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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Sólido, sólido Arsenal: os 50 anos da histórica dobradinha dos Gunners


O elenco campeão da dobradinha posa com as duas taças à frente.

Há 50 anos o Arsenal completava um feito lendário do futebol inglês ao longo daquele século: a chamada “dobradinha”, conquista do campeonato e da FA Cup numa mesma temporada. Tida como algo quase impossível, diante dos gigantescos esforços físico e de foco necessários, ela encerrou um jejum de 18 anos do clube londrino em conquistas nacionais. E foi levantada em grande estilo: na liga, os Gunners empreenderam uma arrancada para alcançar e, no fim, superar o Leeds de Don Revie. Na copa, em Wembley, tiveram força mental para vencer o Liverpool de Bill Shankly de virada na prorrogação.


Naquele 8 de maio de 1971, o Arsenal se tornava apenas o segundo time a alcançar o feito no século, dez anos depois do rival Tottenham. E se a trajetória dos Gunners não transcorreu com o mesmo futebol exuberante e dominante de ponta a ponta daqueles Spurs, tendo de conviver por um bom tempo com as críticas da imprensa, que considerava o Arsenal uma equipe mecânica e entediante, ela premiou um grupo sólido de jogadores, de muito caráter e personalidade e que soube jogar de acordo com as circunstâncias.


O LONGO INVERNO


Desde sua sétima conquista da liga, em 1953, que o colocou isoladamente na condição de maior campeão inglês superando Sunderland e Aston Villa, o Arsenal havia estagnado. Cada vez mais fazendo apenas figuração no campeonato, em campanhas que não chegavam a flertar com o descenso, mas se afastavam de qualquer expectativa de título, o time do norte de Londres atravessou o restante daquela década e praticamente todo o decênio seguinte de mãos vazias, sem levantar mais nenhum troféu.


Para piorar, o Arsenal se resignava a apenas assistir a outros clubes o alcançarem em sua liderança no número de conquistas do campeonato. O Liverpool chegou ao sétimo título em 1966. No ano seguinte seria a vez do Manchester United. Já em 1970 o Everton também igualaria a marca. Quanto à FA Cup então, a seca era ainda maior: desde 1950 os Gunners não levantavam o célebre troféu. Vendo suas muitas glórias pertencerem cada vez mais ao passado, o clube tomou uma atitude surpreendente.


Em junho de 1966, o técnico Billy Wright (ex-capitão da seleção inglesa) foi demitido após quatro temporadas sem êxitos. Seu lugar seria ocupado por Bertram “Bertie” Mee, o fisioterapeuta do clube. A decisão chocou o futebol inglês, mas teve a aprovação dos atletas, que admiravam Bertie por seu estilo franco, direto e rigoroso. Porém, o novo comandante era sabidamente um nome sem experiência como treinador, ainda que tivesse vivenciado a carreira de jogador, encerrada precocemente por lesão.


Sendo assim, ele recorreu a dois jovens nomes que despontavam para serem seus auxiliares. O primeiro foi Dave Sexton, que acabaria deixando o Arsenal em 1967 para assumir o comando do Chelsea. O outro era Don Howe, ex-lateral do West Bromwich Albion e da seleção inglesa (chegou a disputar a Copa do Mundo de 1958) que na época treinava os juvenis dos Gunners e se firmava como um dos maiores estudiosos de táticas do país. Juntos, Mee e Howe começariam a moldar um time competitivo.


E aos poucos ele tomaria forma, mas não sem vivenciar alguns traumas, como a perda da Copa da Liga de 1969. Vice-campeão do torneio no ano anterior diante do Leeds (que conquistaria na ocasião o primeiro título de sua história), o Arsenal chegara a esta segunda final em Wembley como favorito destacado. Seu adversário era o modesto Swindon, da terceira divisão. Mas, numa das maiores zebras do futebol inglês em todos os tempos, os Gunners foram derrotados na prorrogação por 3 a 1.


APRENDENDO COM AS DORES


A humilhação, porém, faria o time criar uma certa “casca”, que seria muito importante para as conquistas que viriam nos anos seguintes. E a primeira delas seria a prestigiosa Copa das Feiras, torneio equivalente à Copa da Uefa (atual Liga Europa) na qual o Arsenal despachou o Ajax de Johan Cruyff nas semifinais antes de bater o Anderlecht na decisão, revertendo uma derrota por 3 a 1 em Bruxelas com um 3 a 0 categórico em Highbury no jogo de volta. A trajetória dessa conquista foi contada neste post.


Entretanto, para a imprensa britânica, o caneco europeu não credenciava o Arsenal ao título da liga na temporada seguinte, 1970-71. O Everton era cotado ao bicampeonato, tendo o Leeds – que flertara com uma inédita tríplice coroa (liga + FA Cup + Copa dos Campeões) na campanha anterior, mas acabara sem nada – como principal oponente. Os Gunners eram vistos como um time sem brilho e sem grandes nomes – o clube havia sido ignorado pela seleção inglesa de Alf Ramsey que disputara a Copa do México.


Time do Arsenal no álbum de figurinhas "Soccer Stars" daquela temporada.

O elenco sofreu poucas alterações para a nova temporada. Alguns nomes que haviam participado da campanha vitoriosa na Copa das Feiras deixaram o clube: o goleiro reserva Malcolm Webster, o zagueiro Terry Neill (futuro técnico dos Gunners), o meia David Court e o atacante Bobby Gould. Na equipe titular, as novidades eram dois nomes vindos da base: o lateral-direito norte-irlandês Pat Rice (que permitiu a Peter Storey retornar à sua posição de volante à frente da defesa) e o meia-atacante Ray Kennedy.


Kennedy havia sido um dos heróis da conquista europeia ao marcar, vindo do banco de reservas, o precioso gol fora de casa contra o Anderlecht no primeiro jogo da final, diminuindo a derrota para 3 a 1 e encurtando a montanha que o Arsenal precisaria escalar na volta. Desta vez ele seria recrutado para substituir Charlie George – o jovem ídolo da torcida que se lesionara na partida de estreia do campeonato e perderia boa parte da temporada – na dupla de ataque ao lado do goleador John Radford.


Assim, o time que começaria a temporada e que, com poucas variações, seria a formação básica, teria o goleiro Bob Wilson à frente do quarteto defensivo formado pelos laterais Pat Rice e Bob McNab e pela zaga formada pelo experiente escocês Frank McLintock (ex-Leicester e capitão do time) e – inicialmente – o galês John Roberts, mais tarde substituído por Peter Simpson. Logo adiante, na proteção do setor, o temível volante Peter Storey, um dos “hard men” do futebol inglês da época, distribuía suas pernadas.


O setor de criação era composto pelo ponta-direita George Armstrong e dois escoceses: o meia Eddie Kelly (substituído em parte da campanha por Jon Sammels) e o meia-atacante George Graham, escalado como um falso ponta-esquerda, mas que se posicionava muitas vezes atrás dos dois homens de frente, municiando o ataque. E esta dupla avançada tinha John Radford como homem de área e Ray Kennedy como segundo atacante – embora Charlie George retornasse mais tarde com papel fundamental.


A largada da campanha veio em 15 de agosto de 1970 justamente contra o Everton, atual campeão, em Goodison Park, num jogo que terminou 2 a 2. Charlie George fez o primeiro gol dos Gunners e lesionou o tornozelo. Dois dias depois, outro empate fora de casa: 0 a 0 diante do West Ham em Upton Park. E só então viria a primeira partida em casa, contra um Manchester United ainda contando com sua “Santíssima Trindade” (Bobby Charlton, George Best e Denis Law), mas não mais dirigido por Matt Busby.


Era, porém, um time em declínio, o dos Red Devils, além de defensivamente inepto. O jogo foi até equilibrado durante certo período em termos de chances claras de gol: muito exigido, Bob Wilson brilhou ao pegar um chute de fora da área de Nobby Stiles na primeira etapa e ao sair aos pés de George Best para impedir outra ocasião na segunda. Mas o Arsenal foi mais efetivo, com John Radford fazendo a diferença e anotando um hat-trick antes de George Graham concluir a goleada de 4 a 0 com uma cabeçada.


Ironicamente, para um time que conquistaria a reputação de pragmático em excesso, valendo-se de uma defesa sólida para garantir vitórias de 1 a 0 na conta do chá (o chamado “boring, boring Arsenal”), aquela equipe acumularia um bom número de goleadas expressivas em Highbury na primeira metade daquela temporada. Até meados de outubro, os Gunners voltariam a aplicar 4 a 0 no Nottingham Forest, no atual campeão Everton e no Ipswich (este, pela Copa da Liga), além de 6 a 2 no West Bromwich.


O desempenho em casa naquela temporada, aliás, seria exemplar: o Arsenal somaria 18 vitórias e três empates em suas 21 partidas em Highbury pela liga. No geral, sofreria apenas uma derrota, para o Crystal Palace pela Copa da Liga. E, também naquela primeira metade da campanha, além das goleadas citadas, obteria uma trinca de grandes vitórias por 2 a 0 sobre um bom time do Tottenham, sobre o Derby County dirigido por um certo treinador ascendente chamado Brian Clough e sobre o Liverpool de Bill Shankly.


Mas também por ironia, para uma equipe famosa pela solidez defensiva, outro resultado chamou a atenção naquele início de campeonato: a escandalosa goleada de 5 a 0 sofrida diante do Stoke no Victoria Ground em 26 de setembro, na décima partida da campanha. Era apenas a segunda derrota do Arsenal (a primeira, um apertado 2 a 1 contra o bom time do Chelsea em Stamford Bridge no fim de agosto), mas teria impacto importante. Depois daquele vexame, o time aparou arestas e reforçou sua união.


A PRIMEIRA ARRANCADA


E seria mesmo necessária muita união e firmeza de propósito para tentar desbancar o time que despontava como o líder inabalável do campeonato naquela altura. O Leeds largou vencendo seis dos seus primeiros sete jogos, entre eles Manchester United, Tottenham, Everton e Chelsea. Seu único empate, um 0 a 0 diante do próprio Arsenal em Highbury. E seguiu nadando de braçadas, mantendo-se a uma distância segura dos concorrentes. Ao fim do ano de 1970, havia perdido só um de seus 24 jogos pela liga.


George Armstrong duela com Nobby Stiles nos 4 a 0 sobre o Manchester United.

Mas o Arsenal também não havia perdido mais nenhum jogo pela liga desde a goleada em Stoke até a virada do ano. Em 13 partidas, vencera dez e sofrera apenas cinco gols. Em dezembro, foi duas vezes a Manchester e derrotou o City em Maine Road (2 a 0) e o United em Old Trafford (3 a 1). Havia caído na Copa da Liga, mas seguia vivo na busca pelo bicampeonato na Copa das Feiras, competição em que protagonizou outra disputa que foi parar nos jornais – esta, no entanto, por motivos extracampo.


Em sua estreia naquela edição do torneio europeu, o Arsenal foi a Roma enfrentar a Lazio no Estádio Olímpico. O empate em 2 a 2 foi saudado como um bom resultado. Mas acabou totalmente eclipsado pelo que se seguiu: uma verdadeira batalha de socos e pontapés durante um jantar entre as duas delegações num restaurante romano, após alegadas provocações vindas dos atletas italianos. Até o técnico Bertie Mee se envolveu na confusão, que chegou à rua e repercutiu pessimamente na imprensa britânica.


Na pausa na virada do ano, o Leeds liderava a liga com 39 pontos em 24 jogos, seguido pelo Arsenal com 36 em 23 – vitória valia dois pontos, é bom lembrar. Bem distantes vinham o Chelsea em terceiro (29 em 22), o Tottenham em quarto (28 em 22) e Manchester City e Wolverhampton empatados com 27 pontos em quinto (mas os Wolves com um jogo a mais). Foi quando teve início para os Gunners a outra “perna” da dobradinha, por assim dizer: a FA Cup, que começou com a visita ao Yeovil Town, da Southern League.


DIVIDINDO ATENÇÕES


Inicialmente marcada para 2 de janeiro, a partida foi uma das várias adiadas naquela rodada em virtude do rigoroso inverno. No dia 6, finalmente os dois times entraram em campo, e o Arsenal facilmente liquidou a fatura, vencendo por 3 a 0. E a campanha na liga também recomeçou animadora três dias depois, com a vitória sobre o West Ham por 2 a 0 em Highbury, gols de George Graham e Ray Kennedy – o 11º triunfo nos últimos 14 jogos – e a derrota do Leeds em casa para o Tottenham por 2 a 1.


Com esse resultado, o Arsenal estava a um ponto do líder tendo um jogo a menos. Porém, mal sabiam os Gunners que logo em seguida o time enfrentaria seu momento mais oscilante na liga, começando com a visita ao Huddersfield na tarde de 16 de janeiro. A derrota por 2 a 1 seria selada com um pênalti muito controverso, marcado por um suposto toque de mão de McLintock numa disputa aparentemente fora da área. Para piorar, duas semanas depois o time voltaria a perder, agora para o Liverpool em Anfield (2 a 0).


Entre um jogo e outro, os Gunners seguiram sua campanha na FA Cup tendo o Portsmouth como adversário. O empate em 1 a 1 em Fratton Park, graças a um gol de pênalti de Storey, levou a um replay em Highbury, que acabou adiado devido ao mau tempo. Acabaria disputado no dia 1º de fevereiro, apenas dois dias após a derrota em Anfield. E seria um jogo movimentado. O Pompey abriu o placar, mas o Arsenal virou e venceu por 3 a 2, com Charlie George anotando seu primeiro gol em quase 11 meses. Um bom sinal.


O problema era que, na liga, nos mesmos dias em que o Arsenal caíra em Huddersfield e em Liverpool, o Leeds somara duas vitórias, batendo West Ham e Manchester City fora de casa e aumentando para cinco pontos sua vantagem na ponta – ainda que permanecendo com um jogo a mais que os Gunners. O time de Don Revie também perderia em Anfield em 6 de fevereiro, diminuindo temporariamente a diferença para três pontos. Mas o Arsenal, após bater Man City e Ipswich, voltaria a tropeçar.


Derrotado pelo Derby County de Brian Clough por 2 a 0 no Baseball Ground, o Arsenal conhecia seu terceiro revés em cinco jogos pela liga e assistia ao Leeds abrir nada menos que sete pontos de vantagem na liderança – embora com dois jogos a mais – faltando pouco mais de dois meses para o fim da temporada. Na copa, por outro lado, a coisa seguia bem: no dia 17, o time voltou a bater o Manchester City em Maine Road (como já havia feito na liga) por 2 a 1, com Charlie George marcando os dois gols.


A SEGUNDA ARRANCADA


Março seria o mês em que o sonho do bicampeonato na Copa das Feiras chegaria ao fim, com o Arsenal eliminado nas quartas de final pelo Colônia pelo critério dos gols fora de casa, após vencer em Highbury por 2 a 1 e ser derrotado por 1 a 0 na Alemanha Ocidental. Assim, os Gunners ficavam em igualdade de condições com o Leeds no número de disputas simultâneas, já que os Whites seguiam no torneio europeu, mas haviam sido eliminados na FA Cup pela zebra Colchester United, da quarta divisão.


E março também seria o mês em que o time de Bertie Mee iniciaria uma grande arrancada na briga pelo título. Foi o momento em que o Arsenal demonstrou mais resiliência: das nove vitórias seguidas, entre 2 de março e 20 de abril, cinco foram por 1 a 0. E em toda a sequência, a defesa só foi vazada uma única vez, nos 2 a 1 sobre o Southampton fora de casa. A categórica vitória por 3 a 0 sobre o Wolverhampton – que ocupava então a quarta colocação – no Molineux marcou o início daquele “sprint” fundamental.


O time seguiu vencendo o Crystal Palace fora de casa (2 a 0), o Blackpool (1 a 0), o Chelsea (2 a 0) e o Coventry (1 a 0), todos em Highbury. Nos dias 10 e 13 de abril, o Arsenal pegou a estrada para derrotar o Southampton (na já citada vitória por 2 a 1) e o Nottingham Forest (3 a 0). Nessa altura, o Leeds – que perdera do Chelsea em Stamford Bridge e parara em empates nas visitas ao Newcastle e ao Huddersfield – já via os Gunners no retrovisor: a vantagem agora era só de dois pontos, com dois jogos a mais.


Até que chegou 17 de abril, um sábado que se revelaria crucial naquele desfecho de campeonato. O Arsenal recebia o Newcastle, enquanto o Leeds teria pela frente em Elland Road uma aparente barbada diante do West Bromwich Albion, que não vencia um jogo como visitante há um ano e quatro meses. Mas vislumbrou uma vitória histórica quando Jack Charlton errou um passe na intermediária e, num rápido contragolpe, Tony Brown (que se sagraria artilheiro do campeonato) apareceu para abrir o placar.


No segundo tempo, um outro erro de um defensor do Leeds iniciaria a jogada do segundo gol, uma das mais polêmicas da história do futebol inglês. Norman Hunter passou do meio-campo com a bola dominada e errou dois passes seguidos. No segundo, Brown interceptou e arrancou. No campo de ataque, Colin Suggett estava em posição de impedimento, apontada pelo auxiliar Bill Troupe. Assim que este levantou a bandeirinha, a defesa do Leeds parou. Mas Suggett logo se afastou da jogada, e Brown seguiu.


E seguiu porque o árbitro Ray Tinkler entendeu que a jogada era legal uma vez que Suggett não participara dela, nem interferira no lance. Com o campo aberto, Tony Brown seguiu até a área e, diante do goleiro Gary Sprake, rolou a bola para a chegada de Jeff Astle, vindo de trás. O que se seguiu foi um intenso protesto dos jogadores do Leeds, invasões de campo por torcedores e pelo técnico Don Revie e até uma lata arremessada da arquibancada que atingiu Colin Cartlich, o bandeirinha do outro lado, na cabeça.


O Leeds ainda descontou a dois minutos do fim com Allan Clarke, mas a derrota foi inevitável. O clube ainda seria punido com multa e teria o estádio de Elland Road interditado pelas primeiras quatro partidas da temporada seguinte. E perderia a liderança: em Highbury, no mesmo instante, o Arsenal derrotava o Newcastle por 1 a 0 com gol de Charlie George e chegava aos mesmos 57 pontos dos Whites, mas superando o concorrente no critério do goal average – e ainda com dois jogos a menos.


Um desses jogos a menos seria descontado dali a três dias, quando o Arsenal bateu o Burnley de novo por 1 a 0 em Highbury e com gol de Charlie George (desta vez de pênalti), mesmo desfalcado de Bob McNab e Peter Storey, que serviam à seleção da Inglaterra que enfrentaria a Grécia pelas Eliminatórias da Eurocopa no dia seguinte. A sequência de vitórias terminou no sábado seguinte, quando os Gunners ficaram no 2 a 2 na visita ao West Bromwich, enquanto o Leeds vencia o Southampton fora por 3 a 0.


Com um ponto separando o novo líder Arsenal do vice Leeds, os dois times chegavam ao segundo confronto direto da temporada, desta vez em Elland Road. Num jogo nervoso e amarrado, em que um empate cairia muito bem para o Arsenal, um gol de Jack Charlton no apagar das luzes acabou recolocando o Leeds na ponta da tabela. Era, porém, um grito de sobrevivência dos Whites, que fariam seu último jogo pelo campeonato no sábado seguinte, batendo o Nottingham Forest em casa por 2 a 0.


COM (UM)A TAÇA NA MÃO


No mesmo dia, o Arsenal conseguiu mais uma vitória pela contagem mínima em Highbury, desta vez diante do Stoke com gol de Eddie Kelly, que saíra do banco de reservas. E ficou dependendo só dele mesmo para chegar ao título: com um ponto a menos e melhor goal average, tinha ainda mais uma partida por fazer, dois dias depois. O adversário naquele jogo adiado seria o rival Tottenham, que jogaria em seu estádio de White Hart Lane. O lado curioso ficava com as contas dos Gunners para chegarem à conquista.


Uma vitória simples confirmaria o título para o Arsenal, assim como um empate em 0 a 0. Já a igualdade com gols encaminharia a taça para o Leeds, que neste caso passaria a ter o melhor goal average. Com 50 mil torcedores nas arquibancadas e aproximadamente outros 50 mil do lado de fora do estádio, o jogo seguiu com placar em branco até a dois minutos do fim, quando Ray Kennedy completou de cabeça um cruzamento de George Armstrong da esquerda e selou, mesmo sem precisar, o fim do jejum na liga.


A conquista tinha ótimos números: nos 42 jogos, o Arsenal obteve expressivas 29 vitórias, além de sete empates e seis derrotas. E somou 65 pontos, total que ficou a apenas um da melhor marca do clube em sua história, cumprida exatos 40 anos antes pelo lendário esquadrão dirigido por Herbert Chapman. Também a um do Tottenham em sua própria temporada da dobradinha e do Everton em sua fantástica campanha vitoriosa de 1970. E a dois do recorde histórico sacramentado pelo Leeds em 1969.


A equipe de Bertie Mee também teve o segundo ataque mais positivo, com 71 gols (um a menos que o do Leeds), mas sofreu um gol a menos que o vice-campeão (29 contra 30), tendo somente o Liverpool à sua frente como a defesa menos vazada. Individualmente, dentre os 16 jogadores utilizados na campanha, o destaque ficaria com Ray Kennedy, artilheiro do time com 19 gols em sua primeira temporada como titular. Por fim, valia a pena lembrar que o Arsenal voltava a ser o maior campeão inglês, com oito títulos.


COMPLETANDO A DOBRADINHA


A outra “perna” da dobradinha, a FA Cup, também teve em março um mês crucial. Na primeira quinzena, o time enfrentou o Leicester, então na segunda divisão, pela sexta fase (equivalente às quartas de final). O empate sem gols em Filbert Street provocou mais um replay em Highbury, vencido pelo Arsenal por 1 a 0, gol de Charlie George – típico daquela reta final da temporada. E o adversário nas semifinais seria o Stoke, com a lembrança da goleada de 5 a 0 pela liga ainda viva na memória de jogadores e torcedores.


No último minuto, em meio a uma intensa pressão, o Arsenal teve um escanteio a seu favor. A bola foi alçada para a área e, na sequência, o meia John Mahoney, do Stoke, cortou uma cabeçada com a mão, em cima da linha. Pênalti marcado, era a vez de Storey encarar Gordon Banks no gol adversário. Enquanto isso, do outro lado do campo, Bob Wilson nem quis olhar. Mas o meia dos Gunners foi muito competente, batendo rasteiro, pegando o arqueiro dos Potters no contrapé e levando a semifinal para o replay.


O desempate veio quatro dias depois, em 31 de março, no Villa Park, em Birmingham. E o Arsenal despachou o adversário sem maiores problemas com George Graham e Ray Kennedy marcando, um em cada tempo, os gols da vitória por 2 a 0. O oponente na final seria o Liverpool, que havia eliminado o rival Everton na outra semifinal. Sem levantar nenhum caneco desde a conquista da liga em 1966, o time dirigido por Bill Shankly tentaria não ficar de mãos abanando pela quinta temporada seguida.

Frank McLintock, George Graham e Charlie George (da esquerda para a direita): campeões em Wembley.

Os Reds haviam acabado de ser eliminados pelo Leeds nas semifinais da Copa das Feiras, além de terem terminado em quinto lugar na liga, 14 pontos atrás do campeão Arsenal. E apostavam nos gols de seu recém-contratado atacante galês John Toshack para salvar a temporada. Já o Arsenal tinha naquele sábado apenas uma modificação em relação ao time que batera os Spurs na segunda-feira anterior: Peter Storey estava de volta ao meio-campo, ficando Eddie Kelly com a única vaga de reserva no banco.


Disputado sob calor intenso, o jogo acabou prejudicado em emoção durante boa parte do tempo normal. Quando o sol começou a baixar, perto do fim do segundo tempo, algumas chances mais claras começaram a surgir de parte a parte, incluindo uma cabeçada de George Graham que acertou o travessão de Ray Clemence e, na sequência, uma finalização salva em cima da linha pelo lateral-esquerdo dos Reds, Alec Lindsay. Sem gols nos 90 minutos, a já extenuante partida seguiu para a prorrogação.


E o placar já seria alterado no segundo minuto, quando o ponta Steve Heighway, do Liverpool, recebeu passe na esquerda, entrou na área, limpou a marcação e, em vez de cruzar, preferiu arriscar o chute. A bola rasteira passou entre um Bob Wilson que já saía da meta e a trave. E os Reds ainda poderiam ter ampliado logo em seguida, mas o belo chute de virada de Toshack foi bem defendido por Wilson. Mas o Arsenal estava longe de ser derrotado, e provaria isso ainda na primeira etapa do tempo extra.


Aos 11 minutos, Radford recebeu a bola na intermediária e, de costas, fez um passe por elevação para a área. Na disputa, a zaga do Liverpool não conseguiu cortar, e Eddie Kelly (que entrara no segundo tempo no lugar de Storey) acabou tocando por último – embora parecesse que Graham também havia desviado para as redes. No intervalo da prorrogação tudo ainda parecia indefinido, especialmente pelo desgaste físico dos dois times, com vários dos jogadores sofrendo de cãibras, além do calor intenso.


Até que aos sete minutos do segundo tempo da prorrogação, Charlie George tabelou com John Radford e arriscou um chute forte, de fora da área. Clemence voou, mas não alcançou a bola, que entrou em seu canto direito. Era o gol do título do Arsenal. A comemoração de Charlie (o ídolo jovem da torcida os Gunners) seria marcante, simplesmente abrindo os braços e deixando o corpo esgotado cair de costas no gramado, antes de ser abraçado pelos companheiros. Uma virada épica naquelas circunstâncias.


Após o apito final, o reconhecimento foi absoluto: os dois times foram aplaudidos por ambas as torcidas, que acabavam de presenciar uma decisão que entraria para a história. Sentindo muito o desgaste físico e emocional da partida, o capitão do Arsenal, Frank McLintock, teve dificuldade para subir a escadaria até as tribunas, onde receberia a taça. Mas, como sua própria equipe, teve firmeza e dignidade para se manter de pé depois de uma extenuante campanha rumo a um feito histórico.


Se havia algo que os torcedores dos Gunners poderiam sempre esperar daquele grupo de jogadores, depois de tudo o que haviam enfrentado e superado, era suor e bravura.


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