campo pelo atacante Nicolae Dobrin – que em 1973 teve uma transferência para o Real Madrid negada pelo governo de Nicolae Ceaucescu por se tratar de um “tesouro nacional”.


O confronto começou de novo no City Ground, com os ingleses abrindo 2 a 0 em início fulminante. Aos 12 minutos, Robertson gingou pela ponta esquerda e cruzou. A confusão na área terminou com Woodcock aparecendo para chutar forte, sem chance para o goleiro Cristian Gheorghe. E aos 17, Birtles aproveitou uma bola que resvalou na defesa e enganou a marcação para tocar na saída do goleiro e garantir uma vantagem confortável.


Naquele tempo, jogar na Romênia significava enfrentar a hostilidade da torcida local e certa dose de violência das equipes. Somado a isso, o Arges Pitesti contava com um punhado de jogadores de seleção. Mesmo assim, na volta o Forest carimbou sua vaga até com tranquilidade, chegando a abrir dois gols de frente no primeiro tempo com Bowyer e Birtles, antes de os Águias diminuírem na etapa final com Ilie Barbulescu batendo pênalti.


A partida também seria a última de Woodcock – autor da assistência para o segundo gol – naquela campanha: dali a poucos dias naquele mesmo mês de novembro ele seria vendido ao Colônia por £600 mil. Ao mesmo tempo, ganhava espaço na equipe o jovem meia Gary Mills, de apenas 18 anos, e que havia participado apenas esporadicamente da temporada anterior. Agora, revezava-se com Ian Bowyer ou Martin O’Neill na armação.


AS TURBULÊNCIAS SE ACUMULAM


Mesmo com a boa novidade, o Forest entrou numa espiral de maus resultados na liga após passar pelo Arges Pitesti. Três dias depois de vencer na Romênia, o time foi goleado pelo Southampton na casa do adversário por 4 a 1, iniciando uma péssima sequência que durou até dias antes do Natal, na qual somou apenas um ponto em seis jogos e que contribuiu decisivamente para a derrocada da campanha no campeonato.


Nessa sequência, o time ainda chegou a sofrer pesadas derrotas para o rival Derby County (4 a 1) e o Manchester United (3 a 0), desabando para o 13º lugar. Mas pior mesmo foi ver ser reduzida a pó uma longa invencibilidade de 57 partidas – ou pouco mais de dois anos e meio – jogando no City Ground pela liga ao ser derrotado por 1 a 0 pelo Brighton, estreante na primeira divisão, numa tarde em que John Robertson ainda perdeu um pênalti.


O mau momento e os constantes problemas físicos de Trevor Francis fizeram com que Clough decidisse reforçar o elenco trazendo do Queens Park Rangers o experiente Stan Bowles, meia-atacante que fez história em Loftus Road no time vice-campeão inglês em 1976 e sempre lembrado como um dos “mavericks”, como eram chamados os jogadores tão talentosos quanto rebeldes que proliferaram no futebol inglês do período.


O habilidoso e rebelde Stan Bowles: reforço de meio de temporada.

O time se recuperou na virada do ano, o que motivou Clough a trazer por empréstimo mais um atacante experiente para compor o elenco: o antigo ídolo do Arsenal Charlie George. Vindo do Southampton, ele teria passagem curtíssima pelo Forest, de cerca de um mês e apenas dois jogos pela liga. Mas ficaria marcado por fazer o gol da vitória sobre o Barcelona no City Ground pela partida de ida da Supercopa Europeia.


No começo de março, quando a disputa da Copa dos Campeões retornou na fase de quartas de final, a situação do Forest era um tanto decepcionante. O clube se alojara em um discreto sexto lugar na liga – pouco para um clube que conquistara o título em 1978 e, se não chegara a morder os calcanhares de um Liverpool avassalador no ano seguinte, demonstrou força o suficiente para garantir o vice-campeonato nas rodadas finais.



Além disso, a equipe já estava fora da FA Cup – título que sempre escaparia das mãos de Brian Clough – após ter sido eliminada em casa por seu segundo adversário, o mesmo Liverpool. O que amenizava um pouco o momento era a conquista da Supercopa Europeia (troféu mais simbólico do que de real prestígio e valor) e a classificação à final da Copa da Liga, após dar o troco nos Reds, despachados nas semifinais em dois jogos.


No primeiro dia daquele mês – quatro dias antes de enfrentar seu próximo adversário europeu, o Dynamo Berlim, da Alemanha Oriental – o time havia sido derrotado por 1 a 0 na visita ao lanterna Bolton, que somara apenas uma vitória em 27 jogos até ali, num resultado desastroso que fez o clube descer momentaneamente para o sétimo lugar. E que levou Brian Clough a abrir o verbo sobre o comportamento de seus atletas.


“Eu sei qual é a visão deles sobre seus salários, carros, casas, agentes e colunas de jornais. O que quero saber é qual a atitude deles para com o futebol, porque é de onde todo o resto se deriva”, repreendeu o treinador. Mesmo com o puxão de orelhas, o relacionamento ficaria ainda mais tenso depois da primeira partida contra o Dynamo, equipe sem muito brilho, mas de estilo sólido e objetivo e que iniciava uma hegemonia nacional.


O favoritismo absoluto do Nottingham Forest no confronto – propalado até com razão pela imprensa europeia, mesmo com a grande quantidade de jogadores da seleção alemã-oriental no adversário – também não contribuía para tirar o peso do momento. O que deixava o próprio Brian Clough bastante cético: “Não conheço nada deste Dynamo e não gosto de jogar contra quem não conheço”, resmungou o treinador.


Diante de tudo isso, o adversário veio ao City Ground com a intenção clara de se defender e tentar arrancar um empate. Acabaria conseguindo algo mais. Eram apenas 17 minutos de jogo quando Hartmut Pelka lançou Frank Terletzki no lado esquerdo do ataque. O camisa 7 então alçou na área para a chegada de Hans-Jürgen Riediger, que se livrou de Frank Gray e bateu rasteiro, vencendo Shilton e calando a torcida da casa.


O Forest, que antes de sofrer o gol vinha desperdiçando uma chance atrás da outra com Trevor Francis e Garry Birtles, viu o imenso goleiro Bodo Rudwaleit se consagrar ao interceptar as jogadas aéreas que cruzavam sua área e a defesa do Dynamo espanar como podia o perigo que chegava. Ao apito final, a derrota em casa deixou o time por um fio no torneio continental e cada vez mais pressionado até mesmo no âmbito doméstico.


Como sempre é possível piorar, entre aquele jogo de ida e o de volta, marcado para o dia 19 (dali a duas semanas) em Berlim, o Forest veria ruir o sonho do inédito tricampeonato da Copa da Liga ao perder em Wembley para o Wolverhampton por 1 a 0 graças a um gol patético, em que Peter Shilton e o zagueiro David Needham trombaram ao tentar afastar uma bola longa, deixando o lance limpo para Andy Gray só cutucar para as redes.


A REVIRAVOLTA EM BERLIM


A sempre conflituosa relação entre Brian Clough e Trevor Francis transbordava para os jornais, e o prolongado jejum de gols do centroavante Garry Birtles não ajudava a melhorar o ambiente no clube. “Birtles não marca há 14 jogos e Francis permanece um jogador de um milhão de libras em busca de uma identidade”, escreveu Norman Fox para o jornal The Times às vésperas do jogo de volta contra o Dynamo em Berlim Oriental.


Foi então que a equipe olhou para trás e tirou lições da conquista de 1979. Nas semifinais daquela edição, contra o Colônia, o Forest chegou a estar perdendo em casa por 3 a 1 no primeiro jogo, mas conseguiu se safar do pior e buscar um empate em 3 a 3 – ainda sim um resultado que o deixava praticamente obrigado a vencer na Alemanha na volta. Contra todos os prognósticos, a equipe fez 1 a 0 fora de casa e avançou à final.


Apesar de disciplinado e forte fisicamente, o time do Dynamo não tinha o mesmo gabarito técnico do Colônia. De modo que sucumbiu ainda mais facilmente na volta. O Forest triturou o adversário nos primeiros 45 minutos, marcando três vezes e encaminhando a classificação. O primeiro gol veio aos 15: Lloyd cobrou falta da intermediária lançando na área, Needham escorou e Francis se esticou para concluir e abrir o placar.


Brian Clough, que se declarou curioso para ver como o adversário se comportaria caso seu time marcasse o primeiro gol no jogo de volta, deve ter ficado bem satisfeito com o que veio depois. O jogo ficou incrivelmente aberto, com muitas chances de parte a parte. Birtles teve duas, num chute de fora da área e numa cabeçada defendida por Rudwaleit. Shilton, por sua vez, fez milagre ao buscar um chute perigoso de Bernd Brillat.


Mordido pelas críticas a suas atuações no jogo de ida contra o Dynamo e na final da Copa da Liga, Trevor Francis estava imparável, buscando o jogo, se desmarcando, arriscando. E, aos 35 minutos, outra vez balançaria as redes após receber de Martin O’Neill, girar sobre um adversário e fuzilar Rudwaleit numa bola que acertou o travessão e quicou dentro do gol, cuja validação chegou a gerar discussão, mas acabou justamente confirmada.


Três minutos depois, um contra-ataque em bloco do Forest puxado por Frank Gray acabou com a bola aos pés de John Robertson do lado direito do ataque, dentro da área. O ponteiro balançou na frente do defensor e foi derrubado. Pênalti que o próprio Robertson converteu sem chances para Rudwaleit, aumentando a vantagem no marcador e no placar agregado e fazendo com o que o Forest passasse a ter na mão o controle do confronto.


Na volta do intervalo, logo aos cinco minutos, o Dynamo descontaria em pênalti ironicamente cometido por John Robertson – bem perto do local onde havia sofrido a penalidade na primeira etapa – e convertido por Frank Terletzki. Mas os ingleses não permitiriam que os donos da casa se recolocassem no jogo, garantindo a vaga a despeito de todas as dúvidas surgidas com os últimos maus resultados. O campeão estava vivo.


UMA GRANDE SEMIFINAL

Garry Birtles encara a marcação do Ajax no jogo do City Ground.

Naquela altura, a Copa dos Campeões era a única competição a qual o clube ainda tinha chances de vencer na temporada. Porém, o adversário nas semifinais seria uma camisa ainda mais pesada que a do Dynamo Berlim. O Ajax não era mais o poderoso esquadrão de Johan Cruyff, tricampeão da Europa, mas ainda mantinha um elenco bastante talentoso, liderado pelo remanescente líbero Ruud Krol, então o maior do mundo na posição.


Para se ter uma ideia de seu poderio, especialmente o ofensivo, os Ajacieden haviam anotado nada menos que 30 gols em suas seis partidas anteriores naquela edição do torneio. Bateram os finlandeses do HJK Helsinque por um duplo 8 a 1, chegaram aos 10 a 0 diante do Omonia Nicosia (antes de escalarem time misto e perderem por 4 a 0 na volta) e superaram o Racing Strasbourg, campeão francês, com um 4 a 0 em Amsterdã.


Além de Krol, a equipe ainda contava com jogadores de seleção holandesa, como o goleiro Piet Schrijvers e os ponteiros Tscheu La Ling e Simon Tahamata, e também da dinamarquesa, como o criativo armador Frank Arnesen, o dinâmico volante Søren Lerby e o habilidoso atacante Henning Jensen, ex-Real Madrid. Uma equipe com qualidade técnica e experiência suficiente para no mínimo dificultar muito o caminho do Forest à final.


O jogo começou com um duelo bem claro: o Forest com mais volume de jogo, em especial pelo meio, mas o Ajax assustando em contragolpes velozes puxados pelos pontas, embora com pouco poder de conclusão. Aos 33 minutos, porém, ele começou a se desenhar favorável aos ingleses. Robertson bateu escanteio fechado, Lloyd raspou de cabeça, e o zagueiro Peter Boeve ainda salvou em cima da linha, mas Francis marcou no rebote.


O segundo gol viria na etapa final e teria outra vez a participação de Francis, um dos melhores em campo. O camisa 10 recebeu lançamento de Bowles na área e conseguiu puxar a bola para trás antes que ela saísse pela linha de fundo e mesmo com o goleiro Piet Schrijvers chegando para abafar a jogada. Nervoso, o zagueiro Kees Zwamborn teve de usar o braço para dominá-la, antes de tentar afastar, cometendo pênalti.


Com toda a calma do mundo, Robertson cobrou a penalidade colocando a bola no canto oposto de Schrijvers aos 15 minutos do segundo tempo, decretando um 2 a 0 que tranquilizou o Forest, já que representava uma vantagem muito boa a ser carregada para o jogo de volta, ainda que se soubesse que a pressão seria intensa por parte de time e torcida holandeses na partida de dali a duas semanas no Estádio Olímpico de Amsterdã.


Havia, curiosamente, duas escritas em jogo naquela partida de volta da semifinal, em 23 de abril. De um lado, um Forest que – em seu curto, mas já vencedor histórico europeu – ainda não havia perdido um jogo fora de casa pela Copa dos Campeões. Do outro, um Ajax – participante bem mais assíduo – defendendo uma invencibilidade de 11 anos (ou 35 jogos) em solo holandês nas partidas válidas por todas as taças europeias.


Diante da boa vantagem obtida na primeira partida, Brian Clough preferiu não arriscar e decidiu levar a campo na volta um time mais cauteloso, sacando o criativo e habilidoso Stan Bowles do meio-campo e trazendo de volta o dinâmico e batalhador Ian Bowyer para que este formasse uma dupla de volantes com John McGovern à frente da zaga habitual formada por Larry Lloyd e Kenny Burns. A aposta se mostraria a mais acertada.


Embora o Ajax chegasse às redes no começo do segundo tempo com um gol de cabeça de Soren Lerby após escanteio, o Forest resistiria de maneira muito sólida à pressão do time da casa e do estádio lotado com uma atuação formidável de seus zagueiros e também de Bowyer e McGovern, que formaram verdadeira barreira à frente da meta de Shilton rechaçando ataque após ataque dos holandeses e levando o clube a mais uma final.


JOGANDO PELAS CIRCUNSTÂNCIAS


O adversário na decisão, a ser disputada no Estádio Santiago Bernabéu, em Madri, pouco mais de um mês após o jogo de volta das semifinais, era o Hamburgo, que vinha de levantar seu quarto título alemão na temporada anterior (o primeiro no formato da Bundesliga) e que tinha o recém-aposentado craque Günter Netzer como supervisor, o iugoslavo Branko Zebec como técnico e o atacante inglês Kevin Keegan como o astro maior do time.


Destaque no primeiro título do Liverpool na Copa dos Campeões, em 1977, Keegan buscava agora o feito de levantar a “orelhuda” por um clube de outro país – e assim se colocar de novo como favorito à Bola de Ouro da revista “France Football”, que já o elegera o melhor jogador da Europa nos dois anos anteriores. A conquista também seria uma bela despedida do clube, já que o atacante havia acertado sua transferência ao Southampton.


Kevin Keegan e Martin O'Neill disputam a bola na decisão.

No Hamburgo, ele era escudado por outros bons jogadores, como o lateral-direito Manfred Kaltz, o zagueiro Ditmar Jakobs, o líbero iugoslavo Ivan Buljan, o armador Felix Magath e o centroavante Horst Hrubesch – um típico atacante de estilo “tanque” do futebol germânico, mas que era dúvida para a decisão devido a uma lesão. A tendência era a de que começaria o jogo no banco de reservas para entrar no decorrer da decisão.


Em sua caminhada, o clube eliminara de saída o Valur islandês e o Dinamo Tbilisi soviético – carrasco do Liverpool – vencendo os dois jogos. Nas quartas, superara os iugoslavos do Hajduk Split nos gols fora de casa. E no primeiro jogo da semifinal, caíra diante do Real Madrid por 2 a 0 no mesmo Bernabéu da decisão. Porém, quando todos já colocavam os merengues na final em casa, o time de Keegan goleou na volta por 5 a 1 e avançou.



O Forest também sofria ameaças sérias de entrar desfalcado na final por problemas diversos. O maior deles era Trevor Francis: lesionado no tendão de Aquiles, dificilmente jogaria. Para piorar, seu reserva imediato, Stan Bowles, sumiu do clube após Brian Clough o proibir de jogar uma partida em homenagem a John Robertson. Para completar, Peter Shilton sofrera distensão na panturrilha e jogaria à base de injeções de analgésicos.


Além disso, a conquista da Copa dos Campeões se tornara o único caminho possível para que o clube seguisse disputando uma taça europeia na próxima temporada, já que não havia vencido nenhuma das copas inglesas e terminara a liga apenas em quinto, atrás de Liverpool, Manchester United, Ipswich e Arsenal – antes daquela temporada, a Uefa anunciara que a Inglaterra teria suas vagas na Copa da Uefa reduzidas de quatro para três.


Diante das circunstâncias, Clough optou por um esquema defensivo. Escalou Gary Mills na vaga de Francis, fechando o meio-campo com uma linha de cinco jogadores quase plantados à frente do quarteto da defesa, deixando Garry Birtles isolado no ataque. A ideia era conter a provável onda ofensiva do Hamburgo e tentar o gol em contra-ataques. Valendo-se do jargão moderno, é possível afirmar que o Forest jogaria “por uma bola”.


Curiosamente, o time se veria agora adotando o mesmo estilo do Malmö que enfrentara na final anterior (e utilizado também pelo Club Brugge diante do Liverpool na decisão de 1978). A escolha de Clough seria bastante criticada por boa parte da imprensa britânica mesmo após a partida: na World Soccer, o jornalista Keir Radnedge, que cobriu o jogo, fez questão de estampar no título de sua crônica: “Podemos por favor ir ao ataque?”.


De pé direito, John Robertson chuta para marcar o gol do título.

Mas, em última análise, ela se mostraria recompensadora. O único gol do jogo saiu logo aos 20 minutos do primeiro tempo: Robertson desceu pela meia esquerda, driblou Kaltz para dentro, tabelou com Birtles, ganhou a disputa com Keegan e bateu de fora da área, rasteiro, de pé direito, no canto do goleiro Rudi Kargus, que pulou um tanto atrasado e não conseguiu espalmar. Naquele momento, porém, o Hamburgo já pressionava.


Só não havia balançado as redes (exceto no gol bem anulado de Willi Reimann por impedimento logo após a abertura do placar) porque Peter Shilton havia decidido que aquela seria sua tarde. Aos nove minutos, ele já realizara grande defesa numa cobrança de falta de Magath. E aos 32, numa bola ajeitada no peito por Keegan para o chute de primeira de Jürgen Milewski, o goleiro brilhou outra vez, espalmando para escanteio.



Na etapa final, quando o Hamburgo fez entrar Hrubesch e recuou Keegan para armar no meio, a partida se transformou de vez num ataque contra defesa. E Shilton apareceu para brilhar em dois lances: saindo aos pés de Casper Memering aos 16 e espalmando um chutaço de Peter Nogly da intermediária. E ainda contou com a sorte quando um chute de Kaltz acertou a trave e quando Buljan não conseguiu dominar uma bola na pequena área.


O Forest ainda teve duas chances de ampliar o placar em contra-ataques: uma aos 19 com Gary Mills e outra, já aos 42, na mais clara de todas, quando Birtles recebeu uma bola interceptada e arrancou ainda do próprio campo, driblou Nogly na corrida, mas foi travado por Kaltz, já entrando na área do Hamburgo, bem na hora de finalizar. O apito final viria pouco tempo depois, iniciando a festa de jogadores e torcedores do clube.


“Os prognósticos estavam contra nós, mas foram alguns dos melhores 90 minutos que tivemos. Na parte técnica estivemos um pouco atrás dos alemães, mas na aplicação e no esforço fomos soberbos. E não há questionamento sobre termos sido sortudos. Não fomos sortudos. Fomos apenas bons”, declarou Brian Clough após a partida, satisfeito com a conquista, mas sem se abster de defender o estilo de jogo adotado.


“Se nós planejamos nos defender? Nós fomos forçados a isso. Não tínhamos opção”, afirmou o treinador antes de destacar a luta de seus jogadores: “Não consigo pensar em nenhuma outra partida na qual eu estive tão emocionalmente envolvido. Nós demos tudo que tínhamos e mais. No fim, nós tínhamos um centroavante honesto (Birtles) que estava tão cansado a ponto de não ter mais forças nem para tirar as caneleiras”.


Acima das discussões sobre o defensivismo demonstrado naquele jogo, o Forest provava ali que era uma equipe tarimbada e que sabia fazer de tudo muito bem. Ao longo da campanha, havia sido francamente ofensivo quando precisou construir o resultado (como contra o Dynamo Berlim) e também soube se defender com bravura quando tinha o placar a seu favor – como no jogo da volta contra o Ajax e na decisão diante do Hamburgo.


Aquela conquista, no entanto, encerraria o primeiro período glorioso do clube na Era Clough. Nos anos seguintes, uma série de fatores fizeram a fonte de conquistas secar, embora o time seguisse contando com grandes jogadores. Só mesmo já no fim da década de 1980, com uma outra grande geração, é que o Forest voltaria a levantar taças. Mas não com tanta expressão quanto o título inglês de 1978 e o bicampeonato europeu.

708 visualizações0 comentário
bottom of page