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  • Foto do escritorEmmanuel do Valle

Há 80 anos, a Segunda Guerra interrompia a temporada 1939-40


Stanley Matthews em campo pelo Stoke em 1939: astro do futebol inglês às portas do conflito

Durou apenas oito dias, ou três rodadas completas. Com a declaração de guerra à Alemanha feita há exatos 80 anos, no dia 3 de setembro de 1939, pelo primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain, em virtude da invasão da Polônia pelas tropas nazistas de Adolf Hitler, as atividades esportivas na Inglaterra foram imediatamente paralisadas. E a temporada 1939-40 da liga inglesa entraria para a história como aquela que não terminou.


De certa forma, é surpreendente que ela tenha chegado a começar, dada a iminência do desaguar do conflito. E no fim, tudo se tornou um grande “what if?”, com o futebol de clubes do país tomando outro rumo, como veremos. Mas, talvez para proporcionar uma sensação de que tudo caminhava normalmente, a bola rolou por um tempo, após grande expectativa na pré-temporada por parte dos torcedores – especialmente os dos favoritos.



Entre eles estava, naturalmente, o Everton, detentor do título da temporada 1938-39 e do goleador mais prolífico do futebol inglês naquele momento, o jovem Tommy Lawton. Artilheiro da liga nas duas últimas temporadas (terminara a anterior com 35 gols anotados em 38 partidas), era uma garantia no ataque de um time que já contava, na defesa, com nomes lendários do quilate do goleiro Ted Sagar e do médio-esquerdo Joe Mercer.


Considerado o “time da década” por ter vencido cinco dos oito campeonatos disputados entre 1931 e 1938, mais duas FA Cups em 1930 e 1936, o Arsenal era outro favorito natural a mais uma conquista. E tinha um timaço, com o zagueiro Eddie Hapgood, o goleador Ted Drake e o ponta-esquerda Cliff Bastin, além do centroavante Bryn Jones, contratado do Wolverhampton um ano antes pelo valor recorde do futebol inglês de então.


Mesmo tendo perdido Bryn Jones, os Wolves haviam feito ótima temporada em 1938-39, mas ficaram apenas com o vice-campeonato tanto na liga (atrás do Everton) quanto na copa, perdida de modo surpreendente para o Portsmouth em Wembley. A equipe dirigida pelo controverso major Frank Buckley – famoso por aplicar nos jogadores misteriosas injeções do que dizia serem “glândulas de macaco” – vinha com fome de conquistas, portanto.



O Stoke era outro clube promissor naquele momento. Em 1936, havia terminado em quarto lugar, sua melhor posição até então, e no ano seguinte seu goleador Freddie “Nobby” Steele anotaria 33 gols, terminando como o artilheiro do campeonato. Outro destaque era o meia Frank Soo, primeiro jogador de origem asiática a atuar no futebol inglês (tinha pai chinês). Mas o maior nome do time era, sem dúvida, o ponta Stanley Matthews, de 24 anos.


Mas problemas fora dos gramados atrapalharam os Potters antes do início daquela campanha: Sofrendo de depressão, “Nobby” Steele decidira encerrar a carreira com apenas 23 anos (mais tarde, após se submeter a tratamento psiquiátrico, voltaria atrás). Enquanto isso, Matthews, o grande astro midiático do futebol inglês, vivia há dois anos uma longa queda de braço com o técnico Bob McGrory e ameaçara deixar o clube por diversas vezes.


E então havia o Blackpool, promovido da segunda divisão como vice-campeão em 1937 e, depois de duas campanhas discretas, mostrava claras intenções de subir de patamar ao pagar 10 mil libras pelo atacante Ephraim “Jock” Dodds, do Sheffield United, em março de 1939. Tratava-se da segunda maior transferência do futebol inglês em todos os tempos (abaixo apenas da já citada compra de Bryn Jones pelo Arsenal). E o reforço começara a nova campanha em alta.


A grande novidade para a temporada 1939-40 era a numeração nas camisas dos jogadores, tornada obrigatória pelo Comitê de Gerenciamento da Football League. Assim, com todos os seus titulares ostentando números de 1 a 11 nas costas, os 22 times da primeira divisão entraram em campo no sábado, 26 de agosto de 1939, para a rodada de abertura, que registrou 31 gols em 11 jogos e apenas um 0 a 0, entre Preston North End e Leeds United.


Apelidado pela imprensa de “o Arsenal do norte”, o Stoke começou em alta, goleando o Charlton por 4 a 0, mesmo placar da vitória do Manchester United sobre o Grimsby. Campeão de 1936, o Sunderland estreou vencendo categoricamente o Derby County, seu vice naquela mesma temporada, por 3 a 0. Mas o jogo com mais gols marcados naquela primeira rodada foi a vitória do Chelsea sobre o Bolton por 3 a 2 em Stamford Bridge.


Wolverhampton e Arsenal se enfrentaram logo na primeira rodada e ficaram num movimentado empate em 2 a 2 em Molineux. Já o Everton, surpreendido em casa pelo Brentford, também parou num empate em 1 a 1. O Portsmouth, campeão da copa, fez 2 a 1 no Blackburn, vencedor da segunda divisão, enquanto o outro promovido, o Sheffield United, arrancou em sua campanha de retorno com boa vitória sobre o Liverpool por 2 a 1.



Numa rodada quase toda dominada pelos mandantes, apenas um time venceu fora de casa: o Blackpool, que foi a Yorkshire e derrotou o Huddersfield pelo placar mínimo no estádio de Leeds Road. O resultado seria crucial para que a equipe dirigida por Joe Smith e que trazia como destaques os atacantes Bobby Finan e Willie Buchan (além do já citado “Jock” Dodds) chegasse isolada ao topo da tabela quando os jogos foram interrompidos.


A segunda rodada, disputada durante a semana, foi desmembrada em três dias, com jogos na segunda, terça e quarta-feira. O Blackpool jogou logo no dia 28, vencendo o Brentford em casa por 2 a 1. Aquela segunda-feira também registrou a recuperação do Everton, que bateu o Aston Villa em Birmingham por 2 a 1, e o tropeço do Stoke, que derrapou em pleno Victoria Ground diante do Bolton, pelo mesmo placar.


No dia seguinte, na única partida, os Wolves ficaram no 0 a 0 com o Grimsby. O grosso da rodada foi jogado na quarta-feira. E embora o Arsenal tenha reagido ao bater o Blackburn por um magro 1 a 0 e o surpreendente Sheffield United tenha segurado um empate sem gols na visita ao Preston, nenhum dos times que haviam vencido na estreia conseguiu repetir o feito. O Blackpool já se tornava a única equipe com 100% de aproveitamento.



No sábado seguinte, 2 de setembro, seria jogada a terceira e derradeira rodada. Com dois gols de seu caro artilheiro “Jock” Dodds, o Blackpool manteve a liderança isolada ao bater os Wolves por 2 a 1 em seu estádio de Bloomfield Road. Logo atrás dos Tangerines, seguiam na cola o Arsenal, que goleou o Sunderland por 5 a 2 com quatro gols de Ted Drake, e o Sheffield United, que venceu fora de casa o Leeds, rival de Yorkshire, por 1 a 0.


Quem também aparecia bem neste início era o Liverpool, que se recuperara da derrota diante dos Blades na estreia goleando o Middlesbrough por 4 a 1 e batendo o Chelsea por 1 a 0 nos dois jogos seguintes e Anfield. Tendo no time um certo médio escocês de nome Matt Busby, os Reds vinham de campanhas letárgicas ao longo da década, terminando quase sempre da zona central da tabela para baixo, mas tentavam subir de patamar.



Já o rival Everton contou com dois tentos de Tommy Lawton para salvar um 2 a 2 na visita ao Blackburn e não descolar dos ponteiros. Seguia invicto, com uma vitória e dois empates, na quinta posição. Bem mais irregular, o Stoke também ficou num 2 a 2 fora de casa, só que diante do Middlesbrough, e ocupava o meio de tabela. A decepção daquele início eram os Wolves, ainda sem vencer em três jogos, somando apenas dois pontos na 16ª colocação.


No pé da tabela estavam Blackburn, Middlesbrough e Leeds, que somavam apenas um ponto. Ironicamente, Preston e Leeds, os responsáveis pelo único 0 a 0 da rodada de abertura, eram as únicas equipes que ainda não haviam balançado as redes na primeira divisão. Enquanto isso, na segundona, as duas posições de acesso eram ocupadas pelos colíderes do campeonato, Luton Town e Birmingham, ambos com cinco pontos.


Além da liga, a FA Cup chegou a ter seu pontapé inicial com alguns jogos da fase extra-preliminar disputados. Mas antes mesmo que os eventuais replays pudessem ser realizados, a declaração de guerra interrompeu a competição. Os dois torneios foram então anulados, com seus jogos apagados das estatísticas oficiais. O conflito, porém, não representou a ausência completa de torneios de futebol na Inglaterra: entraram em cena as ligas regionais.



Ainda naquela temporada, o mapa da bola na Inglaterra foi repartido em dez torneios extraoficiais. Havia a Liga Nordeste, a Liga Noroeste, a Liga Oeste, a Liga de Midland, a Liga de Midland Oeste e a Liga Sudoeste, além da Liga Sul, dividida em quatro grupos (A, B, C e D). Também foi criada uma copa nacional. Com algumas alterações nas divisões regionais, as competições funcionaram assim até a volta das atividades normais da liga em 1946-47.


Líder da primeira divisão quando da paralisação da liga, o Blackpool até hoje nunca conquistou o título inglês. Suas melhores colocações viriam quando conseguiu atrair para sua equipe o astro Stanley Matthews: com ele, os Seasiders ficariam em terceiro em 1951 e em segundo em 1956. Mas bem distante dos campeões Tottenham e Manchester United. O consolo viria com o título da FA Cup em 1953, mas esta é outra história.

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