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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Uma fábula caipira: o Burnley campeão inglês há 60 anos


O título do Burnley no campeonato de 1960 – sua segunda e última conquista na liga até hoje e que completa seis décadas neste sábado – deu-se como o resultado do somatório de alguns fatores: um presidente bastante astuto, ainda que sem muito refinamento; um treinador visionário; e um punhado generoso de bons jogadores, quase todos jovens e feitos em casa. Tudo isso às portas de mudanças profundas no futebol inglês.


E é também a história de uma resiliente e determinada tartaruga que superaria não apenas uma, mas duas fogosas lebres nos últimos metros da corrida – num daqueles desfechos que só o louco calendário inglês de então permitia – para trazer a taça à cidade interiorana da região nortista de Lancashire, até hoje a menor da Inglaterra a abrigar um clube campeão da primeira divisão, com cerca de 80 mil habitantes na época.


Naquela época, a cidade já experimentava um prolongado declínio populacional após seu auge econômico e industrial, que curiosamente coincidiu as outras duas principais conquistas do clube, um dos fundadores da Football League. Em 1914, o Burnley bateu o Liverpool por 1 a 0 e levantou a FA Cup. Sete anos depois, faturou a liga após chegar a ficar 30 jogos sem perder, marca superada apenas pelos “Invincibles” do Arsenal em 2004.


Já a conquista de 1960, por sua vez, tinha como grande mentor um homem que prosperara no comércio local naqueles anos difíceis. Seu nome era Bob Lord, um filho de barbeiro que começara a trabalhar em um açougue ainda garoto e, aos 19 anos, já abria seu próprio negócio no mesmo ramo – o qual, dentro de pouco tempo, transformaria-se em uma cadeia de 14 lojas. Sua maior ambição, no entanto, dizia respeito ao Burnley.


UM 'LORD' SUI GENERIS


Lord era torcedor fanático dos Clarets e, no início dos anos 1950, tentou entrar para a diretoria do clube, mas foi vetado. Na época, para se chegar a tanto era preciso ter berço – e ele, de Lord, só tinha o sobrenome. Pouco depois, porém, mais uma cadeira nos quadros administrativos vagou. E, como era candidato único, acabou enfim conseguindo realizar seu sonho. Mas não pararia por aí: em 1955, chegaria à presidência.


Uma vez empossado, por trás de seu jeito um tanto bronco, Lord se revelaria um visionário em certos aspectos: um de seus projetos colocados em prática foi a construção de um moderno centro de treinamentos para o clube – um dos primeiros do país. Com a estrutura pronta (depois que até os próprios jogadores arregaçaram as mangas e pegaram em pás e enxadas), passou a investir maciçamente nas categorias de base.


Bob Lord: o açougueiro que fez do Burnley um time de ponta.

O clube contava também com uma rede de olheiros, responsável por trazer jovens não só da cidade ou da região de Lancashire, mas de vários pontos do Reino Unido. O trabalho começou com o técnico Alan Brown, que já estava no clube quando Bob Lord chegou. Em julho de 1957, porém, Brown deixou o clube para dirigir o Sunderland, com Billy Dougall entrando no posto – do qual sairia por problemas de saúde em fevereiro de 1958.


Quem operaria a mágica de transformar aquele time de garotos em campeão inglês seria um certo Harry Potts, um ex-atacante do próprio Burnley e do Everton nos primeiros anos após a Segunda Guerra Mundial. Potts pendurara as chuteiras em Goodison Park em 1956 e iniciara a carreira de treinador no pequeno Shrewsbury, antes de ser chamado de volta ao Turf Moor por ser considerado um técnico de ideias novas.


A FORMAÇÃO DO ELENCO


O novo treinador conduziria o Burnley ao sexto lugar na liga, com 47 pontos ganhos, ao fim da temporada 1957-58. Na seguinte, sua primeira completa no cargo, somaria um ponto a mais, mas ficaria uma colocação abaixo. Mesmo assim, seguiria apostando naquele elenco e faria só uma contratação para 1959-60: o lateral-esquerdo norte-irlandês Alex Elder, de apenas 17 anos, comprado do Glentoran por módicas £5 mil.


Do elenco que iniciaria aquela temporada, só um outro jogador havia sido trazido de fora: o meia-armador Jimmy McIlroy, também norte-irlandês e adquirido do mesmo Glentoran em março de 1950. Quase dez anos depois, ele já se convertera num dos nomes mais experientes da equipe – disputara a Copa de 1958 como destaque da seleção de seu país – e também seu ponto de referência, em torno de quem o time girava.



A média de idade dos 18 jogadores da campanha não chegava aos 23 anos, assim como as idades de sete dos 11 titulares. E o clube ainda começaria aquela temporada sem poder contar com um de seus atletas mais experientes, o goleiro Colin McDonald, titular da seleção inglesa na Copa do Mundo da Suécia, que sofreria a fratura da perna que encerraria sua carreira num amistoso pelo combinado da Football League em março.


Em seu lugar estaria agora o jovem escocês Adam Blacklaw, 21 anos. Na linha de quatro zagueiros, o nome mais experiente entre os titulares era o do escocês Bobby Seith, 27 anos, mas também revelado pelo clube. Seith, no entanto, não ficaria até o fim da campanha: na reta final teve um sério desentendimento com Bob Lord, foi afastado do time e colocado à venda, além de ter tido negada sua medalha de campeão.


Ao seu lado no miolo de zaga jogava o sólido Brian Miller, nome histórico do clube (o único que defendeu em toda a carreira). Atuou em todos os jogos da campanha do título, contribuindo até mesmo com três gols marcados. Já pelos lados, John Angus foi o dono da lateral-direita, ficando de fora de uma partida, enquanto pela esquerda Alex Elder entrou na equipe já depois de algumas rodadas e se firmou mesmo com a pouca idade.


À frente da defesa, na contenção, jogava outra lenda dos Clarets: Jimmy Adamson, chamado de “Mr. Burnley”, foi mais um que dedicou sua carreira inteira de jogador – 17 anos, entre 1947 e 1964 – ao clube. Motor da equipe, sua operosidade e dedicação se combinaram à perfeição com seu parceiro no setor, o elegante armador norte-irlandês Jimmy McIlroy, o grande municiador do ataque daquele esquadrão.


Jimmy McIlroy, o cérebro do Burnley e da seleção da Irlanda do Norte.

No quarteto ofensivo, três nomes se destacaram pela prolificidade: o ponta-direita John Connelly foi o artilheiro da campanha com 20 gols, com os dois jogadores da área – Ray Pointer e Jimmy Robson – anotando 19 e 18, respectivamente. O ponta-esquerda Brian Pilkington vinha em quarto na lista, mas, como se destacava mais por ajudar no meio-campo, anotou apenas oito tentos, apenas dois a mais que Jimmy McIlroy.


Connelly era um ponta veloz, habilidoso e driblador, mas também com consciência tática: tanto ele quanto Pilkington frequentemente recuavam para compor o meio-campo, formando uma espécie de 4-4-2. Disputou a Copa do Mundo de 1962 como atleta dos Clarets e deixou o clube em 1964, seguindo para o Manchester United. Em 1966, integraria a seleção inglesa campeã mundial, chegando a jogar contra o Uruguai.


Pointer e Robson – este com apenas 20 anos – formavam uma dupla jovem, valente e de grande movimentação no ataque. Pilkington, por sua vez, era o único jogador do elenco a já ter defendido a seleção inglesa antes do início da temporada vitoriosa dos Clarets. Além dos 11 titulares, dois jogadores tiveram presença importante na campanha: o versátil e experiente defensor Tommy Cummings e o diminuto ponteiro Trevor Meredith.


O estilo de jogo exibido por esse time do Burnley era uma vitrine das ideias de seu técnico. Harry Potts gostava de um futebol bem jogado, de toques curtos e deslocamentos, com os jogadores sempre se aproximando para receber a bola e dar sequência às ações. “Joguem com um sorriso em suas chuteiras”, pedia. E, para favorecer a compactação, demandava que ambos os ponteiros recuassem para ajudar o meio-campo.


OS MAIS COTADOS À TAÇA


Com esse time, o Burnley acreditava que poderia fazer uma campanha bastante digna. Mas o grande favorito ao início da temporada, por unanimidade, era o Wolverhampton de Stan Cullis, que mesmo após ver seu zagueiro e capitão Billy Wright – uma das figuras mais influentes e populares no jogo inglês da época – pendurar as chuteiras, queria o tri consecutivo na liga, feito que só Huddersfield e Arsenal haviam obtido.


Quanto ao principal oponente dos Wolves nessa caminhada, alguns nomes eram especulados pela imprensa: o Manchester United, refazendo-se do desastre aéreo de Munique, parecia um bom palpite, assim como o Arsenal e o Preston ainda liderado pelo veterano ponteiro Tom Finney. Mas quando a bola começou a rolar, outra equipe logo tratou de arrancar, destacando-se dos demais: o Tottenham de Bill Nicholson.



Os Spurs permaneceram invictos nos seus primeiros 12 jogos da campanha, logo chegando à liderança. Mais do que isso: nesse caminho, aplicaram quatro goleadas marcantes, todas por 5 a 1. Na estreia, foram a St. James’ Park e impuseram o placar ao Newcastle. Em 12 de setembro, o topo da tabela foi alcançado com outra goleada fora de casa pela mesma contagem, agora diante do Manchester United dentro de Old Trafford.


Uma semana depois, foi a vez do Preston, batido em White Hart Lane. E no começo de outubro, foi a vez do Wolverhampton não ser poupado em sua visita a Londres. A equipe dirigida por Stan Cullis, apesar de um tropeço aqui e ali, ocupava então a segunda colocação graças a um ataque poderoso, que já havia marcado seis (a quatro) contra o Manchester City, nove (a zero) sobre o Fulham e cinco (a um) diante do Luton.


E o Burnley? Estreara bem, vencendo o Leeds fora de casa por 3 a 2 e goleando o Everton por 5 a 2 em Turf Moor. Mas depois começaria a oscilar, sofrendo inclusive algumas derrotas pesadas, como os 4 a 1 para o Chelsea em Stamford Bridge e o revés em casa, pelo mesmo placar, diante do Blackpool – que somado a outra derrota, para o vizinho e rival Blackburn em Ewood Park, fez o time descer da terceira para a sétima posição.


No meio dessa sequência irregular, o time visitou o Tottenham, no que – mais tarde se saberia – seria o primeiro confronto direto entre os postulantes ao título. O empate em 1 a 1 diante do forte adversário, com gol de Brian Miller a dois minutos do fim, foi considerado encorajador, embora antecipasse as duas derrotas seguidas já citadas. Mas a queda seria revertida com uma sequência de 12 pontos somados em 16 possíveis.


McIlroy arrisca diante da defesa do Tottenham em White Hart Lane.

Entre o fim de outubro e meados de dezembro, o time fez oito partidas e venceu cinco, além de empatar duas e perder apenas uma. Dentre os cinco triunfos, alguns mereceram destaque, a começar pela atuação memorável diante do bicampeão Wolverhampton, batido de maneira categórica por 4 a 1 em Turf Moor, com Ray Pointer marcando duas vezes e Jimmy Robson e John Connelly completando a goleada.


Outra vitória memorável veio duas semanas depois, sobre um Nottingham Forest que mantinha oito dos 11 titulares da conquista da FA Cup da temporada anterior. Robson abriu o placar logo aos quatro minutos, Pilkington ampliou aos 14 e, antes do intervalo, Robson já havia deixado mais três nas redes do escocês Chick Thomson. E ele anotaria seu quinto na etapa final, entre dois gols de Pointer. A surra acabou em 8 a 0.


No espaço de uma semana, no começo de dezembro, o time ainda aplicou um 4 a 0 no bom time do Bolton e emplacou uma grande virada na visita ao Arsenal em Highbury: perdendo por dois gols até os 23 minutos da etapa final, viu Jimmy Adamson descontar batendo pênalti, antes de John Connelly anotar um hat-trick em um quarto de hora, fechando a vitória em 4 a 2, resultado que o colocava nos calcanhares dos líderes.


Antes da virada do ano, porém, houve alguns embaraços. O time tropeçou em casa ao perder para um Leeds que acabaria rebaixado no fim daquela temporada. E depois enfrentou duas vezes o Manchester United nas rodadas espelhadas de Boxing Day e do dia 28 de dezembro. Primeiro, conseguiu uma boa vitória em Old Trafford, 2 a 1. Mas os Busby Babes deram o troco em Turf Moor, goleando os Clarets por 4 a 1.



A recuperação veio na primeira partida de 1960, em 2 de janeiro. O oponente era o West Ham, separado do Burnley na classificação apenas pelo saldo de gols (Clarets em terceiro, Hammers em quinto), em Upton Park. Na ausência de Jimmy McIlroy, o time encontrou substituto à altura no reserva Ian Lawson, autor de dois gols (assim como John Connelly) na goleada por 5 a 2 que o levou à vice-liderança, atrás apenas do Tottenham.


O REENCONTRO COM OS SPURS


Aquele triunfo em Londres iniciaria uma boa sequência de seis vitórias em oito partidas, enquanto a campanha na FA Cup começava a se desenrolar em paralelo. Os 2 a 1 sobre o Chelsea no dia 16 iniciariam uma série invicta em Turf Moor que se estenderia até o fim do campeonato. Dentro dela, em 1º de março, seria a vez de receber o Tottenham, isolado na liderança e vindo de arrasar o Blackburn por 4 a 1 na casa do adversário.


Os Spurs teriam um desfalque notável para aquele confronto: o escocês John White, meia com enorme qualidade no passe e autor de três assistências contra o Blackburn, ficaria de fora por um motivo prosaico: cumprindo serviço militar obrigatório, ele não conseguiu ser liberado da caserna em tempo de se apresentar para o jogo em Turf Moor. Mesmo assim, o time londrino dominou o primeiro tempo, que, no entanto, terminou sem gols.


Ray Pointer, um dos principais goleadores da campanha.

Quem abriria o placar na etapa final seria o Burnley, com Ray Pointer cabeceando um cruzamento de John Connelly. E quando os Spurs voltaram a empurrar os Clarets na defesa, pressionando pelo empate, os donos da casa anotariam o segundo, com Jimmy McIlroy municiando Connelly num contra-ataque mortal para selar uma vitória que encurtava a distância na tabela para o próprio Tottenham e para o vice-líder Wolverhampton.


O Burnley venceria os dois jogos seguintes pela liga, ambos em casa, batendo o rival Blackburn por 1 a 0 e o Arsenal por 3 a 2. Entre um jogo e outro, porém, veria ser encerrado o sonho da dobradinha justamente aos pés dos Rovers: nas quartas de final da FA Cup, depois do empate por 3 a 3 em Turf Moor, o replay seria vencido pelos vizinhos por 2 a 0. Mas uma derrota ainda mais pesada aguardava pelos Clarets na liga.


No dia 30 de março, com só um ponto separando o time do segundo colocado Wolverhampton, o Burnley viajaria até o Molinex para um confronto crucial na campanha. Seria uma tarde para esquecer. Ávidos para descontarem a derrota sofrida no confronto de Turf Moor, os comandados de Stan Cullis foram implacáveis. Com 15 minutos, já venciam por 2 a 0. No intervalo, por 4 a 1. E ao fim dos 90 minutos, por impiedosos 6 a 1.


PROVA DE RESILIÊNCIA


Aquela derrota por aquele placar e para aquele adversário deixou muita gente certa de que, para o Burnley, a briga pelo campeonato se encerrara ali. Até porque os Wolves seguiram vorazes nos dois jogos seguintes, aplicando 3 a 0 no Leeds em pleno Elland Road antes de surrarem o West Ham por 5 a 0, chegando a tomarem brevemente a ponta do Tottenham. Mas a recuperação dos Clarets seria tão imediata quanto discreta.


Um movimentado empate em casa por 3 a 3 diante do Sheffield Wednesday foi seguido por três vitórias: 1 a 0 sobre o Nottingham Forest no City Ground, 1 a 0 em cima do Leicester, agora em Turf Moor, e 3 a 0 no Luton, também em casa. E então a mágica começou a acontecer: naquele 16 de abril em que bateu os Hatters, o Burnley alcançava os mesmos 49 pontos de Tottenham e Wolves, ainda que atrás nos critérios de desempate.



Os Spurs, que chegaram a abrir cinco pontos de frente para os Clarets, começaram a capengar em março. No meio de abril, o calendário previa sequência insana de jogos: os times entrariam em campo três vezes em quatro dias. Destes, o time de Bill Nicholson venceu só o primeiro, no dia 15: 3 a 1 no Chelsea em Stamford Bridge. Nos dias 16 e 18, cairia em casa para o Manchester City e o mesmo Chelsea, ambos por 1 a 0.


Os Wolves, que haviam perdido para o Newcastle no St. James’ Park naquele 16 de abril, jogariam duas vezes contra o Nottingham Forest nos dias 18 e 19, somando uma vitória e um empate, o suficiente para assumir a liderança. Já o Burnley, após vencer Leicester e Luton nos dias 15 e 16, acabou não tendo forças para superar os Foxes também em Filbert Street, no dia 18, perdendo por 2 a 1. Mas seguia no páreo, apesar dos pesares.


Em 23 de abril seria disputada a penúltima rodada regular do campeonato – o que não queria dizer muita coisa para o Burnley, com dois jogos a menos em relação aos outros postulantes. Importante mesmo era saber que naquele dia Wolverhampton e Tottenham se enfrentariam no Molineux. Uma vitória dos comandados de Stan Cullis praticamente encaminharia a taça para a região de Midlands. Mas os Spurs tinham outras ideias.


Jimmy Adamson e Danny Blanchflower, capitães de Burnley e Tottenham.

Além de grande jogador, o meia Danny Blanchflower, capitão do Tottenham, era também muito inteligente. Exibia fora de campo a mesma clarividência e firmeza de propósito demonstrada dentro das quatro linhas. E acreditava que sua equipe tinha potencial para vencer coisas grandes em breve. Por isso, não via com bons olhos a perspectiva de os Wolves fazerem a dobradinha até então inédita no futebol inglês naquele século.


Os Spurs já não tinham tantas chances de levar a liga. Precisariam vencer seus dois últimos jogos e torcer por uma complicada combinação de resultados. Mas era importante ajudar a destronar o Wolverhampton. A preleção foi feita por Blanchflower no gramado do Molineux. E com essa motivação extra, o Tottenham – que confirmaria os prognósticos de seu capitão na temporada seguinte – venceria os donos da casa por 3 a 1.


A RETA FINAL


O Burnley ficaria num empate por 1 a 1 na visita ao Blackpool naquele dia, mas venceria fora de casa o Birmingham por 1 a 0 no seu primeiro jogo remarcado, alcançando os mesmos 52 pontos do líder Wolverhampton, mas ainda atrás dele pelo goal average. Na última rodada cheia, porém, só os Clarets não venceram: nervosos, pararam num 0 a 0 com o Fulham em casa, enquanto Spurs e Wolves golearam Blackpool e Chelsea, respectivamente.



Há no futebol uma velha máxima a respeito das idas e vindas nos campeonatos de pontos corridos que diz: “O que importa mesmo é terminar a última rodada em primeiro lugar”. Para os Wolves, que encerraram sua campanha como líderes somando 54 pontos, ela não caiu tão bem. Mas os Clarets se permitiram alterar a frase: o que importava de fato era terminar seu último jogo no topo da tabela. Mesmo que pela primeira e única vez.


O Burnley passara todos os pouco mais de oito meses de competição perseguindo os líderes, mas sem jamais ocupar ele próprio a primeira colocação. Até o apito final daquela partida adiada contra o Manchester City numa noite de segunda-feira em Maine Road, dois dias após a última rodada. Naquela altura do campeonato, no entanto, a equipe dos Clarets havia sofrido algumas mudanças importantes na escalação titular.


Além de Bobby Seith, já escanteado do time e colocado na lista de negociáveis pelo presidente Bob Lord, com o experiente Tommy Cummings tomando seu lugar no setor defensivo, uma séria lesão havia afastado o ponteiro-direito John Connelly dos seis últimos jogos daquela campanha. Em seu lugar entraria o franzino Trevor Meredith, de apenas 1,65 metro e que já havia sofrido ele próprio uma fratura no começo da temporada.


Do outro lado, um Manchester City já salvo da ameaça de descenso (já somava três pontos acima do primeiro rebaixado, o penúltimo colocado Leeds) e no qual três nomes chamavam a atenção: o lendário goleiro alemão Bert Trautmann, o meia Alan Oakes (que integraria o timaço treinado por Joe Mercer e Malcolm Allison na virada da década seguinte) e um jovem atacante escocês trazido do Huddersfield chamado Denis Law.


O gol de Pilkington que abriu caminho para a vitória sobre o Manchester City.

A iminência da decisão do título levou quase 66 mil pessoas a Maine Road, público assombroso para a época, sendo que quase 30 mil haviam percorrido os cerca de 50 quilômetros de Burnley até ali. E a invasão de torcedores visitantes pôde vibrar logo aos quatro minutos, quando Brian Pilkington desceu pela esquerda até a linha de fundo e disparou um petardo, quase sem ângulo, que rebateu em Trautmann, na trave e entrou.


O mesmo Pilkington perdeu um gol incrível minutos depois. E aos 12, o City chegou ao empate: Ken Barnes cobrou falta na área, Law furou, mas Joe Hayes concluiu para as redes. O resultado, caso permanecesse assim, daria o título de bandeja ao Wolverhampton, que contava com goal average bastante superior. Mas não tardaria muito até que ele voltasse às mãos dos Clarets – 18 minutos, para ser mais preciso.


E o gol que selaria a conquista viria de um herói improvável: o baixinho Trevor Meredith, vestindo naquela noite a camisa 7 do máximo goleador John Connelly, apanhou uma rebatida da defesa em meio a uma confusão na área e deu uma chicotada na bola, vencendo Trautmann mais uma vez. Pelo resto do primeiro tempo e por toda a segunda etapa, o time segurou a vitória, graças em parte às ótimas intervenções de Adam Blacklaw.


O PÓS-CONQUISTA


Ao apito final em Maine Road, as comemorações do título histórico do Burnley tiveram início com champanhe oferecido pela diretoria do próprio Manchester City (um gesto de cordialidade pertencente a outros tempos) e aberto pelo presidente dos Clarets, Bob Lord. “Somos campeões merecidamente e estou muito feliz mesmo com isso”, exaltou o cartola. Na volta, o time parou sua cidade ao desfilar em carro aberto.


No ano seguinte, o Burnley terminaria sua campanha de defesa do título em quarto, mas a 15 pontos de distância do campeão Tottenham – o primeiro clube do século XX a fazer a dobradinha, levantando também a FA Cup. O Burnley, porém, esteve bem perto de ser o segundo, logo em 1962: perdeu a liga por três pontos para o surpreendente Ipswich de Alf Ramsey e foi batido na final da taça pelos mesmos Spurs, por 3 a 1.


A conquista da liga em 1960 também permitiu aos Clarets disputarem a Copa dos Campeões pela única vez em sua história. O time estreou já nas oitavas de final com um adversário de peso: os franceses do Stade de Reims, vice-campeões da competição em 1956 e 1959, que contavam com craques do quilate de Raymond Kopa, Just Fontaine, Lucien Müller, Roger Piantoni e Jean Vincent, dirigidos pelo lendário Albert Batteux.


Porém, o Burnley foi mais forte: venceu em Turf Moor por 2 a 0, com gols de McIlroy e Robson, e avançou mesmo perdendo por 3 a 2 na partida de volta disputada no Parque dos Príncipes, em jogo que terminou em batalha campal. Na etapa seguinte, diante do Hamburgo de Uwe Seeler, a equipe venceu por 3 a 1 em casa, mas permitiu que o adversário revertesse a desvantagem em no Volksparkstadion, aplicando um 4 a 1.


O clube também seria convidado para outro torneio internacional após levantar o título inglês: a International Soccer League, disputada nos Estados Unidos em meados de 1960. Mas ficaria em segundo em seu grupo, depois de aplicar goleadas em equipes como o Bayern de Munique e o Nice, mas perdendo o confronto direto para os escoceses do Kilmarnock, que logo em seguida seriam derrotados na final pelo Bangu.


O Burnley ainda obteria um bom terceiro lugar na liga em 1963 (atrás de Everton e Tottenham) e desceria ao meio de tabela nas duas temporadas seguintes, antes de terminar mais uma vez em terceiro em 1966 (agora, superado por Liverpool e Leeds). O declínio nos próximos anos levaria ao rebaixamento em 1971, 11 anos após conquistar a liga e encerrando um longo período de 24 anos consecutivos na primeira divisão inglesa.


Os campeões de 1960 são recepcionados pelos torcedores na chegada a Burnley.

Por fim, vale lembrar que, embora outros campeões surpreendentes tenham surgido no futebol inglês nas décadas seguintes, uma história como a do Burnley se tornou possível em grande parte devido ao contexto da época, quando ainda vigorava o chamado “maximum wage”, o teto salarial de £20 semanais fixado pela Football League e só abolido em janeiro de 1961, após ameaça de greve feita pela Associação de Jogadores Profissionais.


De início, Bob Lord foi um dos principais opositores da campanha pelo banimento do “maximum wage”, pois sabia que, uma vez extinto, o teto salarial faria a balança de forças pender enormemente para o lado dos clubes mais ricos e de grandes metrópoles, que conseguiriam atrair jogadores de clubes menores com propostas salariais as quais essas equipes provincianas não teriam condições de cobrir. Mas o dirigente mudaria de ideia.


O título improvável do Ipswich na temporada 1961-62, a primeira completa após a extinção do teto salarial, acabou se mostrando uma grande ironia. Mas no ano seguinte a taça ficaria com um Everton de elenco estelar que não por acaso receberia o apelido de “os campeões do talão de cheques”. E, salvo casos pontuais, pelas décadas seguintes, as conquistas sofreriam cada vez mais a influência do poder econômico. Mas esta é outra história.

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