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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

O adeus a Colin Bell, "herói relutante" que foi o maior do Manchester City


Nem Sergio Agüero, nem David Silva, Vincent Kompany, Kevin De Bruyne ou Yaya Touré. Para a torcida do Manchester City, nenhum desses ídolos da rica e gloriosa era recente foi maior que Colin Bell, falecido nesta terça aos 74 anos vitimado por doença não revelada (mas sem ligação com a Covid-19). Para eles, o condutor do meio-campo do grande time do fim da década de 1960 – outro período vencedor da história dos Citizens – foi simplesmente o Rei. Ou o "Rei de Kippax", para ser mais exato e fazer referência à rua que margeava a geral do antigo estádio de Maine Road, seu palco por 13 anos.


Bell era um meio-campista completo, moderno, a personificação do termo “box-to-box”, hoje popularizado. Desarmava, conduzia, passava e com frequência ainda aparecia na área adversária para finalizar. A qualidade técnica que o permitia controlar a bola mesmo nos gramados terríveis da época (como o do Baseball Ground, em Derby) aliava-se a um preparo físico assombroso, que lhe rendeu o apelido de “Nijinsky”, numa referência a um cavalo de corridas que vencera várias provas famosas do Reino Unido na virada daquela década.


Não era, entretanto, um jogador velocista. A boa colocação em campo, a inteligência e a grande visão de jogo ajudavam a conservar as energias para os momentos certos. E também colaboravam para que ele aparecesse sempre em boa condição para finalizar: por seis temporadas seguidas, entre 1966-67 e 1971-72, ele marcaria mais de uma dezena de gols pela liga. Ao todo, seriam 142 em 481 jogos pelo City – marca ainda mais expressiva por se tratar de um meia-armador, não de um centroavante.


A CHEGADA A MAINE ROAD


Colin nasceu em 26 de fevereiro de 1946 na cidade de Hasleden, região de County Durham, no nordeste inglês. Criado pelo pai e por familiares após perder a mãe ainda garoto, tentou a sorte no Newcastle, Sunderland e Arsenal, antes de enfim receber o “sim” do pequeno Bury, então na segunda divisão. Rapidamente chegou a capitão do time e começou a atrair olhares de outros clubes maiores. Entre eles, o Manchester City, dirigido pelo discreto e gentil Joe Mercer e por seu ambicioso e folclórico assistente Malcolm Allison.



Conta-se que Allison utilizou-se de uma curiosa estratégia para conseguir dissuadir os demais interessados e trazer Bell para Maine Road: depreciá-lo. “Ele não sabe cabecear, não sabe dar um passe, é um caso perdido”, dizia o treinador. Obviamente, era tudo mentira. E, a partir de 19 de março de 1966, quando o meia estreou pelo City marcando um gol na vitória por 2 a 1 sobre o Derby County no Baseball Ground, a artimanha de Big Mal ficaria cada vez mais perceptível aos olhos dos torcedores dos Citizens.

O começo: Colin Bell entra em campo pelo City em 1967 (Foto: PA).

Naquele finzinho de temporada, Bell ainda balançaria as redes mais três vezes para ajudar o City a retornar à primeira divisão após três anos – e com o título da segundona, cinco pontos à frente do também promovido Southampton. Era a primeira meta cumprida pela dupla Mercer-Allison, que reformulara a equipe e logo colheria os frutos. Depois da discreta campanha em 1966-67, o time começaria a viver o período mais vitorioso de sua história até então – superado apenas, em termos nacionais, pelo momento recente.



Colin Bell era o motor daquele City que levantaria seu segundo título da liga em 1967-68. E, ao longo da campanha, deixaria sua marca em algumas das partidas que serviriam de credenciais para aquela conquista: a primeira, uma goleada de 4 a 1 sobre o Tottenham com o gramado de Maine Road coberto de neve, transmitida pela BBC dentro de seu tradicional programa Match Of The Day e que ficaria eternizada sob o apelido de “Balé no Gelo”. A segunda, um categórico 3 a 1 diante do rival United dentro de Old Trafford.


Os Red Devils de Bobby Charlton, George Best e Denis Law eram os detentores do título inglês e, naquela temporada, eram apontados como favoritos ao bi, além de mirarem a conquista da Copa dos Campeões, então inédita aos clubes ingleses. Mas o esquadrão dirigido por Matt Busby teve o City nos calcanhares a partir da metade da campanha. E na reta final, acabaria superado. Os azuis assumiram a ponta da tabela faltando apenas dois jogos. E levantariam o título numa última rodada bastante movimentada.


O EMBARQUE PARA A ERA DE OURO


Em 11 de maio de 1968, o City visitaria o Newcastle em St. James’ Park, enquanto o United – um ponto atrás na tabela – receberia o Sunderland em Old Trafford. No intervalo, o caneco já parecia tomar o rumo de Maine Road: enquanto um empate em 2 a 2 era o resultado parcial pelos lados de Tyneside, no outro jogo os Black Cats surpreendiam ao abrirem 2 a 0, antes de George Best diminuir para os donos da casa. Mas apenas em Newcastle a contagem voltaria a sofrer mudanças nos 45 minutos derradeiros.


Os Citizens, que haviam estado por duas vezes em vantagem e tido dois gols anulados, passaram de novo à frente com um gol do atacante Neil Young e ampliaram para 4 a 2 com outro de Francis Lee, num passe de Colin Bell descrito como “o melhor da tarde” pelo Guardian. Os Magpies descontaram no fim, mas a vitória por 4 a 3 confirmou a grande conquista do City – que não ficaria só naquela taça no fim dos anos 1960. Com efeito, aquele título seria o pontapé inicial para consagrar uma geração de talentos.

Entre eles, brilhava a trinca do meio para a frente formada por Bell, pelo ponta-de-lança Francis “Franny” Lee, raçudo e catimbeiro, e pelo habilidoso ponteiro Mike Summerbee. Era a resposta do City à “Holy Trinity” (“Santíssima Trindade”) do rival United. Já na defesa, havia o lateral-direito e capitão Tony Book e o elegante zagueiro Mike Doyle, entre outros. E depois de vencerem a liga, no ano seguinte seria a vez de levarem o clube à quarta conquista da FA Cup, numa apertada decisão diante do Leicester, vencida por 1 a 0.


A trinca de conquistas nacionais seria completada em 1970, com o título da Copa da Liga numa final com o West Bromwich Albion decidida apenas na prorrogação (2 a 1). Na mesma temporada, coroando o período, o clube levantaria ainda sua única taça continental, a Recopa europeia, após superar com variados níveis de dificuldade Athletic Bilbao, Lierse, Académica de Coimbra, Schalke 04 e, na decisão sob chuva intensa em Viena, o Górnik Zabrze do artilheiro Wlodzmierz Lubanski, vencendo por 2 a 1.



Naquela altura, Colin Bell já era jogador de seleção inglesa. Havia estreado 11 dias depois de se sagrar campeão da liga, numa vitória sobre a Suécia por 3 a 1 em Wembley, num amistoso preparatório para a Eurocopa de 1968, a ser disputada no mês seguinte, na Itália. O meia acabaria incluído na convocação final, mas não entraria em campo pelo torneio. Seu grande momento no City, porém, garantiria futuras chances, mesmo numa época em que a disputa por um lugar na equipe dirigida por Alf Ramsey era bastante intensa.


UM NOVO TALENTO PARA OS THREE LIONS


No ano seguinte, em 12 de junho, Bell marcaria seu primeiro gol, escorando um cruzamento para abrir o placar na derrota de virada da Inglaterra para o Brasil de João Saldanha por 2 a 1 em amistoso no Maracanã. E receberia elogios na avaliação do Jornal do Brasil: “A melhor figura da equipe. Soube dar ritmo às ações e mostrou-se excelente no toque de bola para as jogadas de primeira”. No jogo seguinte, em novembro, seria dele o gol da vitória de 1 a 0 sobre uma Holanda que incluía um jovem Johan Cruyff em Amsterdã.

Foram atuações que carimbaram o passaporte do meia para a Copa do Mundo do México, na qual uma Inglaterra ainda mais forte que a campeã em 1966 defenderia seu título. Ausente na estreia contra a Romênia, Bell entraria durante a segunda partida, contra o Brasil, no lugar de Bobby Charlton e seria titular no posto do poupado Alan Ball diante da Tchecoslováquia. Sem sustos, os ingleses avançaram na segunda colocação e teriam pela frente a Alemanha Ocidental, numa repetição da final do Mundial anterior.


Bell outra vez começaria no banco e entraria durante o jogo contra os alemães. Pisaria o gramado, aliás, logo depois de Beckenbauer ter diminuído a derrota parcial da Mannschaft para 2 a 1, aos 23 minutos da etapa final, depois que Alan Mullery e Martin Peters haviam balançado as redes para a equipe de Alf Ramsey. O meia substituía um esgotado (porém um tanto incrédulo) Bobby Charlton, numa mudança que por muito tempo seria considerada o ponto em que o jogo deu uma incrível guinada a favor dos germânicos.


Aquela troca, no entanto, fazia sentido e era necessária, uma vez que Charlton não tinha mais condições de aguentar o calor e a altitude de León, e a Alemanha começava a ganhar, na marra, o controle do meio-campo. Preparo físico era exatamente o que sobrava em Colin Bell. E ele ainda se envolveria em dois lances que poderiam ter mudado a história do jogo: primeiro, um cruzamento para a cabeçada de Geoff Hurst que quase decretou o 3 a 1. Depois, na prorrogação, um pênalti não marcado num carrinho de Beckenbauer.


NO CITY E NA SELEÇÃO, MOMENTOS DISTINTOS


De volta ao cenário inglês de clubes, as conquistas daquele Manchester City começariam a rarear na primeira metade da década de 1970. Com Malcolm Allison ascendendo ao cargo de técnico após a saída de Joe Mercer em 1971, o time flertou fortemente com mais um título da liga na temporada 1971-72. E pareceu ainda mais candidato depois que, nas últimas horas da janela de transferência, em março de 1972, Big Mal pagou uma boa quantia ao Queens Park Rangers pelo talentoso e rebelde ponteiro Rodney Marsh.


Foi, porém, um passo em falso. Jogador individualmente brilhante, Marsh demorou a se encaixar no estilo coletivo da equipe, que passou a acumular tropeços. Ainda assim, os Citizens encerrariam sua tabela como líderes no dia 22 de abril, após derrotarem o Derby County por 2 a 0 em Maine Road. Mas, num desfecho incrível, o time de Brian Clough (que tinha jogos a menos) acabaria ficando com o caneco pela primeira vez, ao superar o próprio City, o Leeds e o Liverpool por apenas um ponto.


Dois anos depois, outra frustração viria na decisão da Copa da Liga em Wembley, contra o Wolverhampton. Os Wolves saíram na frente no primeiro tempo, mas Bell empatou para o City no começo da etapa final, após boa jogada de Marsh. E o meia teve a chance de virar o jogo numa cabeçada salva de modo espetacular pelo goleiro Gary Pierce. Porém, um gol de John Richards a cinco minutos do fim deu o título à equipe de Midlands. Por outro lado, naquele mesmo momento Bell vivia sua afirmação na seleção.



Entre dezembro de 1971 e outubro de 1975, ele participaria – sempre como titular – de nada menos que 34 dos 38 jogos da Inglaterra. A marca se torna ainda mais significativa pelo fato de três técnicos diferentes terem conduzido os Three Lions nesse período: Alf Ramsey (que deixou o cargo em maio de 1974), Joe Mercer (ex-treinador de Bell no City, que comandou interinamente a seleção por sete partidas em meados daquele ano) e Don Revie, o controverso manager do Leeds, que assumiu o cargo em julho.


Bell chegara a capitanear a Inglaterra, na ausência de Bobby Moore, num jogo contra a Irlanda do Norte pelo Campeonato Britânico em Wembley, em maio de 1972. Mas viveria um episódio traumático para os Three Lions: a queda nas Eliminatórias para a Copa de 1974. O meia marcaria o gol da única vitória inglesa naquele Grupo 5, um suado 1 a 0 sobre o País de Gales no Ninian Park em Cardiff. Mas um empate com os galeses em Wembley e uma derrota para a Polônia em Chorzow complicariam a situação dos ingleses.

Em Wembley, Bell disputa a bola com o polonês Jerzy Gorgon (Foto: Roger Jackson/Central Press/Getty Images).

O time precisava da vitória sobre os poloneses em Wembley de qualquer maneira. Mas esbarraria na atuação antológica do goleiro Jan Tomaszewski. Bell já tivera um chute forte e cruzado da entrada da área defendido por ele logo no início do jogo. E nos acréscimos, com o placar indicando o empate em 1 a 1 (gols de Jan Domarski e Allan Clarke) que deixaria os ingleses de fora da Copa, o meia enfim conseguiu superar o arqueiro adversário, mas sua finalização acabou salva em cima da linha por um zagueiro.



A chegada de Don Revie à seleção fazia vislumbrar uma nova alvorada para os Three Lions, e Colin Bell era parte desse processo: dois gols na categórica vitória por 3 a 0 sobre a Tchecoslováquia em Wembley, em 30 de outubro de 1974, na estreia do treinador, e uma atuação sublinhada pelo diário The Times como “uma de suas melhores pela Inglaterra” faziam entusiasmar. Assim como uma ótima temporada individual pelo Manchester City em 1974-75, marcando 15 gols pela liga e batendo seu próprio recorde.


NO AUGE DA FORMA, A GRAVE LESÃO


Sua inclusão na seleção da temporada da primeira divisão também ressaltava a grande fase que o meia outra vez vivia. Em novembro de 1975, porém, ela seria interrompida de maneira brusca por uma entrada do zagueiro escocês Martin Buchan, do Manchester United, num derby pela Copa da Liga vencido pelo City por 4 a 0 em Maine Road. Uma gravíssima lesão no joelho direito afastaria Colin Bell dos gramados por mais de dois anos, retornando apenas na rodada de Boxing Day de 1977, contra o Newcastle.


Nesse interim, ele perderia o restante da nova campanha vitoriosa do City na Copa da Liga em 1976, quando a equipe – agora comandada pelo antigo capitão Tony Book – superaria os mesmos Magpies na decisão. Ficaria de fora de toda a temporada 1976-77, em que o clube azul de Manchester terminaria como vice-campeão da liga, apenas um ponto atrás do Liverpool de Bob Paisley. E, previsivelmente, não voltaria a ser o mesmo jogador, sem o velho dinamismo e mobilidade após a operação no joelho lesionado.


Colin Bell ficaria no Manchester City até 1979. Malcolm Allison havia retornado ao clube após sete anos e promoveria uma profunda e controversa reformulação no elenco. Assim, o mesmo treinador que o trouxera do Bury por “uma barganha” em 1966 agora apresentava a ele a porta de saída. Após uma curta passagem de cinco jogos pelo San José Earthquakes, da liga norte-americana, o “herói relutante” (como diz o título de sua autobiografia lançada em 2005), penduraria as chuteiras em 1980, aos 34 anos.


Quem nunca o esqueceu foi a torcida do Manchester City. Se o velho ídolo preferiu se afastar do futebol e simplesmente viver uma vida normal, longe dos holofotes, com raras aparições diante das câmeras, Colin Bell sempre viveu durante todo esse tempo nos cânticos dos Citizens, entoados até mesmo por jovens torcedores que nunca o viram jogar. E acabou definitivamente eternizado ao batizar um dos setores de arquibancadas do novo Etihad Stadium. O Rei de Kippax não perdeu nem perderá a majestade.



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